sexta-feira, 10 de maio de 2013

To the Wonder (2012)

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A Essência do Amor de Terrence Malick esteve presente na selecção oficial da última edição do Festival Internacional de Cinema de Veneza.
Neil (Ben Affleck) é um Americano em viagem pela Europa, e é em Paris que conhece Marina (Olga Kurylenko), uma Ucraniana divorciada e com uma filha na pré-adolescência com um humor muito próprio. É na capital francesa que a sua paixão nasce, e o casal vive dias de felicidade exacerbada partindo de seguida para o emblemático Mont Saint Michel onde a sua jovem relação conhece as mais profundas promessas de amor e de dedicação, que levam Neil a convidar Marina e a sua filha a partirem com ele para os Estados Unidos, e aí começarem a sua nova vida.
Uma vez no seu nativo Oklahoma, Neil começa a sua actividade como inspector ambiental enquanto Marina inicia a sua nova vida e Tatiana, a sua filha, frequenta uma nova escola onde todos os rostos são desconhecidos. Aos poucos aquilo que parecia perfeito começa a degradar-se e o amor que ambos uniu parece agora posto à prova e lentamente se dissipa numa relação que os começa não só a separar como principalmente tornar indiferentes e resistentes a si próprios. Enquanto Neil reencontra a paixão em Jane (Rachel McAdams), uma antiga namorada, Marina encontro o conforto junto do Padre Quintana (Javier Bardem) que, tal como ela, é um estranho naquelas terras e que coloca também a sua própria fé em causa questionando até que ponto lhe consegue ser fiel.
Quando o visto de Marina expira e com isso se vê obrigada a regressar a França, irá a relação dos dois terminar para sempre, ou será este o factor que irá determinar até que ponto estão realmente ligados?
Para mim um filme que tenha a assinatura de Malick é motivo suficiente para me deixar expectante sobre o seu conteúdo. Com uma carreira com poucos títulos realizados mas que, todos eles, representam um marco de reflexão sobre a verdadeira essência do Homem, e que já nos deu obras como A Barreira Invisível ou o mais recente A Árvore da Vida, este seu novo título que teve ante-estreia em Veneza, é um acontecimento que não poderia deixar passar em branco. Sim, assumo-me como um fã da sua obra, e depois da Árvore, este não poderia perder.
Esta história, também ela assinada por Malick, é marcada por dois distintos momentos. O primeiro ainda na Europa, onde o amor entre "Neil" e "Marina" nasce, cresce repentinamente e onde ambos pensam ter encontrado a sua metade. Tal como a viagem a Saint Michel, o seu amor é uma descoberta, uma confirmação do futuro ainda não vivido mas que ambos pretendem consumar e que, abençoados pela água pura, tal este amor será imaculado. No entanto, com a mudança para os Estados Unidos e muito concretamente para um ambiente bem distinto daquele ao qual "Marina" estava habituado, também este amor será colocado à prova e as certezas outrora confirmadas serão agora questionadas. As marcas de um passado vivido com dificuldades e com provações emergem, e tal como o próprio espaço contaminado e poluído, também este amor começa a denotar as suas fraquezas, mazelas e provações falhadas que o abanam, o fazem ressentir e que o demonstram ser tão frágil como os próprios intervenientes pouco preparados para algo "para a vida", onde a mudança de espaço é uma clara analogia para a própria mudança, e decréscimo, do amor sentido.
As marcas desta ausênciaou perda de amor são uma constante ao longo do filme, podendo ser retratadas pelo evidente afastamento do casal que não partilha momentos, como principalmente pelos pequenos detalhes que as imagens nos entregam... A casa nunca terminada, as caixas nunca desempacotadas ou os silêncios que aos poucos se apoderam daquelas pessoas que quase evitam olhar um para o outro ou permanecer muito tempo no mesmo espaço.
Este momento é assim um dos objectivos do filme que se prende com uma reflexão sobre o amor humano. Aquele partilhado entre dois indivíduos que após uma qualquer atracção, desenvolvem a vontade de partilhar momentos, espaços, situações e pensamentos. A vontade de estabelecer uma confiança mútua, de entrega pessoal e sentimental que aos poucos se completa com a própria criação e desenvolvimento de uma família e de um espaço comum... o lar.
O segundo momento é representado pelos segmentos em que o "Padre Quintana" de Javier Bardem, reflete sobre a sua dedicação à Igreja, a Deus e a Jesus, ao mesmo tempo que somos acompanhados, e acompanhamos, as suas visitas a uma camada populacional desprovida de reais condições de vida, afectados pelo alcoól, pelas drogas e por uma vida cheia de provações e de dificuldades que o fazem questionar a sua fé e a sua crença na obra de Deus.
