sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Camille Redouble (2012)

.
A Segunda Vida de Camille de Noémie Lvovsky foi a longa-metragem escolhida para a sessão de abertura da 14ª Festa do Cinema Francês que se iniciou ontem no Cinema São Jorge em Lisboa, o mais significativa evento da cultura francesa a decorrer em Portugal. E não poderia ter começado de melhor forma.
Camille (Lvovsky) é uma mulher que já passou os quarenta anos de idade. Actriz sem grande sucesso, já sem os seus pais e, ela própria mãe de uma jovem rapariga, mas com um casamento terminado, a sua vida perdeu todo o significado que alguma vez esperou dela poder ter.
É numa passagem de ano que Camille se encontra num ponto de viragem da sua vida e, como tal, bebe para esquecer tudo aquilo que a tem atormentado nos últimos anos, ao ponto de desmaiar e entrar num coma que a transporta de volta aos seus dezasseis anos de idade, altura em que todas as responsabilidades eram ignoradas, quando ainda vivia com os seus pais e na época em que estava prestes a conhecer Eric (Samir Guesmi), aquele que seria o seu futuro marido.
Conseguirá Camille redescobrir toda a sua vida passada, colmatar as diferenças com uns pais que a amavam e queriam o seu bem ao mesmo tempo que redescobre a sua antiga paixão? E principalmente, de que forma as suas potenciais novas escolhas irão redefinir todo o seu futuro então por descobrir?
Normalmente o filme sobre o regresso ao passado corre sempre sérios riscos de cair nos mesmos lugares comuns onde as abordagens às escolhas que se tomaram e aquelas que se alteram bem como a habitual "visita" ao "eu" mais jovem são uma presença garantida. No entanto, o argumento que Lvovsky escreveu em parceria com Maud Ameline, Pierre-Olivier Mattei e Florence Seyvos consegue transformar todos esses referidos lugares comuns em novas experiências sobre aquilo que o passado foi e como dele não conseguimos escapar independentemente das voltas e novos rumos que lhe possamos querer entregar sendo este, logo desde o primeiro instante, o ponto forte de todo o filme. Não existe uma vontade de retratar como era a vida de "Camille" mas sim uma necessidade de fazê-la reviver todos os momentos que fizeram dela a mulher que será no futuro, talvez com formas e caminhos diferentes de lá chegar mas, ainda assim, os certos para que nada anos depois fosse diferente.
Isto pode, à partida, parecer pobre em termos de inovação na narrativa mas aqui, bem pelo contrário, funciona como o elemento principal para que toda a dramatização se confirme. Temos o perfeito exemplo quando assistimos à relação que "Camille" tem com a sua mãe (Yolande Moreau). Se por um lado ela sabe que perder a mãe aos dezasseis anos de idade, não é menos verdade que tenta alertá-la para cuidados médicos redobrados que possam dessa forma prevenir aquilo que acontecera e lavando-a assim a manter a presença da sua mãe por mais alguns anos. No entanto a inevitabilidade dos acontecimentos, e principalmente aquela da morte, confirmam-se e nada do que pudesse fazer a iria separar de um dos maiores dramas de toda a sua vida mas talvez aquele que também faria dela, no futuro, uma mãe tão dedicada e presente como o viria a ser para a sua própria filha.
Assim, e para além de se centrar numa tentativa de alterar o passado como forma de redefinir o futuro, Camille Redouble é uma emocionante visita ao passado, aos momentos que fizeram dela a mulher em que se iria tornar mas de forma a abraçar esses acontecimentos e não de sobre eles emitir um qualquer julgamento depreciativo. Aqui nada pretende ser alterado, bem pelo contrário. O que se pretende é celebrar um passado, perceber de que forma cada acontecimento marcou de forma indiscutível a idade pela qual passou e principalmente celebrar a sua vida abraçando cada um desses momentos, dessas situações e dessas pessoas percebendo assim que todos, sem excepção, contribuíram para que ela seja um dia "Camille", a mulher.
Nada como um bom lote de actores para dar vida a estas excêntricas personagens, começando de imediato por aquela que é a força deste filme. Noémie Lvovsky enquanto "Camille Vaillant" é no mínimo uma força na natureza. Numa interpretação justamente nomeada este ano ao César de Melhor Actriz (uma das treze que o filme recebeu), Lvovsky consegue misturar um conjunto de emoções e sentimentos que tanto nos fazem rir como verter algumas lágrimas pela percepção que nos dá da sua vida (que poderia ser a de qualquer um de nós), e dos momentos que atravessou e que a defeniram enquanto ser humano. As alegrias, as tristezas, as amizades e as paixões. Um professor que a marcou, alguns copos de alcoól a mais que havia bebido bem como a primeira relação sexual ou o primeiro amor e principalmente as amizades, aquelas que ficam e perduram ao longo dos anos, que a marcam (ou marcaram) nos seus primeiros actos de rebeldia, fazem todos eles numa perfeita união com que a interpretação de Lvovsky seja apaixonante, emotiva e tão vibrante como as cores da roupa que ela veste, "obrigando" o espectador a apaixonar-se por aquela personagem a quem tão bem dá vida mas, acima disso, uma alma irreverente.
E neste conjunto de excelentes actores encontramos ainda uma magnífica interpretação de Yolande Moreau, a mãe de "Camille" que vive num misto de preocupação e dedicação à sua filha como, ao mesmo tempo, se mostra constantemente desapontada com as escolhas que esta toma para a sua vida. Ainda que numa demonstração pouco clara do seu amor de mãe, Moreau consegue ter momentos pontuais sobre o mesmo e revelar que vive numa constante preocupação sobre o futuro da sua filha, ignorando até o seu estado de saúde que parece cada vez mais debilitado, e o último encontro que as duas têm consegue expôr este misto de emoções em breves minutos, desarmando o espectador que espera, sem sucesso, verificar um momento em que as duas se consigam despedir percebendo que aquele será o seu momento final.
Samir Guesmi ou "Éric" o apaixonado de "Camille" tem aquela que consegue ser a interpretação mais centrada na comédia e, como tal aligeirar muito da dramatização que se faz sentir ao longo de toda a narrativa, e os momentos que passa no ecrã com Lvovsky têm tanto de delirante como de apaixonante e em "jovens" conseguem retratar com distinção os instantes em que dois adolescentes se deixam levar pelos caminhos do coração pela primeira vez.
Se a tudo isto juntarmos uma certa loucura e rebeldia adolescente que parece ter marcado os anos 80 do século passado de uma forma tão característica ao som de uma magnífica banda-sonora que oscila entre as melodias da época e temas originais e emotivos da autoria de Joseph Dahan e Gaëtan Roussel, e de um guarda-roupa tão característico executado por Madeline Fontaine, apenas falta referir que toda esta experiência decorre ao longo de aproximadamente duas horas e que as mesmas passam sem que por elas demos conta tal é a forma como nos entregamos a esta história e a estas personagens cheias de uma vida e brilho próprios.
Camille Redouble, ou A Segunda Vida de Camille título que terá em Portugal, é uma experiência que deve ser vivida, apreciada e por muito que se negue... amada, que terá a sua estreia no final do mês de Novembro... para que não se perca, e que iniciou em grande a Festa do Cinema Francês.
.
.
10 / 10
.
.

Sem comentários:

Enviar um comentário