Branco de Luís Alves é uma curta-metragem portuguesa de ficção que teve a sua muito aguardada estreia ontem no Shortcutz Lisboa e que é, de longe, um dos grandes filmes do ano, sendo isto desde já muito pouco para descrever aquilo que ele representa.
Portugal 2013. Branco (Nuno Melo), é um homem comum como tantos outros que, no entanto, atingiu o seu ponto de ruptura. Em dia de eleições, ele parece determinado em fazer a diferença e, para o bem ou para o mal, percebemos que ela está iminente.
Depois de uma breve passagem pelo café do bairro onde ouve os constantes desabafos de Isaías (Joaquim Nicolau) e Duques (Fernando Ferrão), chega finalmente a altura de se dirigir para o local de voto onde parece ter finalmente atingido o limite entre a realidade e um desespero selvagem de proporções que desconhecemos.
Não quero, e não vou, revelar mais sobre o conteúdo deste filme pois ele está repleto de mensagens, ideias, pensamentos e imagens que são demasiado importantes para as revelar sem que o público de uma forma geral os veja. No entanto, é também impossível não deixar a devida referência a algumas delas e enaltecer a qualidade do argumento de Luís Alves que desenha um desencantado retrato do Portugal e dos portugueses da actualidade.
Logo de imediato encontramos "Branco" que, como referi logo de início, é um homem como tantos outros mas que ao mesmo tempo mostra um completo desconforto e alienação da realidade. Aquele homem não está bem. Pelo contrário, está completamente desenquadrado da realidade que o rodeia. Atingiu o seu ponto de saturação e, apesar de não sabermos o quê, sabemos que algo irá correr mal e que o seu aparente esgotamento não é mais do que o reflexo de uma realidade (a sua), vivida com os problemas que o dito português comum tem. O que serviu como gatilho? Possivelmente um num lote variado de problemas... a ineficácia dos políticos? O desemprego? A perda da casa? A saturação com as inúmeras notícias de esquemas e favores que um grupo de privilegiados perpetua entre o seu seio de amigos?
Na prática o motor desta saturação é indiferente pois a resposta pode enquadrar-se a qualquer uma desta perguntas ou até mesmo ser a junção de todas elas. O que sabemos é que aquele homem percebeu que o país (leia-se, quem governa) está a ruir lentamente e a arrastar-nos a todos com ele.
No entanto, Branco (o filme) não "vive" só de críticas à classe dirigente mas também à enorme massa populacional que constitui este Portugal de 2013. Bem pelo contrário, a crítica vai mais além e aponta o dedo ao povo em si da mais brilhante e sarcástica forma possível. O dedo está apontado àqueles que sendo opositores da sua própria ruína assistem a ela impávidos e serenos como se nada fosse e que fazem do diário encontro no café o ponto mais alto da sua crítica e da sua "luta" que, invariavelmente nunca o chega a ser. Não basta falar do que está mal, é preciso e principalmente é urgente perguntar o que se passa, o porquê de estarmos numa aparente situação onde a única coisa que vislumbramos é o fundo de um poço que parece nunca mais chegar, mostrando-nos assim que por muito mal que o país e o seu povo estejam, é sempre possível continuar a cair rumo a um eterno e desconhecimento fundo. Não chega demonstrarmos o nosso descontentamento ao longo de quatro anos em que supostamente "legitimámos" uma Assembleia da República e, no final desse período, voltarmos às urnas para colocar a cruz nos mesmos eternos ditos "partidos do arco governativo", sem perceber que esse mesmo arco governativo é constituído por muitos mais partidos que encontramos no boletim de voto, e que expressões como estas mais não são do que desabafos dos "homens do sistema" que diariamente invadem os nossos serviços noticiosos.
Mas Branco vai ainda mais longe ao estender a sua crítica ao povo não só pela sua demissão enquanto líder do seu destino, mas sim pelo facto deste ser mordaz ao criticar também aqueles que optam por fazer uma diferença. Quando o "Branco" de Nuno Melo tenta demonstrar a sua revolta e indignação nos seus breves desabafos, cedo percebemos que ele acaba por ser não mais do que o alvo dos insultos daqueles que o conhecem, dos que com ele privam o habitual café e de um grupo de jovens que se demitiu bem cedo de todas as responsabilidades políticas e sociais que os deveriam mover. Assim, não só demonstra que as bases, a população em si, se afastou das decisões políticas dando uma carta branca à classe dirigente para decidir sobre os seus destinos sem qualquer tipo de responsabilização, como também percebemos que esse mesmo povo repudia aqueles que, tendo noção da realidade que o rodeia, a tenta modificar.
O argumento de Luís Alves expressa assim a ideia principal de todo este filme ao demonstrar que é fundamental e necessário perceber que naqueles breves instantes em que nos encontramos na urna de voto, podemos fazer a diferença e optar por outro partido, outro grupo de pessoas e outras ideias que talvez (tão simples quanto isso), nos possam mostrar outros rumos e outros caminhos a seguir pela dignidade de um povo que parece tê-la perdido e não a anseia recuperar, mas que tal como "Branco" (o homem), prefere deixar o boletim por preencher entregando nas mãos dos habituais "homens do regime" a perpetuação do sistema tal como ele está.
