terça-feira, 28 de novembro de 2017

Histórias de Alice (2012)


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Histórias de Alice de Oswaldo Caldeira é uma longa-metragem luso-brasileira presente na competição oficial da vigésima-terceira edição do Caminhos do Cinema Português, a decorrer até ao próximo dia 3 de Dezembro, em Coimbra.
Lucas (Leonardo Medeiros) é um cineasta brasileiro que viaja para Portugal e descobrir as raízes da sua mãe Alice (Ana Moreira/Lídia Franco) no norte do país. De Olavo (Filipe Duarte), o seu pai recorda as tardes de passeios e histórias e do avô Joaquim (Vítor Norte) conhece o passado como rico industrial. Aquilo que Lucas desconhece é toda a história de amor e tragédia que uniu os seus pais e os fez sair do país que pouco conhece.
Numa história cujo argumento - também da autoria do realizador - cruza várias décadas e a permanência de uma família nos dois lados do Atlântico, Histórias de Alice evoca momentos, paixões, tragédias e ainda a redenção de um dos seus intervenientes que, sem conhecer o passado, tenta fazer com ele uma qualquer paz que tarda em conhecer. Desde cedo é dado a conhecer ao espectador que o factor predominante esta história está centrado na perda. A perda de uma amizade, de um amor, de uma família, da tranquilidade financeira, política e até mesmo de todo um continente que se prepara para o maior e mais desastroso conflito da sua História. A perda que não sendo celebrada é tida como um acompanhamento para os desenvolvimentos dos momentos de cada um e, mais especificamente, de um "Lucas" desconhecer do seu passado e de uma "Alice" que tem toda uma nova vida por contar... ainda que já não se encontre presente para fazê-lo.
No entanto, várias são as falhas que cedo se anunciam nesta história... não necessariamente os factos históricos mas sim aqueles que cronologicamente colocam a família num dos dois lados do Atlântico. Se inicialmente toda a história de "Alice" e "Olavo" é contada nesse norte português de onde ambos eram originários, cedo se confundem as datas e "Lucas" - que aparenta estar nos seus quarentas é dado como tendo nascido durante o período da Segunda Guerra Mundial... em Portugal (que pela data da obra já o colocariam como alguém nos seus setenta's - e se as suas memórias poderiam ser facilmente esquecidas - e como tal compreendido pelo público - é certo que o mesmo parece ter ainda vários conhecimentos do espaço que, no entanto, apenas se devem a escassas fotografias que nunca chegam a ser vistas.
Mas é quando esta (e outras) falhas cronológicas e de argumento começam a ver a luz do dia, que outros elementos atentam contra a presente fragilidade de uma história que revela as suas várias pontas soltas. Da família que encontra redenção com o nascimento de um herdeiro ao conflito de nunca se esclarecesse no tempo (cronológico) é, no entanto, a aparente proliferação de momentos e personagens que se amontoam numa história sem eira nem beira. Compreende-se a vontade de conhecer - ou voltar a conhecer - o tal Portugal perdido e as origens com as quais poucos elos se mantém mas, no entanto, não será também de questionar os intuitos de personagens e vultos que se amontoam numa realidade aparentemente distorcida? Ou seja... "és" estrangeiro num país do qual pouco recordas... vais dar atenção a todas as pessoas que dizem saber um pouco do teu passado quando antes já disseram que não?! Quais os seus intuitos para lá de algum dinheiro? Para lá de algum aproveitamento pela miséria dos outros? A resposta a estas dúvidas chega com as intenções disfarçadas de "Miguel" (Ivo Canelas), o também luso-brasileiro com ideias de projectos de sucesso na televisão e a sua mescla de ficção versus realidade... ou ficção como complemento dessa mesma realidade...
Numa aventura por um Portugal desconhecido e onde nem os benefícios da beleza da cidade do Porto são aproveitados, Histórias de Alice tornam-se portanto nas aventuras de "Lucas" - um homem desesperado por encontrar contos - mesmo que inventados - sobre a sua família, sobre as suas origens e sobre a sua mãe e que, mesmo dotadas de pouca realidade, possam preencher o vazio que é, no fundo, toda a sua vida. Se a certo momento o espectador entende que este homem quer (re)descobrir o seu passado contribuindo dessa forma para a sua história pessoal, aos poucos compreende-se que aquilo que ele quer não é a realidade mas uma visão romantizada da mesma tal como aquela que diz padecer a sua mãe... afinal, todos os espaços são bonitos, poéticos e dotados de uma mística difícil de compreender... a não ser pelo próprio que sabe (mesmo que em segredo) que nada daquilo que vive é real.
Desta ilusória tentativa de escapar a uma realidade à necessidade de ser a realidade de alguém, "Lucas" apenas se revolta com a aparente usurpação do seu momento por um "Miguel" sedento da sua própria fama, para quem tudo é um palco ou um ecrã de televisão e para os quais está disposto a tudo sacrificar... e ter algum tempo de antena. Das amizades fictícias aos romances inexistentes, "Lucas" é, no final, tão solitário agora como quando chegara a Portugal permitindo, desde então, que todos tenham construído uma história - aquela que poderia ser sua - para ganhar alguns trocos... e ele para ganhar um passado, ainda que não o seu.
Com um fortíssimo elenco entre os quais se destacam Filipe Duarte, Ana Moreira, Ivo Canelas, Vítor Norte, Teresa Madruga, Orlando Costa, Leonardo Medeiros, Marcantónio Del Carlo, Catarina Avelar e ainda Sinde Filipe, Histórias de Alice perde, perde-os (aos actores) e perde-se, pela vontade de tudo contar em noventa minutos esquecendo uma certa veracidade temporal - erro crasso no relato desta história - e o tal romantismo que prometera nos instantes iniciais... aquele do regresso a um país onde nada se tem mas que tudo nos diz e principalmente aquele sentido pela sua mãe que, rapidamente, se transforma num elemento quanto baste excedente de uma história que agora parece nada querer contar deixando apenas para a componente técnica como o guarda-roupa (Susana Abreu e Ticiana Passos) e até mesmo a caracterização (Emmanuelle Fèvre) os elementos mais coerentes desta longa-metragem - bem como pela recuperação da casa d'Os Andrades para um dos momentos deste filme - que promete pelo potencial do argumento e falha na sua concretização ao passar do romantismo e do amor para uma história que afinal o é (de amor) mas onde a fama ou o seu potencial se sobrepõem ao mesmo.
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3 / 10
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