A Língua de Adriana Martins da Silva é uma curta-metragem portuguesa de ficção presente em competição na vigésima-terceira edição do Caminho do Cinema Português, actualmente a decorrer em Coimbra.
Ana (Sara Gonçalves) fala com a psicóloga (Joana Brandão) sobre a sua relação com Filipe e sobre a sua incapacidade de beijá-lo e sentir a sua língua. A sua incapacidade de se sentir intima com alguém que, no fundo, a repulsa. Poderão estas sessões com a sua psicóloga resolver um problema que a impede de sentir e viver a sua sexualidade?
Depois de O Cheiro das Velas (2013), Adriana Martins da Silva regressa com a sua mais recente curta-metragem na qual volta a explorar os meandros de uma sexualidade sentida mas não vivida no seu todo. Dos pequenos entraves psicológicos e sentimentais que opõem os intervenientes a uma vida sexual activa e expressa em liberdade aos pequenos paradigmas de uma regra de "normalidade" imposta pela sociedade como aceite e "correcta", A Língua dá então corpo a uma história de um amor sentido mas que pelo medo da falta de aceitação se deixa condenar mesmo antes de ter o seu início.
A história de "Ana" - interpretada por uma magnífica Sara Gonçalves tão saudosa desde os idos tempos da série Riscos (1997) - começa quando a própria nas suas inúmeras sessões com uma psicóloga, manifesta a sua incapacidade de manter uma vida sentimental e sexual activa com alguém com quem terá (espera) de manter uma relação em que o toque é essencial. O toque dos lábios... o toque da língua... o toque que permitirá a troca de fluídos corporais. Se o espectador se deixa levar nesta história de incapacidade afectiva e afectiva como o ponto fulcral desta curta-metragem, A Língua cedo revela que a principal condicionante de "Ana" não é tanto o contexto mas sim a forma como a sua sexualidade é expressa... Porque nem tudo é tão linear como o simples desdém por essa já referida manifestação afectiva... resta então compreender que "Ana" sente... mas pode não sentir aquilo que o "outro" - personagem ou espectador - "esperam" que ela sinta.
A língua - de "Ana" - é assim o mote para que o espectador de A Língua compreenda que esta não é uma condicionante ou um seu problema mas sim o motor para a realização de uma sexualidade reprimida, recalcada e até mesmo proibida - para ela - fruto dos inúmeros preconceitos de uma sociedade sempre pronta para um julgamento antecipado das realidades ou condicionantes dos demais... porque para a maioria existe uma norma "aceite" e outra "proibida", então esta curta-metragem estabelece desde cedo a directa relação da personagem interpretada por Sara Gonçalves e das suas limitações sentimentais para que o espectador a acompanhe sem julgamento e perceba que o seu desejo não é proibido mas sim uma etapa de uma realidade que poderá (eventualmente) ser diferente da sua mas que, ainda assim, não deve ser julgada mas sim aceite. Recorrendo ao tal ditado já antigo... "se todos gostassem do azul... o que seria feito do verde?!".
Por outro lado, a história de "Ana" não é tida em solidão. A acompanhá-la existe uma psicóloga - Joana Brandão - habituada a escutar os problemas alheios e indicar-lhes pistas ou tarefas para se livrarem dos seus constrangimentos mas que, também ela, fruto de uma vida sexual e sentimental com os seus próprios desafios e barreiras, se vê incapaz de expressar a sua vida afectiva de forma livre de preconceitos e julgamentos. A solidão, o abandono e até mesmo uma certa incapacidade de se manifestar como um "eu" livre e independente, levam-na a limitar-se à vida dos outros dentro de um consultório que se vê ocupado por vários pacientes durante o dia mas que a abandonam ao final da hora de expediente. A sexualidade - e até mesmo a sua sensualidade - manifestam-se apenas no imediato de um momento vivido apenas por si própria deixando escapar a sua concretização e satisfação que, na realidade, nunca partilha com ninguém.
Dois opostos - de um lado uma mulher incapaz de partilhar a sua sexualidade e do outro alguém que deseja mas não encontra quem a complete - que encontram na partilha dos seus momentos e numa certa cumplicidade que nasce e cresce inesperadamente colocando-os frente a frente naquele que poderá ser não só o dilema da sua vida como, ao mesmo tempo, na concretização e compreensão daquilo que as poderá (eventualmente) mostrar o verdadeiro lado da sua felicidade.
A Língua é assim um saudável e esperado regresso da realizadora às duras e intensas histórias que marcam pela dinâmica da dualidade dos sentimentos e da sua incapacidade de expressão aqui com vida e forma transposta ao grande ecrã graças a duas intensas e maiores actrizes como o são Sara Gonçalves e Joana Brandão que partilham uma química efervescente capaz de fazer o espectador esquecer tudo ao seu redor ao mesmo tempo que se concentra numa dupla que torna reais os sentimentos das suas personagens, mostrando-as humanas e tão capazes de sentir e sofrer como sentir e viver tal e qual como qualquer um de nós.
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7 / 10
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