sexta-feira, 4 de abril de 2014

Vida Tramada (2012)

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Vida Tramada de Salvador Palma e Rui Rodrigues é desde este momento uma das mais fortes curtas-metragens em competição no FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa.
Manuel (Adriano Luz) é um pai de família e a única fonte de rendimento da casa. Com dois filhos estudantes e a mulher doméstica, o rosto de Manuel espelha as dificuldades que a família tem em aguentar o dia-a-dia e fazer face a um trabalho que aos poucos o parece esgotar.
Quando tudo aparenta ser mais frágil do que uma fina linha, perguntamo-nos sobre o que acontecerá se este forte mas pacato pilar que é Manuel, fôr colocado à prova...
O realizador Salvador Palma é também o autor desta forte e tão actual argumento que tem tudo menos ficção. Encontramo-nos num Portugal profundo e rural onde aparentemente tudo o que novidade chega por último, mantendo assim todo o local imune às transformações sociais que se fazem sentir. Repito... aparentemente!
Num mundo em constante transformação só mesmo o tempo aparenta correr a uma velocidade diferente sendo potencialmente mais difícil encontrar e fazer notar todas as alterações que socialmente se fazem sentir. No entanto, é também nestes meios mais escondidos dos olhares de uma sociedade que está cada vez mais virada para os seus próprios problemas que, apesar de vividas em silêncio, as dificuldades são avassaladoras de lares... de todos eles... de forma inequívoca.
Com uma única fábrica para a qual boa parte da população se desloca para trabalhar é fácil perceber o que sucede quando para escapar a pagamentos de impostos ao Estado, o patronato se desaparece deixando poucos vestígios da sua presença no local onde todos eles encontravam o seu sustento... para muitos, o único. É esta assustadora realidade que colhe vidas no mais profundo silêncio e onde todas as oportunidades são agora miragens de um passado não vivido que Vida Tramada nos obriga a pensar. Quando a idade que se tem se torna em demasia para uma nova vida ou por defeito para uma pensão, o que acontece a todos aqueles milhares de trabalhadores anónimos que, de repente, se vêem a braços com um desemprego indesejado e com as habituais contas para pagar, uma casa para sustentar, filhos para educar e comida na mesa que não cai do céu?
Toda esta tragédia é aqui vivida num quase total silêncio que é apenas abafado pelos desabafos ocasionais no café onde todos se encontram para um jogo de cartas ou pelos pensamentos em voz alta de uma família que já aparenta ter pouca paciência entre si sendo apenas mantida por aquele que se vê agora a braços com o desespero de não ter para onde ir ou onde resolver todos os seus tormentos.
Adriano Luz, que já todos sabemos ser um actor de potencial enorme e capaz de entregar algumas das personagens mais marcantes tanto em cinema como em televisão, é aqui o rosto de um Portugal sofrido em silêncio e à beira de um desespero que aos poucos o consome e cujas expressões nos revelam estar bem consciente de que esta não é a vida que merece. Que se ignorem os problemas do dia-a-dia e as aparentes faltas de dinheiro que impedem de saldar as suas dívidas... Momentos existem, nomeadamente aquando do seu jogo de cartas com os amigos, em que os eu olhar revela que aquela não é a vida dele... talvez seja um pesadelo... algo que imaginou num sonho menos bom que poderia acontecer mas, ao mesmo tempo, sabe estar acordado e a vivê-lo. Sabe que nada mais pode fazer a não deixar passar o tempo e esperar que o que ele traga não seja pior... quando pode ser... e é.
O seu rosto, aliás... o de todos eles, é carregado e apagado de vida graças a uma soberba direcção de fotografia de Nelson Guerreiro, que obriga a confundir as personagens (nós) com o espaço fazendo tudo apenas um único cenário desesperado e morto.
E no final, quando já pensamos que assistimos a toda uma decadência do Homem e das suas esperanças, percebemos que afinal há sempre mais um golpe que pode ser desferido e quase mortal. Enquanto os outros adormecidos gritam em revolta ele, o Homem, sai de cena e desaparece... aquele não é o lugar dele... não é o seu meio nem tão pouco a condição em que se enquadra. Nada mais é do que uma passagem sendo esta, no entanto, sem saída... sem esperança... sem objectivos e sem rumo.
Forte, intensa e crua, Salvador Palma e Rui Rodrigues mostram-nos de facto que a vida poder muito tramada, desesperada e desprovida de sentido, numa das mais fortes curtas-metragens do momento e que dá continuidade a uma já por aqui referida vaga de filmes que abordam os dias negros que a sociedade actual vive e consegue sentir... ainda que pouco.
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