O Vazio Entre Nós de Miguel Pinho foi mais uma das curtas-metragens presentes no segundo dia da secção competitiva do FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa a decorrer no Cinema São Jorge, em Lisboa, naquele que foi possivelmente o dia mais forte de toda a competição.
Esta curta-metragem conta-nos a história de um casal... David (Pedro Nogueira) perdeu o trabalho e sente o peso sufocante de uma depressão que o impede de reagir ao mundo que o rodeia. Joana (Sara Carinhas), a sua mulher, trabalha todo o dia fora de casa e quando a ela chega é ainda responsável por Rafael e Maria, os filhos.
No momento em que o mundo parece engolir as esperanças de ambos e que tudo parece desabar à sua volta, David reage... podendo não ser da melhor forma.
Miguel Pinho une-se através de O Vazio Entre Nós a uma corrente que se tem feito sentir na produção de curtas-metragens nacionais que abordam a temática do desemprego e da crise sendo aqui, no entanto, mais sentido o primeiro de ambos e os efeitos que este pode ter sobre aqueles que nele se encontram.
Primeiro o desespero que vem seguido de uma sensação de impotência até uma apatia generalizada face ao mundo e aos que o rodeiam, "David" é o nome de tantos que ao tentarem estabelecer para si e para os seus uma vida digna através de um trabalho que consiga responder às suas necessidades mas que, por motivos que nos ultrapassam e que também não são indispensáveis para o desenrolar de toda a trama, se vê de um momento para o outro numa situação de total inadaptação face à situação em que se encontra. Apesar de não nos ser fornecida informação sobre há quanto tempo está desempregado, a mesma não será necessária pois o menos atento dos espectadores percebe que todo o seu comportamento é já o ritual de alguém que há muito se encontra naquela situação. As suas rotinas que já são comuns para a mulher, para os filhos e até para o amigo que o visita e que percebem que se encontra em queda livre.
A sua apatia é generalizada... Dorme, acorda e vive a deambular num silêncio gritante que incapacita e desespera "Joana" que tudo tenta para que ele reaja àquilo que o rodeia. É esta pressão, ainda que perceptível, que acaba por funcionar ainda mais contra toda a situação em que se encontram. "David" sente-se marginalizado, numa vida fora daquilo que esperava e a qual não sabe encarar. De uma vida onde se sentiria como o sustento da casa para uma situação em que dela não sabe tratar ou tão pouco dar atenção aos filhos vivendo como um autista no seu próprio mundo, toda a constante pressão para que encontre uma solução para a sua vida, independentemente dela qual fôr, fazem-no sentir ainda mais inadaptado e no seio do seu próprio espaço que lhe parece ser agora, também ele, um incómodo.
Ainda que o argumento de Miguel Pinho caia num cliché que tende a ser noticiado vezes sem conta sobre a relação próxima entre desemprego e violência (afinal todos nós sabemos que ela é transversal a todas as classes etárias e por vezes até bem presente numa mais elevada onde é sofrida em silêncio), não é menos verdade que existe também alguma veracidade no mesmo pois o Homem é um animal selvagem adormecido (o mesmo sono em que "David" e qualquer outro possa viver), e que desperta quando se sente encurralado e preso em locais onde não quer estar. É então esta mesma pressão que em vez de funcionar como estímulo pode desencadear um conjunto de acontecimentos atípicos do Homem e levá-lo a cometer actos desesperados.
Pedro Nogueira, entrega ao seu "David", uma vivência num silêncio quase arriscaria dizer cortante. Percebemos pela sua expressão e forma de estar que a esperança é já uma miragem num passado que parece nunca ter existido e que agora apenas se conforma com a ideia de estar até se extinguir. Farto das pressões e até de ouvir as vozes que outrora muita alegria lhe terão proporcionado, agora apenas deseja sentir o silêncio e imaginar que nada o rodeia. Silêncio esse que lhe garante a única ideia de conforto que agora consegue equacionar mas que, ao mesmo tempo, cava um fosso cada vez maior na relação com a sua mulher.
Por sua vez, Sara Carinhas e a sua interpretação como "Joana", mostra o rosto de uma mulher que deseja o melhor para aquele com quem partilha a sua vida mas que ao mesmo tempo se vê encurralada num igual desespero por se sentir a sobrecarregar com um conjunto de obrigações que anteriormente eram partilhadas mas que são agora totalmente da sua responsabilidade tornando-se assim num sufoco.
A dinâmica entre os dois actores não poderia funcionar melhor pois sentimos que o amor que anteriormente os possa ter unido é agora sentido como um elemento que os impede de avançar que facilmente se transformou em algo mais forte que roça a distância e até a repulsa que dá vida a esse momento especialmente negro que dá título à curta-metragem... o vazio, que acaba por ser acentuado por uma direcção de fotografia de Emanuel Oliveira a preto & branco que nos mostra o quão frio se pode manter um ambiente onde os sentimentos são agora escassos, se é que existentes, e onde o amor dá agora lugar à indiferença.
Ainda que um trabalho de final de curso, O Vazio Entre Nós é um sentido registo profissional que mostra a qualidade da produção cinematográfica em formato curto nacional e que se assume não só como o mais forte registo deste jovem realizador como também um dos trabalhos mais interessantes dos últimos tempos.
