terça-feira, 13 de maio de 2014

The Only Man (2013)

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The Only Man de Jos Man é uma surpreendente curta-metragem espanhola de ficção que inserida na categoria Fantástico da quinta edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorreu até ao passado dia 10 de Maio na Cantábria, em Espanha, e onde tive a honra de estar presente enquanto membro do júri, mais se destaca na respectiva categoria sendo que, no entanto, tem muito mais para revelar do que um "simples" filme de terror ou sobrenatural.
Esta história leva-nos a conhecer Tom (Timothy Gibbs), aquele que é provavelmente um dos últimos sobreviventes desprotegidos e solitários de uma epidemia que transformou a Humanidade em seres sem consciência que deambulam pelas ruas quase indiferentes àquilo que os rodeia. Tom, depois de ter perdido a companhia de Sarah (Molly Malcolm) a sua mulher de quem ainda tem vagas memórias, tenta sobreviver a este vírus e manter-se afastado daqueles que deambulam pelas ruas mantendo assim um conjunto mínimo de regras que lhe vão garantindo alguma segurança.
Conseguirá Tom resistir ao poder devastador de um vírus que já colheu boa parte da Humanidade ou serão os seus esforços em resistir a esta praga bem sucedidos?
Uma forma de responder a esta questão é pensar imediatamente na excelência do argumento que Jos Man, Xavier Blanch e Javier J. Valencia escreveram e pensar que "Tom" jamais saberá se é ou não um resistente caso falhe nos seus objectivos e, tal como todos os demais, perca a consciência de quem realmente é.
Para um filme de cariz fantástico, que tantos de nós normalmente pensam ser vazio em termos de conteúdo e rico em sustos e em efeitos de caracterização mais notórios, The Only Man presenteia-nos com uma agradável surpresa quando obriga o espectador a pensar não só no mundo em que vive como principalmente na sua própria posição no mesmo na medida em que apresenta o "resultado" de um interesse generalizado da Humanidade nos espaços, nos problemas e nos dogmas com que convive diariamente aceitando-os sem questionar ou como aqui é bem explícito... sem pensar.
Num mundo de livre arbítrio e onde tudo e todos são encaminhados para a "escolha" e para o poder libertário que esta acarreta, onde existe todo um enorme potencial de informação à simples distância de um "click", The Only Man torna-se uma reflexão sobre a vontade voluntária que o Homem tem na desinformação ou, pior ainda, na indiferença que lhe confere quando despreocupadamente revela não querer saber nada do que o rodeia por razões tão diversas como o simples desinteresse (que de simples nada tem) até a um desconhecimento tácito que é aceite como sendo o mais correcto e que, no fundo, todos os demais fazem e aceitam.
Man, Blanch e Valencia provocam então o espectador não pelo ressurgimento de um qualquer vírus que destrói a Humanidade transformando-a em mortos-vivos sedentos do sabor da carne humana mas sim em vivos não pensantes e em consequente decomposição que tendo tido o mundo aos pés resolveram ignorá-lo na exacta proporção... quanto mais acesso à informação existia menos vontade de a reter havia. Enquanto noutras épocas a ignorância era involuntária pois os recursos nem sempre conseguiam satisfazer a necessidade daqueles que a procuravam, esta Humanidade vivia (viveu) então uma época onde tendo tudo nas mãos e podendo decidir e informar-se sobre aquilo que a afligia resolveu, a meio tempo, que a melhor solução era uma ignorância consentida que metaforicamente é aqui representada por estes seres rudes, pesados e grosseiros que se encontram numa situação da qual por muito se tente dificilmente se irá conseguir escapar. "Tom", numa brilhante e notável interpretação de Timothy Gibbs, é assim o espelho do Homem, talvez o último, que tenta avidamente manter a sua consciência activa, repleta de memórias de um passado agora distante mas que por fruto da sua própria solidão e desespero está numa rota irreversível face a esta mesma condição, a qual por muito que tente é apenas o resultado antecipado de algo do qual não irá ter consciência.
A sua vitória torna-se então impossível. De que forma poderia ele vencer quando se encontra sozinho num mundo perdido? Qual seria o seu prémio quando não tem nada, nem ninguém, com quem o partilhar? O que ver ou esperar quando todo o espaço é agora uma miragem de algo que fora anteriormente belo e ocupado mas que agora apenas tem corpos caminhantes pelas ruas?
"NO HUMANS", lemos na porta da casa que habita e onde passou os melhores, e também os piores, dias da sua vida. Mais uma mensagem sobre aquilo que o (nos) espera, quando os recursos, a esperança e principalmente a liberdade se vêem comprometidas face à (des)Humanidade que existe à sua (nossa) volta. Num mundo povoado por tantos problemas que poderiam ser facilmente resolvidos se existisse vontade, conhecimento e solidariedade, mas que sucumbem face ao desinteresse que todos lhe conferem, qual o futuro e o destino de uma Humanidade que simplesmente não quer saber para além de uma desconsciencialização generalizada que (n)os transforma em seres rudes e sem expressão que apenas se mantêm vivos graças ao ar que respiram e a alguns apetrechos que parecem garantir-lhes uma subsistência ilusória?!
"Human existence is contaminated", diz a certa altura... não poderia estar mais certo. Contaminada pela indiferença, pelo desinteresse e pela ignorância... todos eles consentidos e voluntários e que nos traçam o rumo face à nossa própria extinção... eis a mensagem principal que The Only Man nos transmite e que todo o cenário envolvente numa brilhante direcção de Jos Man conquista ao longo de todo o filme e que são notados desde a direcção de fotografia de Pau Mirabet que lança um conjunto de cores amarelecidas como se todo um deserto conquistasse lentamente o ambiente que rodeia toda a "antiga" civilização, passando pela própria direcção artística apocalíptica que Iván Triviño e Luisa Ojeda tão bem captam sem esquecer a magnífica caracterização que Anna Tugués, Sol Astromujoff e Jordi Morera executam para recriar aqueles seres, mais ou menos humanos, mas perdidos que aos poucos se anulam. Tudo perfeito de forma a que a atmosfera desta curta-metragem se aproxime de um fim do mundo sem guerras e sem epidemias destruidoras da civilização... aqui o vírus "utilizado" é a própria ignorância humana.
Quanto à interpretação há que mencionar aquele que é a alma de The Only Man, o seu actor protagonista Timothy Gibbs que com o seu "Tom" venceu o Prémio Dunas de Liencres do Piélagos en Corto (num momento caricato que teve tanto de emocionante como de cómico), muito graças ao conflito que faz transparecer de um homem perdido entre os valores e as memórias do seu passado e da sua vida que apesar de lhe conferirem uma réstia de Humanidade são, no entanto, algo que o tempo foi fazendo perder (tal como a própria memória que o mantinha como um sobrevivente), e aquilo com que é agora obrigado a viver... um mundo sem valores pois não existe ninguém para os defender, um mundo desolado, perdido, ameaçado pela ruína e todos estes elementos fruto de um factor deveras importante como é o poder do esquecimento.
E finalmente uma nota particular a Jos Man, o realizador, produtor e argumentista de The Only Man que consegue aqui recriar toda uma perfeita atmosfera de fim de mundo sem que para tal precisasse de recorrer a um conjunto de efeitos muitos elaborados pois, tal como aqui é tão explícito, o mundo termina quando nós (qualquer um de nós) dele se "desliga" e desinteressa estando assim condenado à perdição.
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"Tom: The world has let itself get carried away by stupidity."
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10 / 10
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