segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Farpões, Baldios (2017)

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Farpões, Baldios de Marta Mateus é uma curta-metragem portuguesa de ficção e um dos filmes curtos presentes na secção competitiva da vigésima-terceira edição do Caminhos do Cinema Português a decorrer em Coimbra.
Uma plantação. As colheitas. Um rebanho no campo. Num interior esquecido, um conjunto de crianças vagueia pelos campos isentos de qualquer ordem ou regra. Passeiam pelas ruínas de estruturas de outros tempos. Serão eles a descendência ou o reflexo de um passado por resolver?!
O argumento de Marta Mateus lança o espectador numa incerteza constante sobre o momento em que a acção decorre. Estará ele sob o vislumbre de um presente abandonado? De um futuro perdido? Ou de um passado vivido e entretanto perdido? Na melhor das conjunturas, aquilo que Farpões, Baldios apresenta é uma história vista de um futuro sobre o passado (e suas consequências) naqueles que por ele o atravessaram. Com claras referências a um Portugal ditatorial onde as gerações foram perdidas num trabalho manual que a liberdade fez desaparecer - o pastoreio, as colheitas (...) -, os mais novos fogem na presença de uma geração mais velha como um símbolo do passado (a Ditadura) que temem e com o qual não se querem associar ou deixar levar pelos seus sinistros caminhos.
Os campos de cultivo são como que um cemitério a céu aberto onde todos se perderam alguma vez e as marcas do tempo estão espelhadas no corpo daqueles por quem o mesmo já passou permitindo-os apenas observar tudo ao seu redor como que membros presentes num purgatório onde esperam... e esperam...
A memória do tempo passado não se perde. Ela é, aliás, uma constante presença da história de cada um, marcando-os como sobreviventes de um tempo passado que não ousam verbalizar mas temem tempos depois como as crianças que outrora foram. A memória também dessa miséria vivida e agora testemunhada pelos mais velhos que, perdidos no espaço, são o único registo físico de um local - também ele perdido - que a cidade lá longe tende a ignorar. É apenas um final em que os já idos tentam abrir os olhos dos vivos para que também estes testemunhem e observem que o passado já distante é ainda uma realidade sentida e experimentada.
Num registo oscilante entre o místico e o documento histórico, Farpões, Baldios utiliza esse dilema passado versus presente para ilustrar todo um período que embora documentado e estudado é ainda vivido num silêncio constrangedor. Afinal, ainda que o período ditatorial seja e esteja estudado mesmo no cinema português, a realidade é que este tem sido feito muito pouco sobre as vivências das pequenas comunidades do interior onde ainda hoje, quatro décadas depois, é o silêncio que determina as realidades passadas dos mesmos.
Numa mescla entre a realidade e a ficção, entre o documento histórico e a imaginação de uma realidade paralela mas pouco fantasiosa, Farpões, Baldios desperta a curiosidade do espectador pela abordagem que dá ao tema da desertificação, da ditadura e até mesmo de uma suposta liberdade que parece não ter sido vivida por todos mas, ao mesmo tempo, deixa um certo amargo pela diminuta exploração da temática que permitiria, à realizadora, ao espectador e ao público obter um interessante e enigmático conto de fantasia repleto de toda uma realidade nacional ainda centrada no documentário e não na obra de ficção como esta curta-metragem tenta - e consegue - filmar.
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7 / 10
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