Esta curta-metragem conta-nos a história de um casal... David (Pedro Nogueira) perdeu o trabalho e sente o peso sufocante de uma depressão que o impede de reagir ao mundo que o rodeia. Joana (Sara Carinhas), a sua mulher, trabalha todo o dia fora de casa e quando a ela chega é ainda responsável por Rafael e Maria, os filhos.
No momento em que o mundo parece engolir as esperanças de ambos e que tudo parece desabar à sua volta, David reage... podendo não ser da melhor forma.
Miguel Pinho une-se através de O Vazio Entre Nós a uma corrente que se tem feito sentir na produção de curtas-metragens nacionais que abordam a temática do desemprego e da crise sendo aqui, no entanto, mais sentido o primeiro de ambos e os efeitos que este pode ter sobre aqueles que nele se encontram.
Primeiro o desespero que vem seguido de uma sensação de impotência até uma apatia generalizada face ao mundo e aos que o rodeiam, "David" é o nome de tantos que ao tentarem estabelecer para si e para os seus uma vida digna através de um trabalho que consiga responder às suas necessidades mas que, por motivos que nos ultrapassam e que também não são indispensáveis para o desenrolar de toda a trama, se vê de um momento para o outro numa situação de total inadaptação face à situação em que se encontra. Apesar de não nos ser fornecida informação sobre há quanto tempo está desempregado, a mesma não será necessária pois o menos atento dos espectadores percebe que todo o seu comportamento é já o ritual de alguém que há muito se encontra naquela situação. As suas rotinas que já são comuns para a mulher, para os filhos e até para o amigo que o visita e que percebem que se encontra em queda livre.
A sua apatia é generalizada... Dorme, acorda e vive a deambular num silêncio gritante que incapacita e desespera "Joana" que tudo tenta para que ele reaja àquilo que o rodeia. É esta pressão, ainda que perceptível, que acaba por funcionar ainda mais contra toda a situação em que se encontram. "David" sente-se marginalizado, numa vida fora daquilo que esperava e a qual não sabe encarar. De uma vida onde se sentiria como o sustento da casa para uma situação em que dela não sabe tratar ou tão pouco dar atenção aos filhos vivendo como um autista no seu próprio mundo, toda a constante pressão para que encontre uma solução para a sua vida, independentemente dela qual fôr, fazem-no sentir ainda mais inadaptado e no seio do seu próprio espaço que lhe parece ser agora, também ele, um incómodo.
Ainda que o argumento de Miguel Pinho caia num cliché que tende a ser noticiado vezes sem conta sobre a relação próxima entre desemprego e violência (afinal todos nós sabemos que ela é transversal a todas as classes etárias e por vezes até bem presente numa mais elevada onde é sofrida em silêncio), não é menos verdade que existe também alguma veracidade no mesmo pois o Homem é um animal selvagem adormecido (o mesmo sono em que "David" e qualquer outro possa viver), e que desperta quando se sente encurralado e preso em locais onde não quer estar. É então esta mesma pressão que em vez de funcionar como estímulo pode desencadear um conjunto de acontecimentos atípicos do Homem e levá-lo a cometer actos desesperados.
Pedro Nogueira, entrega ao seu "David", uma vivência num silêncio quase arriscaria dizer cortante. Percebemos pela sua expressão e forma de estar que a esperança é já uma miragem num passado que parece nunca ter existido e que agora apenas se conforma com a ideia de estar até se extinguir. Farto das pressões e até de ouvir as vozes que outrora muita alegria lhe terão proporcionado, agora apenas deseja sentir o silêncio e imaginar que nada o rodeia. Silêncio esse que lhe garante a única ideia de conforto que agora consegue equacionar mas que, ao mesmo tempo, cava um fosso cada vez maior na relação com a sua mulher.
Por sua vez, Sara Carinhas e a sua interpretação como "Joana", mostra o rosto de uma mulher que deseja o melhor para aquele com quem partilha a sua vida mas que ao mesmo tempo se vê encurralada num igual desespero por se sentir a sobrecarregar com um conjunto de obrigações que anteriormente eram partilhadas mas que são agora totalmente da sua responsabilidade tornando-se assim num sufoco.
A dinâmica entre os dois actores não poderia funcionar melhor pois sentimos que o amor que anteriormente os possa ter unido é agora sentido como um elemento que os impede de avançar que facilmente se transformou em algo mais forte que roça a distância e até a repulsa que dá vida a esse momento especialmente negro que dá título à curta-metragem... o vazio, que acaba por ser acentuado por uma direcção de fotografia de Emanuel Oliveira a preto & branco que nos mostra o quão frio se pode manter um ambiente onde os sentimentos são agora escassos, se é que existentes, e onde o amor dá agora lugar à indiferença.
Ainda que um trabalho de final de curso, O Vazio Entre Nós é um sentido registo profissional que mostra a qualidade da produção cinematográfica em formato curto nacional e que se assume não só como o mais forte registo deste jovem realizador como também um dos trabalhos mais interessantes dos últimos tempos.
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