The Phone Call de Mat Kirkby é uma curta-metragem britânica de ficção e a vencedora do Oscar na sua respectiva categoria na última edição dos prémios da Academia norte-americana.
Heather (Sally Hawkins) é uma mulher tímida que trabalha numa linha de apoio. Um trabalho que corresponde à sua condição por permitir que não tenha contacto pessoal com ninguém. Mas um dia Stanley (Jim Broadbent) telefona-lhe revelando que precisa de alguém que o acompanhe nos seus últimos momentos.
O realizador em colaboração com James Lucas escreve o argumento de The Phone Call que está muito para lá de uma história que centra toda a sua atenção numa conversa telefónica. Pelo contrário, esta curta-metragem tece uma interessante e muito forte consideração sobre temas como a solidão ou a inaptidão social. Aqui somos inicialmente confrontados com a presença de uma mulher que o espectador percebe ser alguém reservado e tímido mas a um nível muito avançado. A sua postura que lhe permite esconder-se à frente dos olhos do mundo, tornar-se invisível mesmo que todos passem ao seu lado permitiram-lhe ser esquecida mesmo por aqueles poucos que, eventualmente, poderiam perceber que ela existia. Sem amizades ou família que se lhe conheça, "Heather" é literalmente uma mulher apagada do mundo.
Percebemos também que o mundo - o seu - são as palavras. Lê na paragem de autocarro um livro que a emociona... trabalha numa linha de apoio na qual tem de acompanhar aqueles que para lá ligam com um conjunto de palavras que os motivem e façam perceber que existe "algo". Mas o seu mundo "resume-se" a palavras... Até ao dia em que recebe o tal telefonema de "Stanley".
"Stanley" é um homem que percebemos ser de alguma idade. Revela-se triste, desolado, desamparado e com a firme convicção que para ele já tudo terminou. O espectador está então perante a última conversa que este homem irá ter. "Stanley" telefona porque se revela um homem só. Sem a sua mulher ou qualquer família que o acompanhe, o desgosto de uma vida solitária levou-o a cometer suicídio pondo assim um fim à sua existência. Foi uma escolha - mais ou menos pensada - mas uma para a qual ele não se sente preparado para a enfrentar sózinho. Precisa de apoio... alguém que o escute e que se faça notar como estando "lá". Por muito que se pense que todos nós nascemos e morremos sózinhos sem que ninguém nos acompanhe, a mais pura realidade é que naquele exacto momento "Stanley" precisa de alguém que virtualmente lhe dê a mão... que esteja ali para ele e que testemunhe os seus últimos momentos e palavras. Encarar a morte em silêncio seria devastador demais.
Se dúvidas existiam sobre a extraordinária sensibilidade de Sally Hawkins depois de Happy-Go Lucky, de Mike Leigh ou Blue Jasmine, de Woody Allen, The Phone Call comprova que Hawkins é uma das mais dinâmicas e sensíveis actrizes do momento. Ainda que as palavras que lhe foram atribuídas pelo argumento lhe confiram um discurso/diálogo a ter com o seu par protagonista, não é menos verdade que Hawkins comunica para lá daquilo que as palavras transmitem. O seu olhar triste e distante, a sua redução física a um pequeno espaço dentro do lugar em que se encontra e até mesmo todos os pequenos movimentos que gesticula durante este filme comprovam ao espectador que a sua personagem é, também ela, uma pessoa com os mesmos problemas de solidão que afectam aqueles que para ela ligam na linha de apoio em que trabalha sendo a única diferença que os separa a forma como a sua "Heather" transformou a sua fraqueza numa potencial força ainda que em construção.
A imediata relação estabelecida pelos dois - Hawkins e Broadbent - cativa e prendem o espectador que espera pelo momento em que talvez se possam encontram face a face. Chegando ou não esse momento - que só saberão depois de verem este filme - o espectador tem apenas uma certeza... Nenhum voltará a ser o mesmo depois deste momento... nem as referidas personagens e, com sorte, nem o espectador que percebe que existem silêncios que mais não são do que pedidos de ajuda àqueles que mais perto estão e que proximamente sentirá necessidade de voltar a estar junto daquelas pessoas que há algum tempo não vê.
Os momentos captados por Kirby são, também eles, dignos da metodologia da solidão... grandes planos captados com a actriz colocada a um canto - ao telefone ou na já referida paragem de autocarro -, fazendo dela um pequeno elemento num todo que não conseguimos alcançar. A ideia de que o mundo é grande demais e cada um de nós é apenas uma sua pequena parte está implícita desde o primeiro instante e tudo o que se passa à nossa volta é imenso demais para poder ser resolvido... mas pode, no entanto, conseguir ser compreendido, aceite e talvez, num caso de maior sorte ou oportunidade, ser acompanhado até ao último instante.
Se não fosse um lugar comum utilizaria a expressão "de deixar sem fôlego" para caracterizar The Phone Call mas mesmo essa seria redutora para toda a simbologia e mensagem desta curta-metragem e mais ainda para a fortíssima interpretação de uma das mais intensas intérpretes europeias que aqui, uma vez mais, confirma todo o seu carisma.
No final, aquilo que The Phone Call pretende transmitir é que todos nós independentemente da rotina dos nossos dias - e vidas - procuramos conforto... uma palavra... um apoio. Alguém que testemunhe a nossa mais ou menos breve passagem e que nos acompanhe nesse percurso. Aquilo que "Heather" consegue é talvez aquele pequeno empurrão para que a sua vida seja, também ela, testemunhada por mais alguém que não pelos seus próprios olhos.
The Phone Call é, sem qualquer reserva, uma pequena grande pérola.
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10 / 10
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