A Gaiola Dourada de Ruben Alves foi um muito aguardado filme não só pelo seu conjunto invejável de actores como também pela sua história que se esperava ser no mínimo intrigante, ao abordar a vida de uma família de emigrantes portugueses em França.
Maria (Rita Blanco) e José (Joaquim de Almeida) emigraram para França há mais de trinta anos. Com uma vida humilde, Maria trabalha enquanto porteira, mulher das limpezas e jardineira num pequeno complexo de famílias mais abastadas enquanto José trabalha na construção. Os dois são indispensáveis para todos aqueles com quem convivem desde os seus filhos Pedro (Alex Alves Pereira) e Paula (Bárbara Cabrita) passando pelos seus patrões que nada fazem sem a sua ajuda e, no fundo por toda a comunidade que deles depende de uma ou outra forma.
No entanto tudo se transforma quando José descobre que não só é o único herdeiro de toda a fortuna do seu irmão agora falecido como também que a sua filha vive um romance escondido com Charles (Lannick Gautry), filho do seu patrão. Tanto José como Maria irão agora passar por uma intensa viagem de auto-descoberta que os fará avaliar e escolher entre a possibilidade de ter uma casa em Portugal que sempre desejaram e aquilo que pelo caminho descobriram realmente ter. Mas os seus problemas não iriam terminar por aqui e enquanto pensam na melhor forma de dizer àqueles que conhecem que vão voltar a Portugal, desconhecendo que todos já conspiram nas suas costas para não os deixar voltar.
Ainda que com uma campanha de marketing invejável e um sucesso estrondoso em França, La Cage Dorée ou A Gaiola Dourada se quisermos assumi-lo definitivamente como uma história portuguesa, foi encarado por muitos, mesmo que agora digam o contrário, com alguma suspeita e reserva devido à sua temática em que é retratada a vida da comunidade emigrante portuguesa naquele país. Eu próprio fui um deles e deixo isso desde já aqui bem explícito. No entanto, algo mais forte fala quando este mesmo filme apresenta um lote invejável de actores entre os quais se destacam uma sempre brilhante Rita Blanco, um Joaquim de Almeida que é talvez o mais internacional dos actores portugueses e a curiosa presença de Maria Vieira que estamos habituados apenas a ver em produções televisivas de comédia. Se a isto juntar que sou neto, sobrinho e primo de emigrantes em França e que a curiosidade em ver o que esta história trazia, apertava com muita força, era óbvio que tinha de ceder ao enorme "passa palavra" que este filme tinha vindo a gerar nos últimos tempos. Dito isto e de mente aberta fui ver o que o jovem realizador Ruben Alves decidira apresentar com A Gaiola Dourada.
O argumento que Ruben Alves, Hugo Gélin e Jean-André Yerles apresentam não só nos cativa desde o primeiro instante como também nos apresenta a um extraordinário conjunto de personagens que irei analisar mais à frente. Aquilo que desde os primeiros segundos marca, é a imediata cativante presença de uma Rita Blanco que, no mínimo, poderei apenas dizer que tem uma luz muito própria e um brilho que cativa qualquer espectador mais distraído. Sem se impôr, Blanco é uma força da natureza (já o havia dito com a sua excelente interpretação em Sangue do Meu Sangue), e entrega-nos mesmo com os seus silêncios uma humanidade capaz de quebrar qualquer barreira que alguma vez se possa colocar no nosso caminho. Mas, seguindo para a história...
