El Desierto de Christoph Behl foi uma das longas-metragens presentes no segundo dia da sétima edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa a decorrer no Cinema São Jorge, e que constitui uma agradáel surpresa e reinvenção do género mundo pós-apocalíptico no qual os mortos-vivos dominam a Terra.
Tudo começa e o espectador percebe que nos encontramos num mundo que já não conhecemos. Somos transportados para uma casa fortificada onde Axel (Lautaro Delgado), Ana (Victoria Almeida) e Jonathan (William Prociuk) sobrevivem, protegendo-a de todos aqueles que dela se aproximam, especialmente dos ataques dos mortos-vivos que povoam uma qualquer cidade cujo nome nunca é revelado. Sentimos a tensão existente entre todos e percebemo-la quando nos é revelado que noutros tempos este fora um triângulo amoroso com fortes laços de amizade que aos poucos, e dada a situação em que se encontram, se foi desfazendo aumentando a separação sentida entre eles.
Ana mantém uma relação com Jonathan enquanto Alex vive um ciúme não muito escondido desejando recuperar a atenção dela e como forma de encararem o difícil passar do tempo Ana cria uma pequena sala onde ao estilo de confessionária desabafam todos os seus pensamentos para a posteridade.
Numa das muitas expedições que fazem para encontrar provisões Axel e Jonathan tomam a radical decisão de capturar um dos mortos-vivos que povoam as ruas da cidade e levá-lo para casa onde passará a viver com os três. Pitágoras (Lucas Lagré), como o baptizam, irá exercer uma radical pressão não só no trio como principalmente influenciar alguns do seus comportamentos e, em última análise, das decisões que tomam para o seu futuro.
Christoph Behl, que também assina o argumento de El Desierto, coloca-nos num invulgar filme pós-apocalíptico onde há excepção da introdução do morto-vivo interpretado por Lucas Lagré, toda a trama se centra na degradação das relações de amizade e sentimentais do trio protagonista. Invulgar porque estamos perante uma história que se centra não na hecatombe que se fez sentir na sociedade ou mesmo numa cidade que nunca identificamos no decorrer do filme, mas sim sobre a degradação da relação entre três pessoas que em tempos viviam uma relação próxima que os fez ter para além de uma amizade toda uma relação afectiva e sexual onde se completavam.
Behl transporta-nos assim para o interior de uma casa, quase um bunker fortificado, onde entre as escassas paredes e espaço que se apresentam todos eles têm de conviver encarando-se dia após dia... hora após hora não podendo escapar não só das suas mútuas presenças como principalmente de qualquer confronto físico ou verbal que possa eventualmente surgir. Assim, não só o espaço se torna cada vez mais pequeno como é principalmente notória a claustrofobia psicológica que se sente surgir entre "Ana" e "Axel", outrora amigos e amantes mas agora mais distantes do que dois estranhos.
A crescente tensão entre ambos ganha novos contornos com a presença de "Pítágoras", o enigmático morto-vivo de olhar vazio no espaço como se fitasse algo (uma miragem) que já não existe (a sociedade) mas do qual se recorda vagamente e em vez de atacar os demais como se espera num contexto do género mantém-nos em suspenso sobre quando irá chegar esse tal momento que todos e tudo transformará. Atordoado dentro da sua "não vida", este morto-vivo acba por se tornar no elemento revelador de uma ordem perdida onde as regras, a liberdade e própria ideia de direito já se extinguiu. Pelas suas atitudes "Ana" revela a total falta de respeito que sente por aquela criatura, parodiando sadicamente a sua existência como única forma de manifestar o sufoco e a incompatibilidade que sente dentro de um espaço onde partilha o seu passado (Axel) e o seu presente (Jonathan), demonstrando não só o pouco valor que lhe atribui como principalmente o incómodo que este lhe causa sendo a ele, no entanto, que recorre quando pretende determinar qual o seu destino, e que irá vincadamente marcar o fim da humanidade como outrora a conhecemos.
"Axel" é, por sua vez, o reflexo de uma identidade que num momento de crise se perde. Em primeiro lugar manifestou essa perda pela abdicação do espaço individual pelo colectivo e finalmente como sua directa consequência a perda total da sua individualidade é manifestada quando aos poucos cobre o seu corpo com tatuagens que mostram uma desconhecida faceta sua como que referi-se toda uma nova identidade que o distancia daquilo que em tempos fora. Os seus silêncios são tão fortes como o desprezo/amor que "Ana" ainda sente por ele não querendo, no entanto, manifestá-lo por respeito a alguém com quem pelo tempo se aproximou.
