Longe do Éden de Carlos Amaral é uma das curtas-metragens portuguesas em competição para o Prémio Yorn de Melhor Curta de Terror na edição deste ano do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa.
Esta história cujo argumento foi também assinado por Carlos Amaral, conta-nos a história de um sobrevivente que viaja num mundo pós-apocalíptico em busca de um último sinal da civilização e de uma Humanidade já perdida.
Numa longa viagem que nos transporta através de uma paisagem desolada (e desoladora), assistimos à tentativa de sobrevivência deste homem (Vítor Correia) quando tudo aparenta estar contra ele e a sua missão. No entanto, sem nunca aparentar perder a esperança de encontrar parte do mundo como outrora o conhecera, ele caminha sem um destino concreto por entre perigos de uma civilização que pouco tem daquilo que em tempos a caracterizava.
Longe do Éden denota uma clara inspiração que Carlos Amaral, seu realizador e argumentista, teve em obras do género nomeadamente The Road ou The Book of Eli, onde o protagonista tenta reencontrar e assegurar uma réstia do seu passado, seja ele a protecção do seu ente mais querido ou uma peça da cultura de um passado perdido, no fundo obras quais que denotam aquilo que esta curta-metragem tenta com sucesso evidenciar como o seu ponto forte, ou seja, uma total falta de esperança num ideal de futuro que cada vez mais aparenta ser sem perspectivas e que no fundo é o fim de um ciclo. Esperança essa que se mantém mas que, na prática, apenas serve como o mote para a própria sobrevivência e que no fundo é ilustrado nos momentos iniciais quando aquele homem caminha com uma máscara no rosto que o ajuda a respirar o que serve de perfeita analogia à mensagem a transmitir... no fundo ele sabe que o ar contém elementos nocivos para a sua sobrevivências mas a dada altura retira a máscara para melhor poder estar no seu percurso.
Sendo uma curta-metragem mais centrada em elementos como a perda da esperança ou a solidão, o elemento "terror" aparece aqui sob a perspectiva da sua própria perda, ou seja, se todos nós somos movidos com ideias de um futuro melhor, mais seguro e com objectivos concretos para a nossa auto-preservação, a ideia de que tudo pode deixar de existir ou de nos encontrarmos num espaço onde na prática já nada é como aquilo que em tempos conhecemos pode por si só constituir um cenário demasiadamente negro e assustador ou no fundo o terror que não queremos encarar. Assim, sem ser necessariamente um filme de terror, a teoria e os elementos nos quais se fundamenta são assustadores o suficiente para o encararmos pelo menos como uma obra de terror psicológico. Imaginemo-nos num mundo onde tudo o que vemos são ruínas e estradas vazias, onde o perigo pode espreitar de qualquer esquina e os únicos poucos sobreviventes com que nos encontramos são ou marginais ou violentos... sim, encontramo-nos num universo por demais assustador.
Vítor Correia está fenomenal nesta sua interpretação, e aos poucos parece assumir-se como o último homem errante na terra, tal como já havia de certa forma demonstrado no filme Estrada de Palha de Rodrigo Areias (produtor desta curta), e no seu silêncio e desespero tenta percorrer o seu caminho com a tal esperança estampada apenas no seu olhar e cada vez mais dissipada dos seus actos. Sempre com o seu caminho em mente, do qual só se desviará se a morte chegar primeiro, mas aparentemente consciente de que apenas o quer terminar para comprovar se "algo" desse tal passado existe.
E se a sua interpretação está perfeita como o tal herói perdido num mundo que já não é o seu, não é menos verdade afirmar que tecnicamente falando é onde podemos encontrar os elementos mais fortes desta curta-metragem. Logo em primeiro lugar há obrigatoriamente que destacar a brilhante fotografia de Paulo Castilho que nos recria na perfeição o ambiente apocalíptico pretendido. Percorremos todo um espaço geográfico ou temporal que nos é alheio, onde os caminhos e os espaços estão desprovidos de cor, de vida ou de qualquer tipo de luz que diferencie os objectos que nele se encontram. Sabemos que ali não existe nada além de um enorme cemitério a céu aberto e onde tudo parece igual independentemente dos locais que se percorram, sendo que os únicos focos de luz e cor mais intensos são os que aquele homem retém do passado na sua já escassa memória, e aí sentimo-los tão vibrantes como realmente foram distanciando-se do tal "presente" em que se encontra, não podendo esquecer o guarda-roupa da autoria de Susana Abreu que nos faz imediatamente recordar os já referidos The Road, The Book of Eli ou mesmo Mad Max onde os intervenientes assumem uma pose mais robusta e radicalmente militarizada e também a caracterização que esteve a cargo de Bárbara Brandão e que faz realçar o desgaste físico esperado de alguém que já passou por um sem número de provações que jamais poderemos imaginar.
Finalmente deixo ainda uma nota positiva aos suaves acordes musicais compostos por Miguel Santos que refletem com grande precisão a principal falta de esperança na qual todo o enredo se baseia e que tenta evidenciar.
Longe do Éden pode estar longe de denotar uma originalidade efectiva visto ser um género já muito trabalhado no cinema mas, ainda assim, constitui um interessante esboço para uma eventual longa-metragem que teria aqui um bom início para o seu desenvolvimento e que graças à direcção de arte de Júlio Alves que conceptualiza vibrantes e magníficos cenários naturais e de exteriores se tornaria, pelo menos para o panorama nacional, uma obra de referência.
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