Mouton de Gilles Deroo e Marianne Pistone é uma das longas-metragens presentes na Competição Internacional do IndieLisboa - Festival Internacional de Cinema Independente a decorrer até ao próximo dia 4 de Maio.
Esta longa-metragem, cujo argumento é também da autoria da dupla de realizadores, leva o espectador a entrar de imediato na convivência de Aurélien (Michael Mormentyn), vulgarmente apelidado de Mouton por aqueles que o rodeiam.
Inicialmente, e quase num registo documental de memória, percebemos que a justiça e os serviços sociais retiraram Mouton dos encargos de uma mãe incapaz de o manter e que apenas o quer porque "é seu". Com a lei e a própria vontade de Mouton de abraçar uma nova vida longe desta mulher de quem nada sabemos, o jovem começa uma nova vida e com um núcleo diferente que o levam a aprendiz de cozinheiro num restaurante de uma pequena cidade costeira da Normandia, onde executa com perfeição a tarefa que lhe é confiada. Até ao dia em que uma tragédia lhe irá alterar radicalmente toda a sua vida que parecia estar agora finalmente a começar.
A dupla Deroo e Pistone cria um ambiente que transforma o espectador num curioso nato. Apesar de breves instantes a dinâmica inexistente entre mãe e filho desperta em si uma curiosadade quase mórbida. Percebemos que aquela mulher é rude e proveniente de um meio onde os afectos eram apenas mais uma palavra e a cumplicidade maternal que se esperava é algo que nunca existiu. No entanto, e apesar de não voltarmos a este espaço, a viagem que nos leva a acompanhar "Mouton" torna-se ela igualmente viciante. "O que irá acontecer a este jovem?", pensamos a certa altura, e ainda que esta resposta tarde o interesse não se perde querendo sempre saber mais dos estranhos hábitos e comportamentos que não só ele como o grupo que o envolve adquirem. "Mouton" convive, trabalha e apaixona-se, sempre muito reservadamente, como se o seu mundo se limita-se a apenas uma tarefa de cada vez e que momentaneamente tem de executar. A sua expressividade, ou até aquela daqueles com quem convive, é inexistente. Mecanicamente trabalham e divertem-se sem que exista uma real cumplicidade na sua interactividade e assim o espectador passa mais de metade do filme por um lado curioso sobre um conjunto de acontecimentos que parecem querer suceder e, ao mesmo tempo, numa dinâmica de onde irá parar o destino daquele jovem.
De repente, se passamos todo este tempo a "conviver" com "Mouton", não é menos verdade que do nada sabemos de um seu acontecimento trágico, explicado mas não presenciado, que o obriga a afastar-se daquele meio e daquelas pessoas que aos poucos se tornavam a sua própria nova família. É então que a acção se desloca para todos eles, e o espectador é agora levado numa múltipla viagem onde conhece todos aqueles comportamentos mais ou menos desviantes abandonando os destinos de "Mouton". Se inicialmente é a mãe deste jovem que se vê privada da sua presença (contra sua vontade), é agora o espectador que se vê privado da mesma pelos realizadores que decidem que é a nossa vez de seguir caminho para outras paragens, com outras pessoas com as quais temos agora, por imposição, de conviver.
Sem escolha possível há uma mensagem que permanece no ar, ou seja, aquela do abandono. O abandono de "Mouton" por parte da sua mãe e, por sua vez, dele para com uma vida que nunca chegamos a conhecer, o seu posterior afastamento como resultado de um trágico acontecimento e toda uma segunda metade deste filme onde o espectador convive com todo um conjunto de personagens que perpetuam este sentimento... Os gémeos que não reúnem grande empatia com ninguém e a única forma de sentirem algum tipo de ligação é com a ocasional prostituta com quem marcam encontro, o jovem casal que pouco tempo passa em conjunto, o ocasional cão que é abandonado à sua sorte e o próprio "Mouton", outrora grande amigo e membro deste grupo mas do qual ninguém sabe por um tempo indefinido reafirmando que estando longe da vista está, também ele, longe do coração de qualquer um.
Mouton não é um filme fácil e é capaz de cansar o espectador mais desprevenido se já fôr com noções pré-concebidas daquilo que julga ser um filme que deve entreter... Aqui, pelo contrário, não existe qualquer entretenimento mas sim uma vontade explícita de incomodar e de deixar o seu público insatisfeito com aquilo que não chega a presenciar e com o resultado da vida daquele jovem pelo qual nutriu a sua curiosidade inicial e de quem, no fundo, ficam tantas perguntas por responder.
Tecnicamente desafiante pela forma quase documental de filmar aquela(s) vida(s), Mouton prima por uma direcção de fotografia de Éric Alirol perturbadora e que a certo ponto nos faz questionar se não estamos presente um sonho ou uma memória que não percebemos saber de onde chegou, bem como por uma entusiasmante, sólidas mas muito contida interpretação de Michael Mormentyn que poderá muito facilmente figurar entre as seleccionadas no próximo ano para o César de Revelação Masculina... tenha este filme o devido destaque em França.
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6 / 10
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