Florbela de Vicente Alves do Ó, segunda longa-metragem do realizador, é um estrondoso e simplesmente genial filme sobre a poetisa portuguesa.
Depois do excelente Quinze Pontos na Alma (a sua primeira longa), e de um conjunto de filmes que tiveram o argumento escrito por Alves do Ó, a ansiedade por este Florbela era realmente muita. Muita mas que recompensou em igual proporção quando ontem tive o privilégio de assistir à sua antestreia no Cinema São Jorge em Lisboa. Uma antestreia digna do filme que se avizinhava.
Da própria Florbela Espanca pouco conhecia (conheço), além das histórias soltas que se ouvem ao longo dos tempos sobre a sua promíscua vida sexual, de alguma potencial insanidade e de uma vida afectiva e familiar desfeita. Esta figura que tantas histórias gera terá aqui uma sua história. Algo que nos faça aproximar de si, do seu tempo e daqueles que a rodeavam de uma ou outra forma.
Tudo começou com uma muito bem colocada apresentação do filme, dos seus actores e de todo o conjunto de profissionais que trabalharam para a "construção" deste que hoje afirmo, sem qualquer pudor, ser um dos filmes maiores do cinema português. Apresentação essa que fez com que muitos aplaudissem à medida que as palavras iam sendo proferidas e que muitos, com maior ou menor sussurro diziam "muito bem". Sentiu-se um clima muito interessante na sala quando algumas palavras sobre o cinema português foram ditas. Mas todos esperavamos o filme.
Os minutos iniciais que deslumbraram com magníficas, e para alguns provocadoras, imagens de Florbela (Dalila Carmo), apenas tinham comparação com a igualmente excelente banda-sonora que inundava toda a sala. Facilmente damos pelos nossos olhos a tentar devorar todos os "recantos" filmados para não se perder um único segmento que o ecrã nos permite ter.
Tudo, sem excepção, gira em torno de Florbela. A sua relação com um marido abusivo (José Neves), a sua entrega a um novo amor na pessoa de Mário Lage (Albano Jerónimo) ou a relação de dependência para com o seu irmão Apeles (Ivo Canelas) fazem de Florbela a presença constante no ecrã, mesmo nos escassos momentos em que "ela" não está lá.
O argumento, também ele da autoria de Vicente Alves do Ó, não só retrata principalmente a mulher como alguns daqueles que mais de perto com ela lidaram... o seu marido Mário Lage e o seu irmão Apeles. Arelação com um quase estava comprometida não só pelo espírito livre de Florbela como principalmente pela dependência afectiva que esta tinha para com o seu irmão. Um quase que não existe sem o outro, facto que até a própria mensagem final do filme nos deixa antever, mas também pelos próprios comportamentos existentes de um para com o outro que ultrapassavam o normal para qualquer relação fraterna. O argumento de Alves do Ó é francamente bom. Com pequenos comportamentos ou gestos, com as palavras adequadas em que muito se revela e se percebe, encontramos um sem fim de emoções que os brilhantes actores que compõem este filme nos conseguem facilmente transmitir.
E os actores que dão vida ao argumento são, sem qualquer margem para dúvida, grandes. É quase impossível falar dessa grande Dalila Carmo sem começar por dizer que a adoro desde o dia em que segui religiosamente a série Diário de Maria que a RTP passou já há quatorze anos. A ternura que então transmitia na sua interpretação e que foi ao longo dos anos amadurecendo e transformando numa enorme força que faz dela uma das grandes actrizes portuguesas, independentemente de qualquer que seja a sua geração, estão nesta sua Florbela transformadas numa força, numa vida e numa vitalidade que a tornam na alma de todo o filme. Digo alma pois conseguimos através de todos os seus momentos sentir uma tristeza profunda mascarada de alegria e uma dor por ser uma alma grande demais para o sítio e para o tempo em que se encontrava. A aparentemente frágil e doce figura que a Dalila tem escondem (ou não) uma força maior, muito maior, do que qualquer um de nós possa imaginar até ao momento em que vemos aquilo que esta magnífica actriz consegue fazer (se é que alguém tinha dúvidas...) quando tem em mãos uma história tão forte como esta. Longa seja a sua carreira, mas aposto que este será o seu grande filme. Aquele a que todos a iremos associar. E bem.