Alves, Gélin e Yerles quiseram retratar a comunidade portuguesa numa Paris do século XXI e que, com toda a certeza, teve o olhar muito próximo e quase exclusivo do luso-descendente Alves que consegue captar pequenos grandes detalhes da mesma e que estão presentes, mais ou menos assumidos, ao longo de toda esta história. Detalhes esses que passam logo desde o início pela contagiante amabilidade com que o casal "Maria" e "José" se prestam para todo o tipo de serviços quer dentro da sua própria comunidade quer para com aqueles para quem trabalham há décadas. Incapazes de dizer não, por vezes mesmo em seu prejuízo, estes dois portugueses assumem aquilo pelo qual a comunidade portuguesa é conhecida de uma forma geral, ou seja, a sua constante boa disposição, o seu trabalho árduo, um constante apego às suas raízes e principalmente tudo isto feito numa constante onda de silêncio que é por vezes ruidoso demais para aqueles que nascem já numa mescla dos dois mundos. Silêncio esse que não os faz reclamar ou pedir mais, que os faz aceitar as pequenas gratificações (quando existem) e achar humildemente que a mais não estão aptos, amealhando aos poucos todo o dinheiro que conseguem juntar ao fim de uma longa vida de árduo trabalho.
Mas esses mesmos detalhes que referi não terminam por aqui. Eles vão aliás bem mais longe, e Alves consegue captar algumas das essências mais marcantes da comunidade portuguesa nomeadamente os pequenos tiques que os fazem misturar, e por vezes esquecer, a sua língua materna ao mesmo tempo que mantêm intacta uma religiosidade acérrima que os liga a um Portugal de onde saíram noutros tempos. Capta uma vida de silêncios e de problemas não resolvidos ou partilhados que apenas pertencem aos mais velhos e dos quais os mais novos jamais devem ter conhecimento e certos hábitos e tiques que se percebe serem apenas e só de portugueses. À mesa tudo o que é típico de Portugal... o bacalhau, o azeite, os pastéis de nata e até os condimentos ditos normais da mesa portuguesa desde o sal (adorei ver o detalhe da sua embalagem que há anos não via) e uma certeza de que é pela comida e pela mesa que todos os problemas são ditos, resolvidos e esquecidos; a mesa mediterrânica e do sul da Europa por excelência.
Ao mesmo tempo Ruben Alves capta também a essência dos mais novos... aqueles que em criança saíram de Portugal ou que já são eles próprios filhos de uma França que acolheu os seus pais. A vontade de não sair do país e alguma vergonha pelas humildes profissões que os seus pais exercem e principalmente a vontade de se afirmarem num país que é mais seu do que Portugal do qual pouco ou nada conhecem, aos quais se junta uma certa irreverência que é desconhecida das gerações mais velhas, transformando-se assim numa história que capta transversalmente a atenção de todos.
A dar cor a toda esta história não poderia ter sido escolhido um elenco melhor. A já referida Rita Blanco que assume a liderança de todo o filme sobrepondo-se harmoniosamente à própria história. Ela é a história. Ela é a alma e é principalmente o coração em torno do qual tudo gira. Enternecedora desde o primeiro instante, percebemos pela força do seu olhar que os sonhos para si e para a sua família ainda habitam o seu pensamento, ainda que de alguns sabe que terá de abdicar. A pacatez que espera poder um dia viver, o trabalho que espera um dia poder deixar, a casa que espera um dia poder ser maior e os filhos que espera ver nas suas próprias vidas são apenas alguns dos pequenos grandes desejos que consegue espelhar no seu olhar. Até mesmo a desilusão num dos momentos mais tocantes e sensíveis de todo o filme que vive em partilha com Alex Alves Pereira, o seu filho "Pedro" quando este nada diz à rapariga que quer impressionar sobre a identidade da sua mãe que a obriga a assumir-se como a porteira do prédio. Tocante demais para ser descrito por palavras, este pequeno segmento consegue desarmar qualquer um dos mais incrédulos.
Joaquim de Almeida é, também ele, dominante enquanto o pai de família que vê inesperadamente a posibilidade de todos os seus sonhos serem realizados, e conseguir assim voltar ao Portugal que trinta anos antes havia abandonado. Para mim, numa das mais fortes interpretações dos últimos anos, e possivelmente de toda a sua carreira, Almeida consegue ser uma força silenciosa que apenas em breves momentos parece querer explodir, e apenas o faz no confronto verbal que tem com "Paula" a sua filha, interpretada pela actriz Bárbara Cabrita.
