sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Lápis Azul (2012)

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Lápis Azul de Rafael Antunes é uma curta-metragem portuguesa de ficção que remete o espectador para os últimos dias da ditadura - e da censura - em Portugal.
O Coronel Barros Lopes (António Rama) passa os seus dias a analisar todos os escritos proibidos pelo regime salazarista. Viúvo e solitário, Barros Lopes descobre que a sua falecida mulher lia alguns dos livros proibidos pelo regime percebendo que vivia com uma mulher da qual afinal pouco conhecia.
Num evidente conflito entre a sua moral e aquela com quem silenciosamente convivia que tenta perceber quem é a mulher com quem partilhou a sua vida.
O realizador e também argumentista Rafael Antunes partilha com o espectador uma história que tanto o remete para o imaginário colectivo daquilo que era o anterior regime ditatorial onde todos os escritos desde livros a poemas ou canções que participavam na Eurovisão eram cuidadosamente analisados pelos censores como, ao mesmo tempo, nos sai desse imaginário centrando-se tranquilamente no dilema de um desses censores. O que acontece quando alguém que fervorosamente defende a ditadura, o regime e a censura descobre que dentro da sua intimidade existia toda uma diferente experiência e vivência que o aproximavam - no seu desconhecimento - de tudo aquilo que ele proibia solenemente?
Para responder a esta questão temos uma magnífica interpretação de António Rama como o "Coronel Barros Lopes", um homem solitário e reservado não só na sua intimidade como também com aqueles com quem de mais perto priva, inclusive com "Conceição" (Anabela Teixeira) que trata do seu lar na ausência da mulher. "Barros Lopes" tem toda a sua existência privada colocada em causa quando descobre a literatura proibida que a sua mulher consumia na sua ausência. Afinal, quem era aquela mulher que se escondia, e aos seus hábitos, longe do seu olhar e que recatadamente desafiava as suas ordens - questionando-as até - ao ler todos os livros que o seu lápis azul proibiam?
A grande questão para "Barros Lopes" coloca-se quando para tentar perceber, e até conhecer, a mulher com quem partilhou toda a sua vida, se vê obrigado a ler os mesmos livros que ela lia desafiando assim também ele os seus próprios actos "profissionais", e descobrir toda uma nova existência com a qual conviveu sem saber. O (seu) verdadeiro dilema surge quando percebe que por mais que se espie alguém - ou pelo menos se julgue que está sob o seu controlo - mais desconhecida essa pessoa é pois sente-se (sentiu-se) forçada a toda uma existência paralela que ocultava daquele que supostamente seria o seu mais próximo confessor.
Curiosa é também a presença do regime nos mais pequenos detalhes... a censura absurda que se questiona sobre o quê proibir ou até mesmo a presença desse "rosto" do regime que na prática nunca se chega a observar, encarnado aqui por Rogério Samora enquanto "Mário Bento" ou até mesmo nos silêncios tidos - que se percebem posteriormente - quando todo um mundo parece mudar "lá fora" e "Barros Lopes" segue como se nada de novo estivesse a decorrer e que revelam ao espectador o lado forte e dominador desse regime que agora estava a terminar graças à Revolução de Abril.
Silenciosamente sentimental - o espectador percebe o coração/sentimento desfeito deste homem sem que com isso nutra por ele qualquer simpatia - Lápis Azul revela-se como aquele filme que abre toda uma nova perspectiva sobre o anterior regime ao mostrar não o lado revolucionário e vitorioso, mas sim aquele dos "homens do regime" que se encontram agora sob toda uma nova perspectiva não só com a certeza de um futuro incerto como também com todo um passado familiar desconhecido e que agora parece revelar-se como feito paralelo àquele que defendiam.
Com uma direcção de fotografia eficaz e que faz com que o espectador se sinta presente nesses tempos idos e com uma interpretação maior de um saudoso e recentemente desaparecido António Rama num registo que irá figurar entre os seus melhores, Lápis Azul destaca-se ainda por se fazer acompanhar de um documentário homónimo com registo dos testemunhos de alguns dos opositores ao anterior regime e que figuram entre os mais destacados intérpretes da transição democrática portuguesa.
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8 / 10
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