A Herdade dos Defuntos de Patrick Mendes presente na competição nacional do Córtex - Festival de Curtas-Metragens de Sintra é possivelmente aquele filme no qual só se consegue devidamente reflectir momentos depois de sair da sessão onde participou.
Um homem (Victor Gonçalves) atravessa uma herdade. Completamente desidratado desmaia quando encontra uma mulher (Cláudia Jardim) que se espanta com a sua presença ali.
Num espaço onde tudo parece degradado e onde a interacção é inexistente, estará aquele homem prestes a ser salvo ou irão as suas fraquezas determinar toda a sua condição?
Patrick Mendes realizou e escreveu o argumento desta curta-metragem que, como já referi, é uma das que é preciso bem reflectir sobre ela para depois pensar realmente na mensagem que pretende transmitir. Se por um lado pensamos que mais não é do que um trabalho onde apenas está presente a ideia de um homem que necessita de alguma água para poder enfrentar o desconhecido com algumas condições de integridade física, não é menos verdade que se pensarmos apenas nesta tão "simplista" explicação todo o filme parece condenado ao desinteresse por parte do espectador. No entanto se olharmos para A Herdade dos Defuntos como uma reflexão sobre o "deserto" pelo qual atravessam muitas das sociedades europeias da actualidade, então olhamos para esta história como um desabafo, sem palavras mas com uma intensa reflexão, sobre o que todos nós vivemos neste preciso momento.
Assim, enquanto uns percorrem todo um espaço geográfico desconhecido e que os esgota pela sua escassez de condições de subsistência, sendo aqui a água o elemento essencial, outros deleitam-se com um pequeno grande banquete que sacia à exaustão os seus caprichos. Enquanto um atravessa esse referido "deserto" na esperança de se manter vivo, o outro olha para ele como algo inferior que facilmente consegue controlar e pelo qual não nutre qualquer tipo de respeito ou simpatia mantendo-o, sempre que possível, aprisionado no seu pequeno espaço de onde não deve (ou pode?) sair mais não sendo do que um escravo amordaçado daquele que detém o real poder. Tal como a descrição inicial desta curta-metragem refere "um homem desidratado atravessa uma herdade e torna-se propriedade"... daquele que detém poder.
Esta que foi uma das nove candidatas ao Prémio YORN de Melhor Curta-Metragem Portuguesa de Terror na última edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, insere-se assim numa interessante e muito presente corrente de cinema que reflecte sobre a crise económica, e quase arriscaria dizer humanitária, pela qual a Europa do Sul atravessa na actualidade. Um momento em que o poder dos mais fortes domina não pela agressão mas sim pela força silenciosa aqueles que mais fracos e com menos recursos se colocam numa conveniente posição de dominados necessitados de uma "ajuda" que mais não é do que uma demonstração de poder entre um dominador e um dominado, um opressor e um oprimido que não ajuda mas humilha, não invade mas conquista.
Cláudia Jardim, que mais não é do que um "rosto" de uma qualquer potência opulenta e saciada domina com mestria um Victor Gonçalves cansado, ou mesmo exausto, que procura um apoio e auxílio que jamais chegarão... pelo menos não da forma como o idealiza, e que quando manifestado apenas terá como contrapartida a sua própria clausura, naqueles que são dois metafóricos mas surpreendentes desempenhos que ilustram a "nossa" realidade.
E no final, quando pensamos em todas estas condicionantes, olhamos para A Herdade dos Defuntos como um espelho satírico e mordaz daquilo que somos e do que e como vivemos impávidos mas interiormente muito pouco serenos. E quem olha para esta curta-metragem supondo que é um filme sem qualquer sentido ou história... então já se esqueceu (ou pouco apercebeu) de que esta mais não é do que um relato da sua própria condição de dominado.
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8 / 10
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