No entanto não só de emotividade é composto A Gaiola Dourada, e tenho de assumir publicamente que Maria Vieira e a sua "Rosa" são do mais puro delírio ao ponto de conseguir fazer seus todos os segmentos em que participa conseguindo até ofuscar positivamente aqueles que com ela partilham o ecrã. Vibrante como apenas Vieira consegue ser, e quem se lembra dela em qualquer uma das participações e "bonecos" que criou na sua longa carreira ao lado de Herman José ou Ana Bola sabe bem ao que me refiro, ela é cativante e consegue retirar-nos longas e sonoras gargalhadas... e que o comprove aquela galinha que foi esquartejada ao som das mesmas. Ou mesmo Jean-Pierre Martins com o seu "Carlos", o típico português que só vê futebol, cerveja e uma língua muito própria são esquecidos neste filme, e a par de Vieira consegue conquistar-nos graças a esses mesus aspectos tipificados de uma portugalidade que se conhece dos emigrantes (pelo menos quem tem família que o é por perto).
E do "lado" francês não deixamos também de ter inspiradas, mas mais contidas, interpretações por parte de Roland Giraud como "Francis Caillaux", o patrão de "José" que no seu próprio anonimato conspira para não deixar que este se vá embora para Portugal ou um Lannick Gautry como "Charles", o seu filho, que se apaixona pela filha de "José" em segredo com medo das consequências que isso possa trazer para a família da mesma. Mas aqui a excentricidade de uma Chantal Lauby enquanto "Solange Caillaux", aproxima-a mais de uma componente latina que a torna num alvo fácil para se tornar rapidamente uma das amigas intímas das portuguesas de serviço e os seus segmentos com Maria Vieira valem muito dos momentos cómicos que este filme nos consegue entregar.
No entanto, se de muita comédia é feito este A Gaiola Dourada, não é menos verdade que consegue recriar interessantes momentos dramáticas que caracterizam também na perfeição essa portugalidade que está inerente à comunidade portuguesa por esse mundo fora, e em muito particular aquela que se fixou em França. A enorme onda silenciosa que por lá vive, nas suas vidas mais ou menos modestas não deixando de ser excêntricas da sua forma muito particular, caracteriza-se por este silêncio que nos momentos adequados consegue ser ensurdecedor e o fado cantado por Catarina Wallenstein consegue ser disso o seu expoente máximo revelando um misto de emoções e sentimentos que apenas quem é português consegue sentir (mesmo que os demais fiquem por lá muito perto). E Ruben Alves sabe realmente o que fez, como o fez e independentemente de alguns clichés (que não deixam de ser correctos na sua observação), recria os momentos certos para fazer notar esta mesma sensibilidade e emotividade que conquistam o mais céptico dos espectadores (se ainda existirem no final de meia hora de duração deste filme).
Ainda que A Gaiola Dourada seja maioritariamente um filme de história e de actores nos quais se concentra (ou deve) toda a atenção do espectador, não é menos verdade que tecnicamente tem alguns apontamentos dignos de serem referidos nomeadamente a sua direcção de fotografia de André Szankowski que transforma todo o ambiente parisiense num retrato quente e exótico típico de uma Lisboa que se cruza entre o Atlântico e o Mediterrâneo, assim como os temas musicais compostos por Rodrigo Leão que dão uma sonoridade humana e próxima de todos nós ao filme. Isto sem esquecer claro, a caracterização da autoria de Valerie Thery-Hamel que capta a essência do "look" lusitano por França de alguém perdido num misto dos dois mundos sem nunca esquecer a sua componente de trabalhadores manuais os quais compõem a maioria da nossa população naquele país.
