terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Terra 2084 (2014)

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Terra 2084 de Nuno Sá Pessoa é uma curta-metragem portuguesa de ficção que esteve presente numa das sessões competitivas do Shortcutz Xpress Viseu que graças ao argumento do próprio realizador nos leva para o distante ano de 2084.
É num ambiente sinistro e decadente que encontramos Zé (Fernando Luís) um homem apagado e desgastado cuja única interacção é com um rádio e um rato que percorre o contentor em que vive. Pelo espaço vagas memórias de um passado já distante - provavelmente os nossos tempos - que tentam ligá-lo a um mundo que já não existe.
Na rádio ecoam notícias sobre os direitos impossíveis e os sacrifícios latentes que tentam ser impostos numa Terra que é, também ela, uma miragem de outros tempos. Durante um desabafo alguém lhe responde pelo rádio... estará ele a alucinar ou estamos perante a confirmação de que existe vida para lá do nosso planeta?
Longe de ser uma "simples" curta-metragem de ficção científica sobre um futuro imperceptível, Nuno Sá Pessoa adapta uma actualidade transportando-a para esse tal futuro distante como uma inevitável consequência do que vivemos e experenciamos nos nossos dias. Confuso? Nem por isso. Centrando-se no actual panorama português - não definido e, como tal, adaptável a tantos outros - Sá Pessoa pega na crise, na miséria, na questão dos direitos fundamentais - aqui retratado sobre a forma de haver ou não a possibilidade de duas refeições diárias - e também na dignidade humana levando-os para aquele futuro que não sendo distante em séculos é o suficiente para qualquer um de nós perceber que para ali caminhamos silenciosa e impacientemente pela inactividade das nossas próprias reacções.
O mundo caótico e miserável per si, esmagou o Homem - a sua individualidade - a uma máquina de trabalho do qual retira única e exclusivamente o essencial para poder no dia seguinte continuar esse mesmo trabalho dito "vital". Os direitos, agora inexistentes, mais não são do que sonhos distantes que aos poucos se eliminarem em nome do "bem maior" que nunca se conheceu e que apenas serviu de plataforma para que todos os demais fossem silenciosamente eliminados. O "eu" passou a "todos" sendo que este apenas serve um "eu" maior - aquele que detém o poder de facilmente castrar quem se lhe opõe e encontramo-nos de repente perante um mundo ditatorial e militarizado onde ninguém pode questionar e quem o ousa é afastado do dito mundo real. Ainda que mão-de-obra fundamental... se reclama é dispensável tornando-se num imediato obstáculo.
Do outro lado encontramos uma voz desconhecida - alguém de outro planeta - de um ser que não entende aqueles conceitos que tomamos como básicos tais como o dinheiro, a economia, o próprio "sistema" que os gera ou até mesmo Deus... como pode algo ou alguém criar sem ser, ele próprio, criado?! Pensamentos heréticos para uma época tão controlada? Época essa em que a denúncia é favorecida e os prevaricadores são penalizados com impostos por não "trabalharem" - o dever maior que têm num tempo sem direitos.
Da concepção de indivíduo que é anulada - tal como a de amizade e cumplicadade aqui colocadas em causa por "Filipe" (amigo de "Zé") - e com ele toda a noção de direitos básicos e fundamentais, passando pela existência de um mundo policiado e militarizado que tudo e todos controla - qual Big Brother - onde os pequenos prazeres da vida são tidos e consumados em silêncio numa sociedade que mais não é do que uma miragem de outros tempos resta-nos a pequena consciencialização de que apesar de uma notável ficção, Terra 2084 pode ser em diversos aspectos uma realidade mais presente e próxima do que alguma vez pensámos.
Notável é também a interpretação de Fernando Luís enquanto "Zé", um homem desgastado - arriscaria mesmo em dizer esgotado graças à bem sucedida caracterização de Susana Rolim - e agarrado a um passado inexistente que tenta uma fuga de um mundo onde já não se enquadra encontrando uma réstia de esperança numa misteriosa voz que, em certa medida, nem o próprio sabe se mais não é do que uma qualquer falha da sua mente, sem esquecer os apontamentos técnicos como a direcção de fotografia de António Lima que nos coloca perante um ambiente ténebre como paralelismo com a sentida falta de esperança naqueles que são os seus "tempos modernos".
Terra 2084 é, em última análise o espelho de uma sociedade que caminha alegremente e de olhos bem vendados para a sua própria aniquilação, que insiste em não se questionar sobre os seus defeitos ou tão pouco sobre as desastrosas consequências dos seus próprios erros e malefícios. Uma sociedade que favorece o silêncio, a falta de questões essenciais, a obrigatoriedade de deveres e o sentimento de que é normal trabalhar para o avanço de "algo" que não conhecemos ou preocupamos em conhecer.
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8 / 10
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