Ponto Morto de André Godinho é uma curta-metragem portuguesa de ficção presente na secção de Cinema Emergente - Curtas-Metragens do IndieLisboa - Festival Internacional de Cinema Independente e até ao momento um dos mais interessantes filmes curtos presente nesta edição.
Rita (Rita Só) e Manel (João Nogueira) preparam-se para uma viagem. Após sucessivas paragens pelo caminho e de comportamentos de desejo e sedução encontram-se numa estrada perdida... testemunham um acidente e vêem uma morta.
Até que ponto estarão comprometidos pelas suas próprias decisões? Até que ponto eles próprios existem?
A curta-metragem de André Godinho surpreende de imediato pelo clima entre as duas personagens que julgamos serem centrais. A sua cumplicidade e sedução são de tal forma intensos e a sua viagem parece ser de tal foma cúmplice e de fim de ciclo, que imediatamente nos recordamos daquele feita por "Mickey" e "Mallory" no saudoso Natural Born Killers de Oliver Stone.
É, no entanto, no decurso desta mesma viagem que este par nos revela uma enorme surpresa que abre assim caminho para o segundo segmento da mesma onde à beira estrada permanece o corpo de Soraia Chaves, interpretando-se a si própria, esquecida num acidente do qual aparentemente ninguém quer saber. Todos os que lá se encontram querem ir para outro local sendo que num ciclo sem fim se encontram sempre no mesmo local.
É este segundo segmento aquele que possivelmente entrega a mensagem mais filosófica de Ponto Morto e aquele igualmente define o estado do cinema - português -, o qual é dito a certa altura "está morto". Morto não estará e a originalidade e vanguarda que esta curta-metragem nos apresenta é disso prova. Bem pelo contrário, aqui assistimos à forma como as premissas que conhecemos podem ser desafiadas, como as ideias pré-concebidas que temos das personagens podem ser distorcidas a bem da continuidade de uma história que pensamos já conhecer e como os próprios actores (ou não) conseguem desvincular-se de uma certa imagem que têm vindo a criar entregando-se a novos desafios que são assumidamente vitórias pelo seu risco e concepção. Soraia Chaves é disto exemplo perfeito e a sua interpretação enquanto ela própria que ressuscita de um acidente que se perde entre a ficção e a realidade e que serve fundamentalmente para a própria se afastar de uma certa imagem que o seu início de carreira determinou, percorre as estradas e caminhos sem fim como se num purgatório se encontrasse numa incessante busca de uma redenção que não irá chegar.
É neste percurso, acompanhada de um sempre fiel José Smith Vargas como o assistente de produção que se vê a braços com uma morte com a qual não contava, que Chaves se desmistifica transformando-se simplesmente numa mulher. Mulher essa que não fosse a sua identificação inicial poderia ser anónima numa simbologia de tantas outras que percorrem caminhos nos quais jamais pensariam estar, percorrendo a eternidade sem destino, sem metas e sem finais. Sempre numa eterna espera... A espera para que se "desligue o cérebro", aquele que finalmente condiciona o próprio "ser" mas que se recusa a acontecer condenando assim aquelas duas almas a uma constante e eterna condição, nunca existência, onde o nada é a única certeza.
Filosófico dirão alguns mas por aqui prefiro utilizar a palavra arrojado. Primeiro porque não só nos dá a concepção de filme dentro do filme como depois se recusa a sê-lo e transporta o espectador para uma viagem quase mística, quase de filme apocalíptico onde os mortos estão condenados a andar pelas estradas desertas para toda a eternidade mas que no final se revela uma história sobre a verdadeira morte, aquela que colhe os sentidos, a compreensão e finalmente afirma que o único desejo é simplesmente deixar de "ser".
No final questionamo-nos... perceberemos nós quando estamos realmente mortos? E o que acontece quando essa percepção tarda ou nunca chega?! Ao realizador André Godinho só posso desejar que essa morte criativa nunca chegue... ou pelo menos que ninguém dela se aperceba!
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