terça-feira, 13 de maio de 2014

Cristales (2013)

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Cristales de Juan Ferro é uma curta-metragem espanhola de ficção presente na secção Fantástico da quinta edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorreu até ao passado dia 10 de Maio na Cantábria, em Espanha e no qual tive a honra de estar presente enquanto membro do júri.
Lucas (Jorge Monje) e Natalia (Alicia Rubio) viajam num profundo silêncio numa clara alusão ao quão gélida está a relação que ainda os mantém próximos.
De repente algo faz mudar a percepção que têm da mesma quando o inesperado sucede e, em flashbacks, percorrermos as memórias daquilo que em tempos os uniu.
O argumento de Cristales, da autoria de Juan Ferro e de Alejo Flah, relaciona directamente o título desta curta-metragem com a sua acção, ou seja, a imagem que a relação entre os dois protagonistas faz transparecer. Frágil como um cristal, percebemos desde o primeiro instante que aquilo que em tempos os uniu é agora uma memória esquecida e perdida no passado. Essa união que em tempos era a razão das suas existências sente-se agora ténue, se não já mesmo inexistente, e aquela viagem que parece demorar horas é o veículo perfeito para recordarem os momentos em que se conheceram, em que se entregaram e como tudo desmoronou com o passar o tempo chegando assim ao presente momento onde já pouco se conseguem olhar.
Frágil ao ponto de poder ruir a qualquer momento de forma imprevisível, Cristales leva o espectador a questionar-se sobre todos os pequenos problemas que, sem o serem, se tornam situações determinantes nas relações que se estabelecem entre o "eu" e o "outro", e no quão breve é a nossa própria passagem pelo mundo ao ponto de concentrarmos tanto tempo em questões que na sua essência nada representam.
Os actores denotam uma química imediato e facilmente percebemos que Jorge Monje e Alicia Rubio foram escolhidos na perfeição para o casal protagonista. Desde o início assistimos através das suas próprias memórias como o mais improvável dos casais se conhece e como se torna cúmplice, talvez mesmo numa tentativa de perceber o que os terá levado à sua separação questionando todos os pequenos detalhes, os sim e os não ou até mesmo aquilo que poderão ter dito e que nunca o deveria ter sido. No final percebemos graças às suas interpretações sentidas e honestas que tão evidente seria a sua união como a sua separação sendo que, no entanto, algo ficou por desaparecer... talvez a sua cumplicidade fosse tal que jamais poderiam viver eternamente juntos pois seriam consumidos por aquilo que sentiam em comum. Mas certo é, e percebemo-lo pela forma como expressam os sentimentos que a sua separação acarreta, que o amor não desapareceu... nem tão pouco a vontade de estarem na mútua presença pois só ela, e nada mais, consegue satisfazer os seus desejos... o próprio afastamento de "Natalia" na companhia de "Lucas" é disso claro sinal.
Cristales é, acima de uma história a decorrer no presente, uma memória do passado, daquilo que foi e do que poderia ter sido e o sentido trato da direcção de fotografia de Pablo Bürmann é o claro espelho desta mesma memória. Os tons de um azul esbatido que é o presente contrastam com a explosão de cor que se faz sentir nos flashbacks destas personagens. Aqueles momentos tornam-se por si só, imagens de uma vida, de um desejo e de uma cumplicidade que não terminou. Que não pode terminar, sendo este mesmo trabalho de Bürmann uma personagem por si só que nos faz presenciar os diversos momentos da relação deste casal.
Juan Ferro dirige assim uma curta-metragem que inserida na categoria Fantástico o é não pelo suspense ou carácter imaginado da situação em si, mas sim pelo facto de nos revelar (ao espectador) que pequenos desentendimentos não resolvidos podem, a longo prazo, ser elementos limitadores da relação que estabelecemos com os outros (numa clara semelhança e ligação para com a curta 02:43, de Hector Rull). No final, questionamo-nos, a única coisa da qual nos iremos arrepender é não do que fizemos mas sim daquilo que ficou por fazer e, principalmente, daquilo que ficou por dizer. Daquilo que sentimos e que ficou por demonstrar pois nenhum deles (de nós) sabe se terá uma segunda oportunidade, sendo todos os nossos momentos e mera existência tão frágeis como meros cristais que a qualquer momento se podem quebrar.
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9 / 10
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