A acompanhar esta grande actriz temos outros igualmente brilhantes actores. Ivo Canelas interpreta Apeles, o irmão não menos angustiado de Florbela e que vive por ela uma obsessão sentimental/afectiva que, de certa forma, sempre a manteve "presa". Não quero revelar nada da história pois este filme é importante demais para ser "contado" tendo obrigatoriamente de ser visto mas a revelação sentimental de Apeles sobre a mulher que sempre amou e nunca teve é assombrosa... "in a good way". É um momento francamente desarmante e que coloca este actor num patamar bastante elevado.
Albano Jerónimo, que desde há muito venho a defender como alguém em quem se deve apostar e bem pois o seu talento é propocional à altura física do actor (e para quem tinha dúvidas que veja a curta-metragem Anestesia e depois diga algo), interpreta Mário Lage, o homem que ama Florbela mas que percebe que só a pode ter se lhe der liberdade. Recatado e amargurado por não ter dela a mesma frequência de amor que sente que lhe dá, Albano Jerónimo fecha um triângulo sentimental.
Destaco ainda a interpretação de Rita Loureiro, essa actriz enorme que aqui interpreta Sophia de Arriaga, amiga de Florbela e que é quase como a consciência política do filme. Retrata e comenta a época pré-ditadura que se formos a analisar consegue ser tão semelhante aos dias que hoje correm. Aqui secundária, ao contrário do protagonismo que teve em Quinze Pontos na Alma, mas não menos importante do que qualquer um dos outros actores. O segundo momento em que se escutaram as vozes pela sala...
E se entre o argumento e as interpretações (onde se encontram também Anabela Teixeira, Carmen Santos, Marques d'Arede, António Fonseca, Joana Figueira ou uma participação especial de Lauro António), não posso deixar passar a excelência técnica deste filme. Sim, a palavra correcta é excelência. A banda-sonora da autoria de Pedro Janela e Guga Bernardo é do melhor que alguma vez ouvi em cinema. Sóbria, forte e ao mesmo tempo com uma dose bem grande de emoção que funciona, também ela, como uma própria personagem deste brilhante filme.
Assim como o guarda-roupa de época de Sílvia Grabowski, que também assina a direcção artísitca, ou a fotografia de Luís Branquinho que consegue captar o melhor da luminosidade de forma a captar em vários momentos, e por vezes num mesmo segmento, todos os estados de alma que nos permitem perceber um pouco da confusão sentimental das diversas personagens, são também eles elementos muito fortes do filme. Como já referi, tudo se resume numa palavra... excelência.
Muitos tremem com a expressão "cinema português". Eu utilizo-a apenas como a referência que se pode dar à proveniência de um certo filme. Aqui a história pouco interessa de onde pois poderia ser passada possivelmente em qualquer parte do mundo, no entanto, este é o cinema português que quero ver. Histórias grandes... com personagens, reais ou fictícias, mas grandes, intemporais, com algo que possam "dizer" e transmitir a todos nós. Este é o cinema português que tanto nos faz falta e pelo qual muitos de nós esperam cada vez mais poder ver. E que felizmente podemos agora nesta "tournée" que o Florbela fará, felizmente, por todo o país para que a sua carreira possa ser longa... muito longa.
Quanto a mim termino com apenas mais uma observação... Não são os prémios que fazem um filme, pois estes acabam por ser uma subjectividade de quem vota neles e os filmes valem quando têm uma história boa para transmitir (o que este tem), mas não me inibo em afirmar que... "e o Sophia vai para...".
A todos os que gostam de muito bom cinema têm aqui a oportunidade para a partir de 8 de Março o irem ver e perceber que está perante uma das obras maiores do cinema português. Quem não fôr é estar praticamente a cometer um crime.