No final existe então um filme que ultrapassa as reservas que dele tinha e que não só se constitui como um forte filme de comédia como também se assume como um simpático drama que caracteriza um povo... os que partiram e aqueles que permanecem por Portugal. Acima de tudo um olhar muito humano que Ruben Alves consegue dar ao seu povo (dentro e fora de portas) e que ultrapassa qualquer "defeito" que lhe apontem sobre ser ou não um filme português... Afinal, ainda que maioritariamente falado em francês, os seus principais actores são portugueses ou luso-descendentes, é uma história sobre portugueses, para portugueses (ainda que qualquer um deve vê-lo), e uma sentida e honesta homenagem aos mesmos, pois o cinema ultrapassa fronteiras e nacionalidades mesmo que por vezes caracterize ou retrate algumas delas. É um filme que faltava e que não tem medo (felizmente) de se assumir enquanto comercial e que nos faz olhar para aqueles que de nós se encontram longe conquistando-nos subitamente, tão baixas já estão as nossas defesas, e sem que esperemos entregamo-nos e deliciamo-nos com a sua hitórias e principalmente as suas personagens.
Cedo e digo... C'est bon! Non... C'est magnifique!!!
.Ainda que com uma campanha de marketing invejável e um sucesso estrondoso em França, La Cage Dorée ou A Gaiola Dourada se quisermos assumi-lo definitivamente como uma história portuguesa, foi encarado por muitos, mesmo que agora digam o contrário, com alguma suspeita e reserva devido à sua temática em que é retratada a vida da comunidade emigrante portuguesa naquele país. Eu próprio fui um deles e deixo isso desde já aqui bem explícito. No entanto, algo mais forte fala quando este mesmo filme apresenta um lote invejável de actores entre os quais se destacam uma sempre brilhante Rita Blanco, um Joaquim de Almeida que é talvez o mais internacional dos actores portugueses e a curiosa presença de Maria Vieira que estamos habituados apenas a ver em produções televisivas de comédia. Se a isto juntar que sou neto, sobrinho e primo de emigrantes em França e que a curiosidade em ver o que esta história trazia, apertava com muita força, era óbvio que tinha de ceder ao enorme "passa palavra" que este filme tinha vindo a gerar nos últimos tempos. Dito isto e de mente aberta fui ver o que o jovem realizador Ruben Alves decidira apresentar com A Gaiola Dourada.
O argumento que Ruben Alves, Hugo Gélin e Jean-André Yerles apresentam não só nos cativa desde o primeiro instante como também nos apresenta a um extraordinário conjunto de personagens que irei analisar mais à frente. Aquilo que desde os primeiros segundos marca, é a imediata cativante presença de uma Rita Blanco que, no mínimo, poderei apenas dizer que tem uma luz muito própria e um brilho que cativa qualquer espectador mais distraído. Sem se impôr, Blanco é uma força da natureza (já o havia dito com a sua excelente interpretação em Sangue do Meu Sangue), e entrega-nos mesmo com os seus silêncios uma humanidade capaz de quebrar qualquer barreira que alguma vez se possa colocar no nosso caminho. Mas, seguindo para a história...
Alves, Gélin e Yerles quiseram retratar a comunidade portuguesa numa Paris do século XXI e que, com toda a certeza, teve o olhar muito próximo e quase exclusivo do luso-descendente Alves que consegue captar pequenos grandes detalhes da mesma e que estão presentes, mais ou menos assumidos, ao longo de toda esta história. Detalhes esses que passam logo desde o início pela contagiante amabilidade com que o casal "Maria" e "José" se prestam para todo o tipo de serviços quer dentro da sua própria comunidade quer para com aqueles para quem trabalham há décadas. Incapazes de dizer não, por vezes mesmo em seu prejuízo, estes dois portugueses assumem aquilo pelo qual a comunidade portuguesa é conhecida de uma forma geral, ou seja, a sua constante boa disposição, o seu trabalho árduo, um constante apego às suas raízes e principalmente tudo isto feito numa constante onda de silêncio que é por vezes ruidoso demais para aqueles que nascem já numa mescla dos dois mundos. Silêncio esse que não os faz reclamar ou pedir mais, que os faz aceitar as pequenas gratificações (quando existem) e achar humildemente que a mais não estão aptos, amealhando aos poucos todo o dinheiro que conseguem juntar ao fim de uma longa vida de árduo trabalho.
