O Coveiro de André Gil Mata é uma curta-metragem portuguesa de ficção que concorre ao Prémio Yorn - Melhor Curta de Terror Portuguesa nesta sétima edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa a decorrer no Cinema São Jorge.
O Coveiro conta-nos a história de uma ciança que nasce monstro e, como tal, provoca primeiro a morte da sua mãe, destino que mais tarde terá também o seu pai, o coveiro da aldeia em que vivem. Com o passar dos anos, ele próprio assume as funções outrora desempenhadas pelo seu pai como coveiro da aldeia, numa vida solitária onde cava durante as noites num cemitério misto de terra e ferrugem mas, no entanto, a chegada de um homem sem cabeça irá mudar o destino deste orfão isolado dos demais.
André Gil Mata escreve também o argumento desta simplesmente magnífica curta-metragem que, inspirada nos tradicionais contos de cordel portugueses, nos conta uma trágica história de amor ou, na realidade, uma história que nos conta a ausência dita normal do mesmo. Através de uma impecável narração de Adolfo Luxúria Caníbal que ritmadamente e em rima nos conta a história de um conjunto invulgar de personagens que deambulam pela noite à espera de uma qualquer redenção que tarda em chegar, O Coveiro apresenta-nos assim um enredo no qual o espectador é inserido como se de um sonho, ou melhor, de um pesadelo se tratasse.
As suas invulgares personagens, marginais da sociedade que literalmente nunca chegam a ver a luz do dia e onde toda a acção se concretiza ao luar entre cenários sombrios e arrepiantes que nos dão a clara noção de que presenciamos um sonho... Um sonho onde o fim só é uma realidade para aqueles que nele morrem e que encontram a sua esperada redenção na morte que escolhe o seu preciso momento para os levar ao cemitério onde todos, sem excepção, esperam pelo seu devido lugar. Local esse que ao contrário da sociedade em que habitam, não os renega, não os afasta ou recusa, garantindo-lhes ali o descanso eterno que será para eles a sua maior prova de amor.
Gil Mata garante-nos um filme que nos prende desde o seu primeiro instante. Em primeiro lugar pelo seu próprio e muito característico ambiente que nos insere literalmente num tradicional filme de terror no qual todos os pequenos recantos e sombras têm um significado quer seja ele mórbido ou mais macabro no qual as suas diversas personagens não são necessariamente nem medonhas nem vilãs, mas sim aqueles que foram renegados dos olhares ditos convencionais da sociedade "correcta". Aqui encontramos os renegados. Aqueles que devido às suas origens ou estilos de vida são ignorados, ainda que a sua presença se faça sentir pela concretização das suas profissões ou dos serviços que prestam.
De seguida, encontramos toda uma simbologia que nos remete para o domínios do subconsciente, dos sonhos e dos pesadelos como se de uma vida alternativa se tratasse como por exemplo o facto de toda a sua narrativa se desenvolver de noite ao luar, onde todos se podem esconder nas já referidas sombras de forma a que os olhares mais indiscretos sejam cegos ao que pelas ruas e vielas acontece. Noite essa que, tal como as diversas personagens que nela vivem, esconde a vergonha que elas possam representar e que como tal podem continuar a povoar os espaços que as pessoas de bem não cruzam. É esta mesma simbologia que nos remete para o tal subconsciente que desde o primeiro instante se pretende quer através da narração de Luxúria Caníbal quer através da constante melodia de fundo, conduzida por Pedro Augusto e que escutamos como se nos pretendesse seduzir e embalar, mantendo-nos assim em suspenso sobre se presenciamos um sonho ou se ali existe algo que a qualquer momento nos pode aterrorizar tal como num pesadelo.
O Coveiro é assim um conto que se mescla nas trevas e no amor, numa história de embalar e num pesadelo ao som de ma voz que parece realmente querer hipnotizar-nos para um universo fantástico onde co-habitam um sem número de invulgares personagens que vivem na sombra. Personagens essas que ganham vida através das cativantes interpretações de David Almeida, Paula Guedes, Valdemar Santos ou Carlos Monteiro que transformam o seu génio para dar alma a estes invulgares seres da noite.
E O Coveiro é também uma aposta segura e garantida a nível técnico onde a sua originalidade não tem, felizmente, limites. Desde a sua enigmática e hipnótica melodia já aqui referenciada como a própria execução que mistura animação com ficção fazendo-nos alternar na tal percepção, ou melhor a falta dela, de em que espaço realmente nos encontramos... estaremos no real... ou num espaço imaginado?! E não esquecendo claro, uma das mais originais e bem executados direcções de fotografia, da autoria de Paulo Abreu e Jorge Quintela, que nos colocam nesse referido centro fazendo-nos perder qualquer noção previamente obtida sobre o "real". Se num instante pensamos estar num mundo antigo, digno de qualquer obra de terror dos anos 20 do século passado, não é menos verdade que quando o assumimos como real somos "destronados" e imersos num universo de imaginação onde a captação, ou recriação, das sombras nos faz libertar das nossas certezas e obriga-nos a experimentar todo um mundo novo... o de Gil Mata.
Se queremos originalidade e imaginação no cinema nacional... não precisamos de procurar mais... ela está toda aqui e com muita vontade de voar naquela que é uma das mais fortes obras do cinema nacional... passado ou presente.
Uma
história, narrada ao luar, de uma criança que nasce monstro.
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Uma
história, narrada ao luar, de uma criança que nasce monstro.
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