quarta-feira, 14 de maio de 2014

Zar (2013)

.
Zar de Bartosz Kruhlik é uma curta-metragem polaca de ficção presente na secção Nacional/Internacional da quinta edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que terminou no passado dia 10 de Maio na Cantábria, em Espanha.
Michael (Aleksander Sosinski) viaja para uma pequena localidade do interior do país para conhecer Anne (Sara Bartkowska) com quem tem desenvolvido uma relação virtual próxima.
Ao encontrarem-se pela primeira vez frente a frente a empatia entre os dois é imediata até que Anne se afasta misteriosamente e surge no caminho de Michael um novo e misterioso elemento que se apresenta como Daniel (Rafal Fudalej) e que tem os seus próprios planos a respeito daquele encontro.
Kruhlik escreveu este argumento que nos apresenta de imediato um ambiente muito familiar aos filmes teen norte-americanos onde tudo parece idílico e bonito deixando os intervenientes confiantes quanto a um futuro cor-de-rosa. No entanto, o mesmo argumento faz com que o espectador sinta desde o primeiro instante uma desconfortável sensação de déjà vu quanto àquilo que espera a respeito desta viagem. O clima sente-se pesado e pouco natural. No fundo, quantos de nós já não viram filmes deste género onde percebemos muito facilmente que aquilo que daqui pode surgir será tudo menos a viagem de uma vida...
Se o encontro entre "Michael" e "Anne" parece aparentemente perfeito, não é menos verdade que deixa uma imediata sensação de qua algo não está bem ainda que não consigamos perceber exactamente o quê. No entanto, aquele inesperado afastamento de "Anne", que se torna imediatamente secundária numa história cujo propósito era conhecê-la, revela que o pesadelo está prestes a começar.
Se ela serviu como um engodo para algo maior, não é menos verdade que é apenas quanto "Michael" e "Daniel" se encontram que tudo se desvanece e percebemos estar perante um pesadelo que parece não ter um fim à vista... E confirma-se. Aos poucos "Daniel" percorre o terreno e prepara o seu caminho para controlar tudo à sua volta. É quando a tensão se percebe como estando instalada que a verdadeira "caça" se inicia para aquilo que seriam as piores horas da vida do jovem "Michael" que apenas pode tentar sobreviver a uma aventura da qual não tem escapatória possível.
O seu cativeiro, abuso e tortura por parte de um instável "Daniel", fazem assim justiça àquilo para o qual somos inicialmente avisados... Zar, no sentido de calor, que tanto se pode à temperatura climatérica do ar como, mais explícito nesta curta-metragem, à tensão e frustração sexual sentida por parte daquele violento intruso e exercida sobre uma inesperada vítima às suas mãos.
Numa acção que decorre numa floresta deserta e labiríntica que automaticamente se transforma na própria prisão de "Michael", Zar denota elementos que nos aproximam de uma filmografia cruzada entre Haneke e Roth fazendo-os conviver no mais perfeito elogio ao sadismo físico e psicológico que, a certa altura, não só é exercida sobre a referida personagem como também obrigatoriamente sobre o espectador que desespera pelos momentos que a vê atravessar sem nada poder fazer... tão perto da civilização se encontra que o próprio salvamento parece ser uma mera ilusão que a sua mente se atreveu a pensar.
Se a simpatia e quase delicadeza dos momentos iniciais parecem conquistar o público através de uma relação que se apresenta terna, é no entanto a violência dos sentimentos e da aceitação que a personagem de Fudalej apresenta que acabam por dinamizar todo o filme e obrigar-nos a odiar aquele vilão que, de certa forma, se odeia a ele próprio exercendo sobre terceiros as suas próprias incertezas, frustrações e dificuldades em aceitar e perceber os seus sentimentos.
Daniel Wzwrzyniak consegue através da sua excelente execução de fotografia captar não só o factor de prisão aberta em que se transformam todas as sombras e caminhos incertos daquele floresta, o que só torna ainda mais complicado de digerir todo o ambiente pois percebemos que apesar de poder "facilmente" fugir dali, "Michael" encontra-se, na verdade, num espaço que é mais restrito do que aparenta, assim como é tão captado todo aquele ambiente de um Verão cálido e desconfortável que apenas vai agudizar todos os sentimentos reprimidos que se fazem sentir.
Zar é, com toda a justiça, um filme bruto e desconcertante que nos incomoda e nos faz pensar uma vez mais nos perigos de encontros desconhecidos e que podem trazer perigos e momentos que conseguem definitivamente transformar a vida daqueles que neles estão envolvidos. Um filme forte, bruto e cru que não nos deixa indiferentes pela sua inicial calma violência que faz adivinhar que o pior está ainda por chegar.
.
.
9 / 10
.
.

Sem comentários:

Enviar um comentário