Finalmente o trio completa-se com "Jonathan", aquele que de uma ou outra forma tenta manter, ou talvez recuperar, a pouca Humanidade que ainda lhes resta e que pretende igualmente restabelecer a confiança que os seus parceiros de casa tinham noutros tempos mais tranquilos. A ruptura que se anuncia inevitável, mas também ela silenciosa, chega quando percebe que tem de abdicar um pouco mais da sua "posse" de "Ana" em favor de uma sua maior entrega a "Axel" que desespera por algum sinal desta para si. Sem ser um elemento dominante durante este filme, a personagem interpretada por William Prociuk assume-se como o último elo de ligação para com o racional e enquanto os outros não comunicam entre si ele pergunta o que pode fazer para que eles se voltem a falar. É "Jonathan" que cede às vontades da sua companheira permanecendo no ritual de confessionário que esta lhe pede como escape desta sua nova realidade e também ele que tatua a nova identidade de "Axel" por todo o seu corpo.
Mas Behl vai mais longe com este El Desierto e a acreditar numa estranha coincidência este seu argumento pode ter semelhanças bem mais fortes com a realidade do que aquelas que estamos dispostos a ver nele. Se não analisemos... um mundo em crise pós-apocalíptica que transformou os humanos em seres desprovidos de vida, sem lei, pensamento ou ordem, marginais apáticos que reagem ao cheiro dos poucos que restaram com vida e onde três curiosos indivíduos se mantêm numa casa fechada e isolada do exterior. O elemento feminino regista nomes gregos na parede, sociedade essa que deu ao mundo o pensamento filosófico e a Democracia que são agora meras miragens do passado e que aqui se assumem como uma reflexão de um realizador alemão num país não assumido mas presente (Argentina) que passou também ele no início deste novo século por uma crise social e económica que transformou em seres dispersantes toda a sua população. Curioso e dá que pensar, não?!
Intrigante é também a abordagem dada a toda a narrativa que se centre única e exclusivamente no interior de um apartamento onde as referências externas nos chegam apenas dos breves instantes iniciais onde assistimos a um espaço desertificado e pelos sons que nos chegam desses mesmos espaços graças aos inúmeros microfones que este trio de sobreviventes espalhou pelas imediações e que assim lhes indicam a presença de qualquer ser mais ou menos "vivo". Abordagem esta que nos obriga a uma clausura tão permanente como a das personagens bem como a termos uma percepção do exterior tão "fiel" como aquela que os próprios recebem dele antes de se aventurarem nas suas inúmeras expedições em busca de alimento que lhes permita (sobre)viver.
Apesar do seu ritmo mais lento e espaçado quase reflexivo do momento em que se encontram e daquilo que em tempos foram, El Desierto consegue cativar-nos por uma invulgar mensagem de auto-desistência do "eu" como se se encontrassem realmente num deserto de onde a fuga fosse impossível e que nos é exponenciada pela direcção de fotografia de Gustavo Biazzi e pela caracterização de Franca Gallo que conferem a este filme uma imagem apagada e esbatida como se aquelas personagens (pessoas) fossem uma pálida e irreconhecível representação do que foram noutros tempos, e também da sociedade que se perdeu em sucessivas crises, não especificadas deixando assim a liberdade ao espectador de as imaginar, tendo por isso caído e desaparecido da memórias daqueles que em tempos as construíram.
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Ana mantém uma relação com Jonathan enquanto Alex vive um ciúme não muito escondido desejando recuperar a atenção dela e como forma de encararem o difícil passar do tempo Ana cria uma pequena sala onde ao estilo de confessionária desabafam todos os seus pensamentos para a posteridade.
Numa das muitas expedições que fazem para encontrar provisões Axel e Jonathan tomam a radical decisão de capturar um dos mortos-vivos que povoam as ruas da cidade e levá-lo para casa onde passará a viver com os três. Pitágoras (Lucas Lagré), como o baptizam, irá exercer uma radical pressão não só no trio como principalmente influenciar alguns do seus comportamentos e, em última análise, das decisões que tomam para o seu futuro.
Christoph Behl, que também assina o argumento de El Desierto, coloca-nos num invulgar filme pós-apocalíptico onde há excepção da introdução do morto-vivo interpretado por Lucas Lagré, toda a trama se centra na degradação das relações de amizade e sentimentais do trio protagonista. Invulgar porque estamos perante uma história que se centra não na hecatombe que se fez sentir na sociedade ou mesmo numa cidade que nunca identificamos no decorrer do filme, mas sim sobre a degradação da relação entre três pessoas que em tempos viviam uma relação próxima que os fez ter para além de uma amizade toda uma relação afectiva e sexual onde se completavam.
Behl transporta-nos assim para o interior de uma casa, quase um bunker fortificado, onde entre as escassas paredes e espaço que se apresentam todos eles têm de conviver encarando-se dia após dia... hora após hora não podendo escapar não só das suas mútuas presenças como principalmente de qualquer confronto físico ou verbal que possa eventualmente surgir. Assim, não só o espaço se torna cada vez mais pequeno como é principalmente notória a claustrofobia psicológica que se sente surgir entre "Ana" e "Axel", outrora amigos e amantes mas agora mais distantes do que dois estranhos.