.Depois do excelente Quinze Pontos na Alma (a sua primeira longa), e de um conjunto de filmes que tiveram o argumento escrito por Alves do Ó, a ansiedade por este Florbela era realmente muita. Muita mas que recompensou em igual proporção quando ontem tive o privilégio de assistir à sua antestreia no Cinema São Jorge em Lisboa. Uma antestreia digna do filme que se avizinhava.
Da própria Florbela Espanca pouco conhecia (conheço), além das histórias soltas que se ouvem ao longo dos tempos sobre a sua promíscua vida sexual, de alguma potencial insanidade e de uma vida afectiva e familiar desfeita. Esta figura que tantas histórias gera terá aqui uma sua história. Algo que nos faça aproximar de si, do seu tempo e daqueles que a rodeavam de uma ou outra forma.
Tudo começou com uma muito bem colocada apresentação do filme, dos seus actores e de todo o conjunto de profissionais que trabalharam para a "construção" deste que hoje afirmo, sem qualquer pudor, ser um dos filmes maiores do cinema português. Apresentação essa que fez com que muitos aplaudissem à medida que as palavras iam sendo proferidas e que muitos, com maior ou menor sussurro diziam "muito bem". Sentiu-se um clima muito interessante na sala quando algumas palavras sobre o cinema português foram ditas. Mas todos esperavamos o filme.
Os minutos iniciais que deslumbraram com magníficas, e para alguns provocadoras, imagens de Florbela (Dalila Carmo), apenas tinham comparação com a igualmente excelente banda-sonora que inundava toda a sala. Facilmente damos pelos nossos olhos a tentar devorar todos os "recantos" filmados para não se perder um único segmento que o ecrã nos permite ter.
Tudo, sem excepção, gira em torno de Florbela. A sua relação com um marido abusivo (José Neves), a sua entrega a um novo amor na pessoa de Mário Lage (Albano Jerónimo) ou a relação de dependência para com o seu irmão Apeles (Ivo Canelas) fazem de Florbela a presença constante no ecrã, mesmo nos escassos momentos em que "ela" não está lá.
O argumento, também ele da autoria de Vicente Alves do Ó, não só retrata principalmente a mulher como alguns daqueles que mais de perto com ela lidaram... o seu marido Mário Lage e o seu irmão Apeles. Arelação com um quase estava comprometida não só pelo espírito livre de Florbela como principalmente pela dependência afectiva que esta tinha para com o seu irmão. Um quase que não existe sem o outro, facto que até a própria mensagem final do filme nos deixa antever, mas também pelos próprios comportamentos existentes de um para com o outro que ultrapassavam o normal para qualquer relação fraterna. O argumento de Alves do Ó é francamente bom. Com pequenos comportamentos ou gestos, com as palavras adequadas em que muito se revela e se percebe, encontramos um sem fim de emoções que os brilhantes actores que compõem este filme nos conseguem facilmente transmitir.
E os actores que dão vida ao argumento são, sem qualquer margem para dúvida, grandes. É quase impossível falar dessa grande Dalila Carmo sem começar por dizer que a adoro desde o dia em que segui religiosamente a série Diário de Maria que a RTP passou já há quatorze anos. A ternura que então transmitia na sua interpretação e que foi ao longo dos anos amadurecendo e transformando numa enorme força que faz dela uma das grandes actrizes portuguesas, independentemente de qualquer que seja a sua geração, estão nesta sua Florbela transformadas numa força, numa vida e numa vitalidade que a tornam na alma de todo o filme. Digo alma pois conseguimos através de todos os seus momentos sentir uma tristeza profunda mascarada de alegria e uma dor por ser uma alma grande demais para o sítio e para o tempo em que se encontrava. A aparentemente frágil e doce figura que a Dalila tem escondem (ou não) uma força maior, muito maior, do que qualquer um de nós possa imaginar até ao momento em que vemos aquilo que esta magnífica actriz consegue fazer (se é que alguém tinha dúvidas...) quando tem em mãos uma história tão forte como esta. Longa seja a sua carreira, mas aposto que este será o seu grande filme. Aquele a que todos a iremos associar. E bem.
