sábado, 4 de novembro de 2017

Victoria and Abdul (2017)

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Vitória & Abdul de Stephen Frears é uma longa-metragem britânica e a directa sequela (sem o ser) de Mrs. Brown (1997) na qual a actriz Judi Dench volta a encarnar a Raínha Victoria.
Se em Mrs. Brown, a Raínha Victoria chorava a recente morte do marido que a levara a afastar-se dos olhares dos seus súbditos encontrando, posteriormente, consolo no seu empregado Brown (Billy Connoly), em Victoria and Abdul o espectador é levado até à comemoração do seu Jubileu onde, para homenagear o seu papel enquanto Imperadora da Índia, Abdul Kareem (Ali Fazal) é enviado para Inglaterra demonstrando dessa forma não só a diversidade do seu Império como também o seu papel enquanto conciliadora de todos os seus habitantes.
Envelhecida e farta do protocolo que a corte pedia, Victoria (Dench) é uma mulher pouco preocupada com as aparências, com as práticas e as normas de um Império que percebe... estar prestes a abandonar... Até chegar Abdul.
O espectador encontra-se em 1887. Da Índia colonial dominado pelo todo poderoso Reino Unido numa sociedade dividida por classes e onde tudo tem forçosamente o seu lugar próprio não podendo existir qualquer tipo de mistura - quer das classes quer das etnias -, Victoria and Abdul é não só o retrato de uma monarca na última etapa da sua vida como principalmente a sua vontade de reerguer-se num mundo onde volta a encontrar o poder de uma amizade fiel e digna livre de constrangimentos e hipocrisias que sentia - até então - por parte de todos aqueles com quem privava mais directamente.
Aquilo que se destaca no imediato para o espectador mais atento é a radical transformação da Raínha entre as duas obras. Separam-nas vinte anos reveladores de uma vida - não só para a actriz como obviamente para a sua personagem - conferindo-lhes (Dench) não só a omnipotência de um vulto real como obviamente aquela de uma actriz enorme como o é actriz britânica. Se em Mrs. Brown a "Raínha Victoria" de Judi Dench era uma mulher marcada pela perda - do marido - neste Victoria and Abdul voltamos a encontrá-la novamente marcada por essa perda mas, no entanto, agora algo mais profundo... não só a solidão que a sua velhice lhe confere mas também o abandono de todos aqueles que sempre amou... um marido, alguns amigos mais próximos, um velho amante e até mesmo alguma presença enquanto monarca absoluta de um Império que agora pouco controla para lá da imagem fugaz e simbólica que representa no e para o mesmo.
Mas, todo este núcleo emocional de e para com ela e o seu meio "natural" e fortemente abalado quando esta mulher é confrontada com a chegada daquilo que qualquer um de nós diria como "ar fresco" que a retiram da sua espiral de decadência entregando-a novamente aos prazeres da curiosidade, do fascínio e da descoberta com a presença de "Abdul" (Ali Fazal), um indiano muçulmano com quem decide não só aprender a sua língua - poluída para os costumes da corte - como alguns dos costumes que iriam abalar a corte ultra-conservadora e que via assim abalada a sua existência por não conseguirem oferecer a esta mulher o conforto e a tranquilidade de espírito que "Abdul" lhe conferia.
A transformação de Dench - ou melhor... de Victoria - é por demais evidente... de um jantar entre monarcas e respectiva corte onde não só ignora todos os convidados à sua volta como também as suas conversas, as suas polidas maneiras e, no fundo, toda uma hipocrisia que já não tende a tolerar e que para lhe escapar... até adormece, para uma descoberta pelo desconhecido que o seu novo hóspede lhe confere ao ponto de se tornarem cúmplices, confidentes e até mesmo travar uma amizade impossível num meio que esperava ansiosamente pela sua morte para poderem fazer girar as influências e uma pirâmide social já estabelecida há muito. Incomodando uma corte podre por dentro e criando inimigos onde nem sequer os imaginava ter, "Abdul" transforma-se assim num estrangeiro não só dentro do palácio como também no país que o acolheu apenas quando possui a sua protectora então desaparecida.