A crescente tensão entre ambos ganha novos contornos com a presença de "Pítágoras", o enigmático morto-vivo de olhar vazio no espaço como se fitasse algo (uma miragem) que já não existe (a sociedade) mas do qual se recorda vagamente e em vez de atacar os demais como se espera num contexto do género mantém-nos em suspenso sobre quando irá chegar esse tal momento que todos e tudo transformará. Atordoado dentro da sua "não vida", este morto-vivo acba por se tornar no elemento revelador de uma ordem perdida onde as regras, a liberdade e própria ideia de direito já se extinguiu. Pelas suas atitudes "Ana" revela a total falta de respeito que sente por aquela criatura, parodiando sadicamente a sua existência como única forma de manifestar o sufoco e a incompatibilidade que sente dentro de um espaço onde partilha o seu passado (Axel) e o seu presente (Jonathan), demonstrando não só o pouco valor que lhe atribui como principalmente o incómodo que este lhe causa sendo a ele, no entanto, que recorre quando pretende determinar qual o seu destino, e que irá vincadamente marcar o fim da humanidade como outrora a conhecemos.
"Axel" é, por sua vez, o reflexo de uma identidade que num momento de crise se perde. Em primeiro lugar manifestou essa perda pela abdicação do espaço individual pelo colectivo e finalmente como sua directa consequência a perda total da sua individualidade é manifestada quando aos poucos cobre o seu corpo com tatuagens que mostram uma desconhecida faceta sua como que referi-se toda uma nova identidade que o distancia daquilo que em tempos fora. Os seus silêncios são tão fortes como o desprezo/amor que "Ana" ainda sente por ele não querendo, no entanto, manifestá-lo por respeito a alguém com quem pelo tempo se aproximou.
Finalmente o trio completa-se com "Jonathan", aquele que de uma ou outra forma tenta manter, ou talvez recuperar, a pouca Humanidade que ainda lhes resta e que pretende igualmente restabelecer a confiança que os seus parceiros de casa tinham noutros tempos mais tranquilos. A ruptura que se anuncia inevitável, mas também ela silenciosa, chega quando percebe que tem de abdicar um pouco mais da sua "posse" de "Ana" em favor de uma sua maior entrega a "Axel" que desespera por algum sinal desta para si. Sem ser um elemento dominante durante este filme, a personagem interpretada por William Prociuk assume-se como o último elo de ligação para com o racional e enquanto os outros não comunicam entre si ele pergunta o que pode fazer para que eles se voltem a falar. É "Jonathan" que cede às vontades da sua companheira permanecendo no ritual de confessionário que esta lhe pede como escape desta sua nova realidade e também ele que tatua a nova identidade de "Axel" por todo o seu corpo.
Mas Behl vai mais longe com este El Desierto e a acreditar numa estranha coincidência este seu argumento pode ter semelhanças bem mais fortes com a realidade do que aquelas que estamos dispostos a ver nele. Se não analisemos... um mundo em crise pós-apocalíptica que transformou os humanos em seres desprovidos de vida, sem lei, pensamento ou ordem, marginais apáticos que reagem ao cheiro dos poucos que restaram com vida e onde três curiosos indivíduos se mantêm numa casa fechada e isolada do exterior. O elemento feminino regista nomes gregos na parede, sociedade essa que deu ao mundo o pensamento filosófico e a Democracia que são agora meras miragens do passado e que aqui se assumem como uma reflexão de um realizador alemão num país não assumido mas presente (Argentina) que passou também ele no início deste novo século por uma crise social e económica que transformou em seres dispersantes toda a sua população. Curioso e dá que pensar, não?!
Intrigante é também a abordagem dada a toda a narrativa que se centre única e exclusivamente no interior de um apartamento onde as referências externas nos chegam apenas dos breves instantes iniciais onde assistimos a um espaço desertificado e pelos sons que nos chegam desses mesmos espaços graças aos inúmeros microfones que este trio de sobreviventes espalhou pelas imediações e que assim lhes indicam a presença de qualquer ser mais ou menos "vivo". Abordagem esta que nos obriga a uma clausura tão permanente como a das personagens bem como a termos uma percepção do exterior tão "fiel" como aquela que os próprios recebem dele antes de se aventurarem nas suas inúmeras expedições em busca de alimento que lhes permita (sobre)viver.
Apesar do seu ritmo mais lento e espaçado quase reflexivo do momento em que se encontram e daquilo que em tempos foram, El Desierto consegue cativar-nos por uma invulgar mensagem de auto-desistência do "eu" como se se encontrassem realmente num deserto de onde a fuga fosse impossível e que nos é exponenciada pela direcção de fotografia de Gustavo Biazzi e pela caracterização de Franca Gallo que conferem a este filme uma imagem apagada e esbatida como se aquelas personagens (pessoas) fossem uma pálida e irreconhecível representação do que foram noutros tempos, e também da sociedade que se perdeu em sucessivas crises, não especificadas deixando assim a liberdade ao espectador de as imaginar, tendo por isso caído e desaparecido da memórias daqueles que em tempos as construíram.
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