Mas esses mesmos detalhes que referi não terminam por aqui. Eles vão aliás bem mais longe, e Alves consegue captar algumas das essências mais marcantes da comunidade portuguesa nomeadamente os pequenos tiques que os fazem misturar, e por vezes esquecer, a sua língua materna ao mesmo tempo que mantêm intacta uma religiosidade acérrima que os liga a um Portugal de onde saíram noutros tempos. Capta uma vida de silêncios e de problemas não resolvidos ou partilhados que apenas pertencem aos mais velhos e dos quais os mais novos jamais devem ter conhecimento e certos hábitos e tiques que se percebe serem apenas e só de portugueses. À mesa tudo o que é típico de Portugal... o bacalhau, o azeite, os pastéis de nata e até os condimentos ditos normais da mesa portuguesa desde o sal (adorei ver o detalhe da sua embalagem que há anos não via) e uma certeza de que é pela comida e pela mesa que todos os problemas são ditos, resolvidos e esquecidos; a mesa mediterrânica e do sul da Europa por excelência.
Ao mesmo tempo Ruben Alves capta também a essência dos mais novos... aqueles que em criança saíram de Portugal ou que já são eles próprios filhos de uma França que acolheu os seus pais. A vontade de não sair do país e alguma vergonha pelas humildes profissões que os seus pais exercem e principalmente a vontade de se afirmarem num país que é mais seu do que Portugal do qual pouco ou nada conhecem, aos quais se junta uma certa irreverência que é desconhecida das gerações mais velhas, transformando-se assim numa história que capta transversalmente a atenção de todos.
A dar cor a toda esta história não poderia ter sido escolhido um elenco melhor. A já referida Rita Blanco que assume a liderança de todo o filme sobrepondo-se harmoniosamente à própria história. Ela é a história. Ela é a alma e é principalmente o coração em torno do qual tudo gira. Enternecedora desde o primeiro instante, percebemos pela força do seu olhar que os sonhos para si e para a sua família ainda habitam o seu pensamento, ainda que de alguns sabe que terá de abdicar. A pacatez que espera poder um dia viver, o trabalho que espera um dia poder deixar, a casa que espera um dia poder ser maior e os filhos que espera ver nas suas próprias vidas são apenas alguns dos pequenos grandes desejos que consegue espelhar no seu olhar. Até mesmo a desilusão num dos momentos mais tocantes e sensíveis de todo o filme que vive em partilha com Alex Alves Pereira, o seu filho "Pedro" quando este nada diz à rapariga que quer impressionar sobre a identidade da sua mãe que a obriga a assumir-se como a porteira do prédio. Tocante demais para ser descrito por palavras, este pequeno segmento consegue desarmar qualquer um dos mais incrédulos.
Joaquim de Almeida é, também ele, dominante enquanto o pai de família que vê inesperadamente a posibilidade de todos os seus sonhos serem realizados, e conseguir assim voltar ao Portugal que trinta anos antes havia abandonado. Para mim, numa das mais fortes interpretações dos últimos anos, e possivelmente de toda a sua carreira, Almeida consegue ser uma força silenciosa que apenas em breves momentos parece querer explodir, e apenas o faz no confronto verbal que tem com "Paula" a sua filha, interpretada pela actriz Bárbara Cabrita.
No entanto não só de emotividade é composto A Gaiola Dourada, e tenho de assumir publicamente que Maria Vieira e a sua "Rosa" são do mais puro delírio ao ponto de conseguir fazer seus todos os segmentos em que participa conseguindo até ofuscar positivamente aqueles que com ela partilham o ecrã. Vibrante como apenas Vieira consegue ser, e quem se lembra dela em qualquer uma das participações e "bonecos" que criou na sua longa carreira ao lado de Herman José ou Ana Bola sabe bem ao que me refiro, ela é cativante e consegue retirar-nos longas e sonoras gargalhadas... e que o comprove aquela galinha que foi esquartejada ao som das mesmas. Ou mesmo Jean-Pierre Martins com o seu "Carlos", o típico português que só vê futebol, cerveja e uma língua muito própria são esquecidos neste filme, e a par de Vieira consegue conquistar-nos graças a esses mesus aspectos tipificados de uma portugalidade que se conhece dos emigrantes (pelo menos quem tem família que o é por perto).
