segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Tous les Rêves du Monde (2017)

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Todos os Sonhos do Mundo de Laurence Ferreira Barbosa é uma co-produção luso-francesa com o selo de Paulo Branco exibida no Centro Cultural Olga de Cadaval decorrer da décima-primeira edição do Lisbon & Sintra Film Festival que decorre até ao próximo dia 26 de Novembro.
Paméla (Paméla Constantino-Ramos) é uma jovem de 18 anos filha de emigrantes portugueses em França. Com muitos sonhos mas poucos objectivos concretos na vida, Paméla tem apenas como paixões a patinagem no gelo, tocar piano e as viagens que faz a um saudoso Portugal que visita duas vezes ao ano. Num limbo entre a idade jovem e os anos enquanto adulta, entre França e Portugal e as certezas e incertezas que toda esta descoberta comporta, Paméla tem ainda de descobrir o mais importante... o seu próprio rumo.
A realizadora e Guillaume André escrevem este belíssimo argumento centrado na figura da jovem "Paméla". Dos dias em que a sua vida se prepara para uma mudança radical abraçando a tal idade adulta que tantas dúvidas e incertezas tráz, "Paméla" vive na sombra de uma família conservadora que a ama e todos aqueles sonhos de menina que, de uma ou outra forma, vão forçosamente desvanecendo materializando-se uns e dissipando outros naquela imaginação de uma criança que... já não é.
Os primeiros momentos desta jovem magnificamente interpretada por uma Paméla Constantino-Ramos, apresentada como actriz amadora mas cheia de uma garra invulgar para um primeiro desempenho cinematográfico, levam a que o espectador a acompanhe nos seus instantes enquanto estudante finalista com problemas em libertar-se daquele último ano escolar. Vítima de um complexo para com o eterno rótulo de "filha de emigrantes", "Paméla" é por um lado aconselhada a seguir a via profissional e, por outro, vive o sonho dos pais em se formar na escola dita "normal" não podendo de qualquer forma desapontá-los nesse objectivo. Ao mesmo tempo que reencontra "Kevin" (Alexandre Prince), um velho companheiro de escola que se sente atraído por ela, prepara-se ainda para regressar de férias a Portugal onde irá reunir-se com toda a família mas sem passar por Lisboa que tanto anseia conhecer.
Lentamente, na França que a viu nascer bem como mais tarde no Portugal em que encontra as suas origens e raízes, "Paméla" transforma-se, perante o seu silêncio e normal fechar de olhos dos seus pais, na jovem mulher que inevitavelmente é. A confirmação de que vive dividida entre dois países e dois mundos, uma família e a sua independência, a escola e um eventual trabalho ou até mesmo a solidão e um potencial namoro que lhe batem à porta são todos elementos desta transformação pela qual "Paméla" atravessa e que, privada de alguém próximo com quem compartilhar estes momentos, os enfrenta sózinha mas de pulso firme e com uma vontade natural de se afirmar. "Paméla" é, em última análise, uma jovem pré-adulta que tem de começar a tomar as suas escolhas, decidir os seus gostos e firmar os seus objectivos ainda que, muitos deles, possam diferir daqueles naturalmente impostos por uma família que só quer o seu melhor.
Perdida entre amores e desamores, amizades perdidas e agora reconquistadas, um país de origem e outro no qual se sente realmente em casa, numa família que apenas quer o seu melhor mas que esquece (por amor) os seus próprios desejos e vontades, é então "Paméla" aquela que realmente atravessa toda uma época de transformações e auto-conhecimento que não avisaram que chegariam mas que se impuseram esperando uma resposta que ela seria forçada a dar. Presa a uma imagem de menina, esta jovem mulher tem agora que finalmente decidir pela sua própria vontade mesmo contra a vontade daqueles com quem co-habita ou qualquer amizade que possa eventualmente ter. Longe de ser a menina perfeita na escola ou mesmo de desejar ter o eterno rótulo de "capaz para o ensino profissional" vulgarmente atribuído aos "segunda geração", "Paméla" terá de definir o que realmente quer... ser a eterna criança por e sobre quem todos os demais decidem ou perder-se por todos os sonhos do (seu) mundo?... Ou, pelo menos, por alguns deles... (impedido está o espectador de também compreendê-los ao observar quais os momentos aos quais ela verdadeiramente se dedica... desde a patinagem ao cinema sem esquecer a música e, aparentemente, o mundo das artes ou tão bem parece enquadrar-se...).
Se Ferreira Barbosa e Guillaume André criam esta história de auto-afirmação e descoberta ao qual o espectador se dedica com gosto e se se encontram aqui jovens talentos dos quais certamente muito ainda se escutará como, por exemplo, Alexandre Prince com o seu humor desarmante, David Murgia que com o seu "Jérémy" marca pela irreverência ou mesmo Lola Vieira que se assume como a secundária de peso junto da protagonista é, no entanto, a Paméla Constantino-Ramos que o mesmo espectador se rende. Actriz amadora - tal como fora apresentada (e os demais) no início da sessão -, Constantino-Ramos é dona de uma sensibilidade extrema que torna a sua personagem ora frágil ora determinada, ora sonhadora ora detentora de muitas certezas - o momento na clínica de aborto é disso exemplo -, e todos os momentos que lhe são dados enquanto protagonista para presentear o ecrã com a sua presença são, eles próprios, dotados de uma qualquer magia que a sua candura transmitem. Portuguesa, Francesa ou Europeia, Constantino-Ramos (com os desempenhos certos), será certamente uma actriz a fixar não só pelo seu talento como também beleza, de quem se deverá esperar pela próxima entrega enquanto actriz.
Tous les Rêves du Monde - da realizadora, da protagonista ou até mesmo do espectador - é assim uma história sobre a mudança. Aquela mudança que é forçada e que espera sem que por ela se dê conta. Uma mudança pela qual todos atravessamos ao abandonar aquela idade em que tudo é possível mas na qual se começam a sentir o peso das responsabilidades, das escolhas e do eterno vínculo ao qual, pelo decidir, todos ficamos condicionados. Emotivo, realista, por vezes documental mas assumidamente poético, a beleza de Tous les Rêves du Monde assume-se pela forma transversal com que abraça todos os géneros, sem pretensões para lá daquela de contar uma belíssima história com a qual o espectador se possa identificar, emocionar e até mesmo sorrir.
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9 / 10
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