Deus Dará de Tiago Rosa-Rosso que participa nesta quarta edição do Córtex - Festival de Curtas-Metragens de Sintra que decorre no Centro Cultural Olga de Cadaval, é um daqueles filmes curtos que queremos recordar nos tempos que decorrem pela importância da sua mensagem e pela excelente dramatização que encena.
Um vendedor porta a porta (Ivo Vieira) encontra-se com salários em atraso dificultando assim a sua vida. Com trabalho incerto, dívidas para pagar que se acumulam e um senhorio (Miguel Monteiro) que quer a renda paga a tempo e horas, ele precisa de encontrar uma solução para a sua vida antes que seja tarde demais.
Num ano em que são já várias as histórias que cruzam a tão presente crise económica como é o caso por exemplo de Branco, de Luís Alves, Desespero, de Rui Pilão ou E Agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto, Tiago Rosa-Rosso recupera a temática e apresenta-nos a sua visão da mesma. Cada um deles, à sua maneira, entregam-nos uma abordagem sobre este flagelo que aos poucos consome a sociedade privando-a primeiro da possibilidade de satisfazerem as suas necessidades básicas e aos poucos removendo-lhes a dignidade que a todos está inerente quer seja através da falta de medicamentos para tratar de um problema de saúde, de pagar as contas da casa que se acumulam ou até mesmo de poderem satisfazer as suas necessidades alimentares da melhor forma.
Rosa-Rosso apresenta-nos assim a história de um homem que, como tantos, se vê no meio de um dilema que não pode resolver sem se envolver num conjunto de situações menos lícitas tendo como principalmente consequência o alhear-se de um conjunto de regras ou ideais morais que poderia até então deter. A sua postura de completo desespero leva-o numa cruzada em busca de justiça que toma pelas suas próprias mãos pois sabe que ou paga as suas despesas imediatas ou passa a pertencer ao extenso grupo de pessoas que faz da rua a sua casa.
Arriscando assim perder a sua integridade, ou pelo menos abdicar dele durante um certo período de tempo, este homem primeiro efectua um assalto que lhe pode garantir a sua subsistência (mesmo que para isso prejudique outro alguém que, tal como ele é mais um anónimo da sociedade), e de seguida pretende a punição daquele que o priva de ter o seu rendimento e a dignidade. Num acto de calma selvejaria, este homem toma o rumo da sua vida pelas suas próprias mãos e só pára quando vir todas as suas necessidades imediatas satisfeitas.
É neste contexto que Tiago Rosa-Rosso nos coloca e nos obriga a pensar nas inúmeras situações anónimas que estão diariamente à nossa volta, e nas condições mais ou menos complicadas pelas quais um número infindável de pessoas atravessa entre quatro paredes sem que ninguém à sua volta sequer imagine, e é através daquele homem, numa forte interpretação de Ivo Vieira que capta todo o espírito e força da sua personagem, que podemos rever toda uma sociedade que dia após dia luta para poder viver a sua vida de forma digna mesmo que para isso tenha tantas vezes de pisar o "risco".
Da descrição apresentada sobre esta grande curta-metragem retive uma frase de Bertolt Brecht que tão bem não só a caracteriza como todo o momento que agora atravessa esta Europa em crise não só económica, mas também de crise moral, cultural, social e de valores que é "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.". Frase esta que nos deixa (ou deveria deixar) numa reflexão não sobre os actos marginais que este homem é obrigado a cometer, mas principalmente pelas situações injustas e elas sim bem marginais que o levaram a chegar àquele momento concreto e corromper todos os seus valores que até então (pensamos) defendia. Qual será o maior criminoso? Aquele que viola a lei em nome da sua sobrevivência ou aquele que o obriga a lutar por ela e não por uma vida digna e com direitos?
A direcção de fotografia de Martino Gliozzi coloca-nos num espaço que parece abandonado de esperança, onde a escuridão é uma presença constante e as oportunidades e soluções parecem apenas uma lembrança de um passado distante facto que vem ser aprofundado por uma interpretação com alma de Ivo Vieira que inicialmente nos mostra alguém que pretende fazer tudo dentro dos limites ditos legais mas que percebe que é apenas passando para o "outro lado" que irá conseguir (sobre)viver num mundo que não perdoa ou poupa ninguém e que mesmo violando a lei consegue manter a todo o instante a simpatia do espectador que independentemente dos seus actos serem menos "convencionais", vê nele um homem que apenas pretende existir.