E do "lado" francês não deixamos também de ter inspiradas, mas mais contidas, interpretações por parte de Roland Giraud como "Francis Caillaux", o patrão de "José" que no seu próprio anonimato conspira para não deixar que este se vá embora para Portugal ou um Lannick Gautry como "Charles", o seu filho, que se apaixona pela filha de "José" em segredo com medo das consequências que isso possa trazer para a família da mesma. Mas aqui a excentricidade de uma Chantal Lauby enquanto "Solange Caillaux", aproxima-a mais de uma componente latina que a torna num alvo fácil para se tornar rapidamente uma das amigas intímas das portuguesas de serviço e os seus segmentos com Maria Vieira valem muito dos momentos cómicos que este filme nos consegue entregar.
No entanto, se de muita comédia é feito este A Gaiola Dourada, não é menos verdade que consegue recriar interessantes momentos dramáticas que caracterizam também na perfeição essa portugalidade que está inerente à comunidade portuguesa por esse mundo fora, e em muito particular aquela que se fixou em França. A enorme onda silenciosa que por lá vive, nas suas vidas mais ou menos modestas não deixando de ser excêntricas da sua forma muito particular, caracteriza-se por este silêncio que nos momentos adequados consegue ser ensurdecedor e o fado cantado por Catarina Wallenstein consegue ser disso o seu expoente máximo revelando um misto de emoções e sentimentos que apenas quem é português consegue sentir (mesmo que os demais fiquem por lá muito perto). E Ruben Alves sabe realmente o que fez, como o fez e independentemente de alguns clichés (que não deixam de ser correctos na sua observação), recria os momentos certos para fazer notar esta mesma sensibilidade e emotividade que conquistam o mais céptico dos espectadores (se ainda existirem no final de meia hora de duração deste filme).
Ainda que A Gaiola Dourada seja maioritariamente um filme de história e de actores nos quais se concentra (ou deve) toda a atenção do espectador, não é menos verdade que tecnicamente tem alguns apontamentos dignos de serem referidos nomeadamente a sua direcção de fotografia de André Szankowski que transforma todo o ambiente parisiense num retrato quente e exótico típico de uma Lisboa que se cruza entre o Atlântico e o Mediterrâneo, assim como os temas musicais compostos por Rodrigo Leão que dão uma sonoridade humana e próxima de todos nós ao filme. Isto sem esquecer claro, a caracterização da autoria de Valerie Thery-Hamel que capta a essência do "look" lusitano por França de alguém perdido num misto dos dois mundos sem nunca esquecer a sua componente de trabalhadores manuais os quais compõem a maioria da nossa população naquele país.
No final existe então um filme que ultrapassa as reservas que dele tinha e que não só se constitui como um forte filme de comédia como também se assume como um simpático drama que caracteriza um povo... os que partiram e aqueles que permanecem por Portugal. Acima de tudo um olhar muito humano que Ruben Alves consegue dar ao seu povo (dentro e fora de portas) e que ultrapassa qualquer "defeito" que lhe apontem sobre ser ou não um filme português... Afinal, ainda que maioritariamente falado em francês, os seus principais actores são portugueses ou luso-descendentes, é uma história sobre portugueses, para portugueses (ainda que qualquer um deve vê-lo), e uma sentida e honesta homenagem aos mesmos, pois o cinema ultrapassa fronteiras e nacionalidades mesmo que por vezes caracterize ou retrate algumas delas. É um filme que faltava e que não tem medo (felizmente) de se assumir enquanto comercial e que nos faz olhar para aqueles que de nós se encontram longe conquistando-nos subitamente, tão baixas já estão as nossas defesas, e sem que esperemos entregamo-nos e deliciamo-nos com a sua hitórias e principalmente as suas personagens.
Cedo e digo... C'est bon! Non... C'est magnifique!!!
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