Dench, magnífica desde o primeiro instante não por irradiar toda uma opulência esperada de uma raínha mas sim por dignificar a imagem da mesma com igual pujança como aquela sentida em Mrs. Brown - ainda que marcada pelos já referidos vinte anos de distância transformando-a numa mulher em plena fase de decadência física mas nunca emocional ou psicológica como, a certa altura, a própria faz questão de mencionar - e afirmando-se como a monarca toda poderosa que a própria História recorda, é capaz de entregar ao espectador não só essa magnificência como principalmente toda a sua fragilidade enquanto uma mulher marcada pelos anos, pela História e, sobretudo, pela perda daqueles que mais amou.
"Abdul", curioso mas distante, dedicado mas sempre no seu lado da barricada, desenvolveu um fascínio por esta mulher que nunca abandonou. Ainda que obrigado a estar sempre do seu lado da porta e nunca interferir na presença de outros, a interpretação de Ali Fazal prima não só pela dignificação da sua personagem sempre ao lado não da mulher nem da monarca mas da amiga que conquistou respeitando, mesmo depois da sua morte, a sua memória. Despojado, por ordem do seguinte Rei (filo de Victoria) dos seus bens (em Inglaterra) e da memória que o poderia ter colocado naquele local, "Abdul" manteve a sua integridade e o seu respeito pela amiga e não, tal como ela, por todo o meio repleto de hipocrisia, lutas e jogos pelo poder ou mesmo interesses que em nada o moviam num espaço que, afinal, também não era o seu.
Ainda que repleto de pequenas grandes sequências sobre as intrigas palacianas ou mesmo da revalidação da imagem da mulher-Raínha, Victoria and Abdul não se centra tanto nestes momentos mas sim naqueles em que a monarca, então afastada da vida tal como ela é, ganhou um novo impulso para apreciar os pequenos prazeres que ainda lhe restavam. Uma conversa, uma descoberta, um conhecimento, uma língua nova ou até mesmo um fruto que nunca provara fazem "Victoria" regressar a uma vida que julgava já não ter... ganhar (ou reclamar) mais uns dias e esperar que todo o seu recente sofrimento pudessem ser dissipados com a presença de alguém que, na realidade, a fez voltar a querer viver.
Longe de um drama assolapada pelos feitos de uma monarca cujo reinado foi - até então - o mais longo da História Britânica, Victoria and Abdul é sim uma história que pretende não só fazer justiça a um vulto esquecido da História como também expôr - ainda que de forma pouco acentuada - o equilíbrio encontrado nas diferenças que, em vez de separar e dividir, aproximam as pessoas sedentas de conhecimento, de descobrir e principalmente de fazer renascer a curiosidade de encontrar semelhanças ou pontos de interesse no "outro" pois, afinal, quando analisadas todas características dessa "diferença"... existirão assim tantos opostos ou serão as semelhanças que, no fundo, fazem aproximar e despertar a tolerância?
Mais espaçado no que diz respeito à congruência da história aqui contada como pequenos factos ou relatos dos últimos dias da raínha do que aquilo que se fazia sentir com Mrs. Brown, Victoria and Abdul não deixa de ser mais um estimulante desafio colocado a Judi Dench que, uma vez mais, faz vibrar com a sua presença impondo-se tal como ela é... uma verdadeira lenda que prende o espectador cativando-o desde o primeiro instante. O espectador sente a sua força, a sua determinação e o seu empenho a dignificar um vulto mesmo na sua queda física e, em diversos momentos, até mesmo emocional. Não será a obra mais de Dench... mas mente quem não sente um certo prazer em ver a dramatização da sua personagem e aproximar-se dela nas suas falhas, incertezas e até mesmo defeitos de alguém que sabe já não agradar... não querer agradar... e que simplesmente decidiu que os seus últimos passos serão dados como ela quer... e não como o mundo (neste caso a corte) espera que ela os dê.
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7 / 10
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