Branco é assim a perfeita analogia entre o homem e do povo que se abstém de tomar decisões, de questionar, de perceber, de problematizar e do voto que é (ou pode ser) uma perigosa arma de revolta de um povo, e a meu a ver enquanto cientista político de formação a mais eficaz mas muito mal utilizada quando esse mesmo povo prefere desistir de um seu direito, e que caracteriza assim um dos (senão o) grande mal deste país e povo que desiste de tomar as rédeas do seu próprio destino deixando-o em branco.
Ainda que repleto de alguns momentos mais cómicos e bem dispostos, a realidade vai muito para além dos mesmos e, quando digeridos, percebemos que nos estamos a rir da nossa própria ineficácia e desistência enquanto sociedade. Rimo-nos por assistir ao fim ou por dele continuarmos à espera sem saber quando irá chegar? Rimo-nos por saber que somos realmente o "soldado do nosso destino" ou por perceber que isso tem responsabilidades que não queremos assumir? A tragédia do povo que, tal como o país, ainda está por cumprir...
Com um Fernando Ferrão e um Joaquim Nicolau mordazes e corrosivos que são no fundo o espelho de todos os portugueses que, entre amigos, comentam o mal que vai o país sem que contra ele algo façam, não é menos verdade que Nuno Melo é, uma vez mais, a alma do filme. Através do seu delírio constante, fruto do esgotamento que o apanhou mais ou menos desprevenido, temos os mais certeiros rasgos de lucidez que, sendo dramatizados, mais não são do que a realidade de tantos e qualquer um de nós. A sua revolta e angústia são cortantes e percebemos que é nesta sua interpretação que está realmente a alma reprimida de um povo que por dentro se consome aos poucos mas que diariamente insiste em continuar sem grandes alaridos... até um dia.
Se o argumento é brilhante, a sua execução enquanto filme não poderia ser melhor. Ao longo da sua acção recebemos um conjunto de imagens que são, por um lado, a realidade a que "o outro" assiste de uma dada personagem mas, ao mesmo tempo, recebemos também um conjunto de breves momentos que refletem na perfeição aquilo que ele pensa a um dado momento e que mais não é do que uma caracterização do seu "eu" real, aquele que é possível esconder dos outros mas não de si próprio, ou seja, no fundo é como uma consciência que se encontra sempre pronta a caracterizar cada um de nós, e isto reflecte-se também graças à exímia fotografia de Ruben Esteves e João Carlos Rodrigues que consegue retirar um certo "brilho" às expressões dos actores nesses exactos momentos, capturando assim a sua verdadeira essência.
Com um desejo final de que este filme seja uma realidade por todo o país, muito brevemente e com urgência, só me resta dizer que Branco não é apenas um filme. Branco é uma lição política, de cidadania e sobre a sociedade que deveria ser estudada, e que Luís Alves é, felizmente, o seu professor. Quando a ele assistirem tenham em consideração que estamos perante o filme do ano.
Logo de imediato encontramos "Branco" que, como referi logo de início, é um homem como tantos outros mas que ao mesmo tempo mostra um completo desconforto e alienação da realidade. Aquele homem não está bem. Pelo contrário, está completamente desenquadrado da realidade que o rodeia. Atingiu o seu ponto de saturação e, apesar de não sabermos o quê, sabemos que algo irá correr mal e que o seu aparente esgotamento não é mais do que o reflexo de uma realidade (a sua), vivida com os problemas que o dito português comum tem. O que serviu como gatilho? Possivelmente um num lote variado de problemas... a ineficácia dos políticos? O desemprego? A perda da casa? A saturação com as inúmeras notícias de esquemas e favores que um grupo de privilegiados perpetua entre o seu seio de amigos?
Na prática o motor desta saturação é indiferente pois a resposta pode enquadrar-se a qualquer uma desta perguntas ou até mesmo ser a junção de todas elas. O que sabemos é que aquele homem percebeu que o país (leia-se, quem governa) está a ruir lentamente e a arrastar-nos a todos com ele.
No entanto, Branco (o filme) não "vive" só de críticas à classe dirigente mas também à enorme massa populacional que constitui este Portugal de 2013. Bem pelo contrário, a crítica vai mais além e aponta o dedo ao povo em si da mais brilhante e sarcástica forma possível. O dedo está apontado àqueles que sendo opositores da sua própria ruína assistem a ela impávidos e serenos como se nada fosse e que fazem do diário encontro no café o ponto mais alto da sua crítica e da sua "luta" que, invariavelmente nunca o chega a ser. Não basta falar do que está mal, é preciso e principalmente é urgente perguntar o que se passa, o porquê de estarmos numa aparente situação onde a única coisa que vislumbramos é o fundo de um poço que parece nunca mais chegar, mostrando-nos assim que por muito mal que o país e o seu povo estejam, é sempre possível continuar a cair rumo a um eterno e desconhecimento fundo. Não chega demonstrarmos o nosso descontentamento ao longo de quatro anos em que supostamente "legitimámos" uma Assembleia da República e, no final desse período, voltarmos às urnas para colocar a cruz nos mesmos eternos ditos "partidos do arco governativo", sem perceber que esse mesmo arco governativo é constituído por muitos mais partidos que encontramos no boletim de voto, e que expressões como estas mais não são do que desabafos dos "homens do sistema" que diariamente invadem os nossos serviços noticiosos.