Deus Dará insere-se facilmente como um dos trabalhos maiores a que este ano cinematográfico português irá assistir, e Tiago Rosa-Rosso num nome que temos de manter sob vigilância para os próximos tempos.
.Um vendedor porta a porta (Ivo Vieira) encontra-se com salários em atraso dificultando assim a sua vida. Com trabalho incerto, dívidas para pagar que se acumulam e um senhorio (Miguel Monteiro) que quer a renda paga a tempo e horas, ele precisa de encontrar uma solução para a sua vida antes que seja tarde demais.
Num ano em que são já várias as histórias que cruzam a tão presente crise económica como é o caso por exemplo de Branco, de Luís Alves, Desespero, de Rui Pilão ou E Agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto, Tiago Rosa-Rosso recupera a temática e apresenta-nos a sua visão da mesma. Cada um deles, à sua maneira, entregam-nos uma abordagem sobre este flagelo que aos poucos consome a sociedade privando-a primeiro da possibilidade de satisfazerem as suas necessidades básicas e aos poucos removendo-lhes a dignidade que a todos está inerente quer seja através da falta de medicamentos para tratar de um problema de saúde, de pagar as contas da casa que se acumulam ou até mesmo de poderem satisfazer as suas necessidades alimentares da melhor forma.
Rosa-Rosso apresenta-nos assim a história de um homem que, como tantos, se vê no meio de um dilema que não pode resolver sem se envolver num conjunto de situações menos lícitas tendo como principalmente consequência o alhear-se de um conjunto de regras ou ideais morais que poderia até então deter. A sua postura de completo desespero leva-o numa cruzada em busca de justiça que toma pelas suas próprias mãos pois sabe que ou paga as suas despesas imediatas ou passa a pertencer ao extenso grupo de pessoas que faz da rua a sua casa.
Arriscando assim perder a sua integridade, ou pelo menos abdicar dele durante um certo período de tempo, este homem primeiro efectua um assalto que lhe pode garantir a sua subsistência (mesmo que para isso prejudique outro alguém que, tal como ele é mais um anónimo da sociedade), e de seguida pretende a punição daquele que o priva de ter o seu rendimento e a dignidade. Num acto de calma selvejaria, este homem toma o rumo da sua vida pelas suas próprias mãos e só pára quando vir todas as suas necessidades imediatas satisfeitas.
É neste contexto que Tiago Rosa-Rosso nos coloca e nos obriga a pensar nas inúmeras situações anónimas que estão diariamente à nossa volta, e nas condições mais ou menos complicadas pelas quais um número infindável de pessoas atravessa entre quatro paredes sem que ninguém à sua volta sequer imagine, e é através daquele homem, numa forte interpretação de Ivo Vieira que capta todo o espírito e força da sua personagem, que podemos rever toda uma sociedade que dia após dia luta para poder viver a sua vida de forma digna mesmo que para isso tenha tantas vezes de pisar o "risco".
Da descrição apresentada sobre esta grande curta-metragem retive uma frase de Bertolt Brecht que tão bem não só a caracteriza como todo o momento que agora atravessa esta Europa em crise não só económica, mas também de crise moral, cultural, social e de valores que é "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.". Frase esta que nos deixa (ou deveria deixar) numa reflexão não sobre os actos marginais que este homem é obrigado a cometer, mas principalmente pelas situações injustas e elas sim bem marginais que o levaram a chegar àquele momento concreto e corromper todos os seus valores que até então (pensamos) defendia. Qual será o maior criminoso? Aquele que viola a lei em nome da sua sobrevivência ou aquele que o obriga a lutar por ela e não por uma vida digna e com direitos?
A direcção de fotografia de Martino Gliozzi coloca-nos num espaço que parece abandonado de esperança, onde a escuridão é uma presença constante e as oportunidades e soluções parecem apenas uma lembrança de um passado distante facto que vem ser aprofundado por uma interpretação com alma de Ivo Vieira que inicialmente nos mostra alguém que pretende fazer tudo dentro dos limites ditos legais mas que percebe que é apenas passando para o "outro lado" que irá conseguir (sobre)viver num mundo que não perdoa ou poupa ninguém e que mesmo violando a lei consegue manter a todo o instante a simpatia do espectador que independentemente dos seus actos serem menos "convencionais", vê nele um homem que apenas pretende existir.
Deus Dará insere-se facilmente como um dos trabalhos maiores a que este ano cinematográfico português irá assistir, e Tiago Rosa-Rosso num nome que temos de manter sob vigilância para os próximos tempos.
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