A acompanhar esta grande actriz temos outros igualmente brilhantes actores. Ivo Canelas interpreta Apeles, o irmão não menos angustiado de Florbela e que vive por ela uma obsessão sentimental/afectiva que, de certa forma, sempre a manteve "presa". Não quero revelar nada da história pois este filme é importante demais para ser "contado" tendo obrigatoriamente de ser visto mas a revelação sentimental de Apeles sobre a mulher que sempre amou e nunca teve é assombrosa... "in a good way". É um momento francamente desarmante e que coloca este actor num patamar bastante elevado.
Albano Jerónimo, que desde há muito venho a defender como alguém em quem se deve apostar e bem pois o seu talento é propocional à altura física do actor (e para quem tinha dúvidas que veja a curta-metragem Anestesia e depois diga algo), interpreta Mário Lage, o homem que ama Florbela mas que percebe que só a pode ter se lhe der liberdade. Recatado e amargurado por não ter dela a mesma frequência de amor que sente que lhe dá, Albano Jerónimo fecha um triângulo sentimental.
Destaco ainda a interpretação de Rita Loureiro, essa actriz enorme que aqui interpreta Sophia de Arriaga, amiga de Florbela e que é quase como a consciência política do filme. Retrata e comenta a época pré-ditadura que se formos a analisar consegue ser tão semelhante aos dias que hoje correm. Aqui secundária, ao contrário do protagonismo que teve em Quinze Pontos na Alma, mas não menos importante do que qualquer um dos outros actores. O segundo momento em que se escutaram as vozes pela sala...
E se entre o argumento e as interpretações (onde se encontram também Anabela Teixeira, Carmen Santos, Marques d'Arede, António Fonseca, Joana Figueira ou uma participação especial de Lauro António), não posso deixar passar a excelência técnica deste filme. Sim, a palavra correcta é excelência. A banda-sonora da autoria de Pedro Janela e Guga Bernardo é do melhor que alguma vez ouvi em cinema. Sóbria, forte e ao mesmo tempo com uma dose bem grande de emoção que funciona, também ela, como uma própria personagem deste brilhante filme.
Assim como o guarda-roupa de época de Sílvia Grabowski, que também assina a direcção artísitca, ou a fotografia de Luís Branquinho que consegue captar o melhor da luminosidade de forma a captar em vários momentos, e por vezes num mesmo segmento, todos os estados de alma que nos permitem perceber um pouco da confusão sentimental das diversas personagens, são também eles elementos muito fortes do filme. Como já referi, tudo se resume numa palavra... excelência.
Muitos tremem com a expressão "cinema português". Eu utilizo-a apenas como a referência que se pode dar à proveniência de um certo filme. Aqui a história pouco interessa de onde pois poderia ser passada possivelmente em qualquer parte do mundo, no entanto, este é o cinema português que quero ver. Histórias grandes... com personagens, reais ou fictícias, mas grandes, intemporais, com algo que possam "dizer" e transmitir a todos nós. Este é o cinema português que tanto nos faz falta e pelo qual muitos de nós esperam cada vez mais poder ver. E que felizmente podemos agora nesta "tournée" que o Florbela fará, felizmente, por todo o país para que a sua carreira possa ser longa... muito longa.
Quanto a mim termino com apenas mais uma observação... Não são os prémios que fazem um filme, pois estes acabam por ser uma subjectividade de quem vota neles e os filmes valem quando têm uma história boa para transmitir (o que este tem), mas não me inibo em afirmar que... "e o Sophia vai para...".
A todos os que gostam de muito bom cinema têm aqui a oportunidade para a partir de 8 de Março o irem ver e perceber que está perante uma das obras maiores do cinema português. Quem não fôr é estar praticamente a cometer um crime.
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"Senhor Lage: Viver é não saber que se está a viver."
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