Mas Branco vai ainda mais longe ao estender a sua crítica ao povo não só pela sua demissão enquanto líder do seu destino, mas sim pelo facto deste ser mordaz ao criticar também aqueles que optam por fazer uma diferença. Quando o "Branco" de Nuno Melo tenta demonstrar a sua revolta e indignação nos seus breves desabafos, cedo percebemos que ele acaba por ser não mais do que o alvo dos insultos daqueles que o conhecem, dos que com ele privam o habitual café e de um grupo de jovens que se demitiu bem cedo de todas as responsabilidades políticas e sociais que os deveriam mover. Assim, não só demonstra que as bases, a população em si, se afastou das decisões políticas dando uma carta branca à classe dirigente para decidir sobre os seus destinos sem qualquer tipo de responsabilização, como também percebemos que esse mesmo povo repudia aqueles que, tendo noção da realidade que o rodeia, a tenta modificar.
O argumento de Luís Alves expressa assim a ideia principal de todo este filme ao demonstrar que é fundamental e necessário perceber que naqueles breves instantes em que nos encontramos na urna de voto, podemos fazer a diferença e optar por outro partido, outro grupo de pessoas e outras ideias que talvez (tão simples quanto isso), nos possam mostrar outros rumos e outros caminhos a seguir pela dignidade de um povo que parece tê-la perdido e não a anseia recuperar, mas que tal como "Branco" (o homem), prefere deixar o boletim por preencher entregando nas mãos dos habituais "homens do regime" a perpetuação do sistema tal como ele está.
Branco é assim a perfeita analogia entre o homem e do povo que se abstém de tomar decisões, de questionar, de perceber, de problematizar e do voto que é (ou pode ser) uma perigosa arma de revolta de um povo, e a meu a ver enquanto cientista político de formação a mais eficaz mas muito mal utilizada quando esse mesmo povo prefere desistir de um seu direito, e que caracteriza assim um dos (senão o) grande mal deste país e povo que desiste de tomar as rédeas do seu próprio destino deixando-o em branco.
Ainda que repleto de alguns momentos mais cómicos e bem dispostos, a realidade vai muito para além dos mesmos e, quando digeridos, percebemos que nos estamos a rir da nossa própria ineficácia e desistência enquanto sociedade. Rimo-nos por assistir ao fim ou por dele continuarmos à espera sem saber quando irá chegar? Rimo-nos por saber que somos realmente o "soldado do nosso destino" ou por perceber que isso tem responsabilidades que não queremos assumir? A tragédia do povo que, tal como o país, ainda está por cumprir...
Com um Fernando Ferrão e um Joaquim Nicolau mordazes e corrosivos que são no fundo o espelho de todos os portugueses que, entre amigos, comentam o mal que vai o país sem que contra ele algo façam, não é menos verdade que Nuno Melo é, uma vez mais, a alma do filme. Através do seu delírio constante, fruto do esgotamento que o apanhou mais ou menos desprevenido, temos os mais certeiros rasgos de lucidez que, sendo dramatizados, mais não são do que a realidade de tantos e qualquer um de nós. A sua revolta e angústia são cortantes e percebemos que é nesta sua interpretação que está realmente a alma reprimida de um povo que por dentro se consome aos poucos mas que diariamente insiste em continuar sem grandes alaridos... até um dia.
Se o argumento é brilhante, a sua execução enquanto filme não poderia ser melhor. Ao longo da sua acção recebemos um conjunto de imagens que são, por um lado, a realidade a que "o outro" assiste de uma dada personagem mas, ao mesmo tempo, recebemos também um conjunto de breves momentos que refletem na perfeição aquilo que ele pensa a um dado momento e que mais não é do que uma caracterização do seu "eu" real, aquele que é possível esconder dos outros mas não de si próprio, ou seja, no fundo é como uma consciência que se encontra sempre pronta a caracterizar cada um de nós, e isto reflecte-se também graças à exímia fotografia de Ruben Esteves e João Carlos Rodrigues que consegue retirar um certo "brilho" às expressões dos actores nesses exactos momentos, capturando assim a sua verdadeira essência.
Com um desejo final de que este filme seja uma realidade por todo o país, muito brevemente e com urgência, só me resta dizer que Branco não é apenas um filme. Branco é uma lição política, de cidadania e sobre a sociedade que deveria ser estudada, e que Luís Alves é, felizmente, o seu professor. Quando a ele assistirem tenham em consideração que estamos perante o filme do ano.
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"Duques: Foram-se as vacas... ficaram os boys."
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