Aquel No Era Yo de Esteban Crespo é uma curta-metragem espanhola de ficção, e vencedora do Goya da Academia Espanhola de Cinema na sua categoria na cerimónia de Janeiro último, que abriu a mostra de curtas na Competição Internacional do Córtex - Festival de Curtas-Metragens de Sintra que ontem terminou no Centro Cultural Olga de Cadaval.
Paula (Alejandra Lorente) e Juanjo (Gustavo Salmerón) são dois médicos que se dedicam a resgatar crianças soldados num qualquer país africano.
Quando são questionados no posto de segurança por um grupo de crianças soldados nos quais se insere Kaney, longe estariam de pensar que toda a sua existência iria mudar radicalmente e que estariam prestes a testar a maior prova de toda a sua vida.
Esteban Crespo tem com Aquel No Era Yo a sua grande prova de fogo. Quero com isto dizer que não só dirige um filme com uma importante e muito actual mensagem sobre um dos grandes flagelos que assolam o continente africano onde muitos exércitos ditos "revolucionários" recrutam (raptam) crianças para fazerem parte dos seus milicianos particulares destruindo assim não só famílias como gerações futuras, como consegue também dar-nos conhecimento dessa mesma realidade através dos relatos que são feitos destes acontecimentos através daqueles que lá se encontravam para resgatar as vidas das mesmas trazendo-as para o velho continente onde se espera que as suas histórias sejam contadas.
Aquel No Era Yo e Esteban Crespo conseguem assim contar uma importante e dramática história que tem assolado o continente africano (e não só) ao longo de décadas e despertar a consciência europeia para uma trágica realidade ainda bem presente nos dias que correm e que graças à dramatização dos acontecimentos acarreta contornos bem mais vastos e devastadores do que aqueles que aparentam ser os mais importantes e óbvios, num emocionante relato que nos prende e cativa pela tentativa bem sucedida de através do cinema contar uma história que é real neste preciso instante.
"Informação (educação) é poder" poderia ser uma boa definição para esta curta-metragem pois apesar de ser uma temática da qual, de uma ou outra forma, todos temos conhecimento, não é menos verdade que tantas vezes nos passa indiferente e só através de bom cinema como aqui Crespo nos dá é que ela consegue chegar ao seu vasto público. E é com esta premissa da informação e da educação serem poder que muitos conflitos ou ressurgimento de tiranos pode ser impedida. São estes dois importantes valores que realmente ajudam a exterminar todos os "pequenos" devaneios de Homens sedentos de poder ambicionam, e bastava este tão grande pressuposto para fazer de Aquel No Era Yo uma das mais fortes e surpreendentes curtas-metragens que vi nos últimos tempos, e que é ainda abrilhantada por duas impressionantes interpretações de Lorente e Salmerón e uma extremamente emotiva de Khalil Diop que se torna aqui numa improvável alma da curta-metragem.
Outro dos tópicos principais que esta curta-metragem nos transmite centra-se no poder das escolhas e dos caminhos que escolhemos para dar continuidade ao rumo que a nossa vida pode levar e, independentemente do meio em que nos encontramos, sobre o facto de existir sempre duas escolhas possíveis mesmo que uma delas possa não garantir um percurso fácil ou menos atribulado. Mas essas escolhas existem e, infelizmente, nem sempre conseguimos efectuá-las da melhor forma.
Um último reparo vai para a surpreendente música de Juan de Dios Marfil que desde o primeiro instante nos emociona e dá uma vida muito especial para a construção da dramatização desta história ajudando assim a que tão depressa não nos esqueçamos da importância da mesma para a exaltação de algumas emoções que estão, por vezes, escondidas.
Aquel No Era Yo é, seguramente, um dos melhores filmes curtos dos últimos tempos e também um que poderia muito facilmente servir enquanto peça de divulgação desta temática específica por inúmeras escolas e debates públicos que deveriam obrigatoriamente ser realizados, e Esteban Crespo um realizador espanhol que deveremos ter debaixo de olho e acompanhar os seus projectos futuros.
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"Kaney: Ser un soldado no es difícil: o te acostumbras o te matan. Lo más duro
es conseguir vivir con tus recuerdos y volver a ser tú mismo después de
hacer lo que has hecho."
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10 / 10
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