É assim que é estabelecida uma estreita relação entre os dois tipos de amor. Por um lado o amor Divino que não se deve questionar, colocando assim em causa a própria fé, e por outro lado o amor humano que une dois indivíduos na vontade de se amarem e construir uma vida comum. Questionar um é colocar em dúvida o outro pois ambos são, à sua medida, um mútuo complemento. Amar implica empenho, dedicação, confiança e entrega... tal como na fé. Assim, falhar num casamento ou numa união é falhar no compromisso para com Deus sobre o amor mútuo que se prometera, independentemente de ser uma constante prova repleta de bons e maus momentos, de defeitos e qualidade mútuas que se complementam e de emoções que são (in)constantes, como refere "Quintana", tal como as nuvens. "Love is a duty... You shall love"... não há outra forma de o encarar... Ele irá aparecer numa ou outra altura da vida de cada um. Para Malick, amar é uma forma de honrar Deus, mesmo que longe de uma qualquer Igreja ou templo, é a forma de poder homenagear o amor que o próprio entregou ao Homem, constituindo assim uma verdadeira reflexão de fé sem que esta se torne religiosa, celebrando-o como um instinto natural e do qual ninguém pode escapar.
E é esta mesma presença divina que sentimos em todas as obras de Malick. Esteve presente no filme A Barreira Invisível, mais ainda em A Árvore da Vida e neste A Essência do Amor é tão claro como a água que "benze" o amor de "Neil" e de "Marina", mas também pela presença invisível mas sempre constante que sentimos quando nos são apresentadas as personagens, os espaços ou os seus silêncios. Existe algo que os observa como que estando junto a eles sem se dar a conhecer ou se apresentar. Algo que observa as suas reacções e que quase lê os seus pensamentos que nós, espectadores, escutamos como sendo uma voz da consciência que os acompanha para todos os locais e que ao mesmo tempo transmite uma calma e tranquilidade que contrastam com os seus reais pensamentos. Algo que os observa como se tentando perceber como reage a sua "obra" face às provações e aos testes que a vida (um elemento também sempre constante nas obras de Malick) se lhes coloca.
Terrence Malick é, como sempre, grande na sua observação à mais simples condição e pensamentos humanos e deixando sempre a sua reflexão sobre a Humanidade e que, ao mesmo tempo, nos obriga também a pensar sobre ela.
As interpretações competentes, e quase arriscaria "reais" pois transmitem uma constante preocupação e vulnerabilidade presentes em qualquer um de nós, não poderiam estar melhor entregues aos actores em questão. Se Rachel McAdams tem um desempenho quase figurativo, e de Javier Bardem é credível na sua abordagem ao padre com uma crise de fé quando se depara com toda uma população que parece ter sido em tempos abandonada por Deus, é igualmente justo dizer que Ben Affleck, ainda que não na sua melhor interpretação, consegue encarnar o espírito do homem que vive indeciso entre o amor de juventude e que de certa forma nunca esqueceu mas que ao mesmo tempo equaciona se terá ou não chegado finalmente a altura de encarar que já não é o adolescente que em tempos foi, estando assim preparado para dar alma ao homem em que se tornou e construir a vida com a mulher que realmente o completa. No entanto, é uma etérea e magnífica Olga Kurylenko que tem aqui a sua prova de fogo (e superada), como aquela que foi em tempos traída, esquecida e abandonada que encontar em "Neil" o homem que pensa poder voltar a amar mas que, face às suas dúvidas e incertezas se vê entrar numa espiral de desgraça, abandono e incertezas que a podem facilmente levar à loucura e colocando-a no purgatório de onde pensa ter saído quando o conheceu. Kurylenko, até há bem pouco tempo uma alegre desconhecida do grande público, tem agora a sua confirmação enquanto actriz capaz e convincente dos mais sentidos e emotivos desempenhos que se espelham pelos seus últimos e poderosos instantes do filme.
Não sendo uma obra "superior" (está colocado entre aspas pois isto é sempre muito subjectivo) a A Árvore da Vida, este A Essência do Amor é um filme que segue a sua já conhecida reflexão sobre o Homem, sobre a Humanidade e sobre a nossa capacidade de nos auto-analisarmos perante o mundo e os outros como segue também a já tradicional excelência técnica das obras de Malick quer a nível da sua música original composta por Hanan Townshend que nos coloca não direi num transe mas sim num lugar superior onde nos podemos dar ao luxo de "descontrair" para reflectir, quer pela inigualável fotografia de Emmanuel Lubezki que quase sempre nos transmite uma sensação dessa mesma tranquilidade, mesmo quando os momentos parecem não permiti-lo, tal como se nos encontrássemos num desconhecido paraíso.
A Essência do Amor segue ainda a tradição que os filmes de Malick têm que os define como "difíceis", "complicados" ou sem uma linha condutora da sua acção. Tal como esta sua história, eles precisam também de dedicação e de um espírito aberto receptivo a compreendê-los e não de uma mente extremamente negativa que espere um filme de acção com desempenhos que nos entreguem tudo com as suas meras palavras. Aqui tudo é transmitido por momentos, por gestos e acções e principalmente com uma capacidade inigualável que Malick tem de fazer os seus actores transmitirem as mais profundas conversas apenas com os seus olhares e com o vazio, ou plenitude, que estes conseguem fazer-nos chegar e que fazem, na sua própria essência, uma reflexão sobre o amor, sobre a fé, a entrega e a dedicação ou, no fundo, sobre a vida que a todos nos é comum.
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"Father Quintana: The man who makes a mistake can repent. But the man who hesitates, who does nothing, who buries his talent in the earth, with him He (Jesus) can do nothing."
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8 / 10
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