Liga de Cavalheiros Extraordinários de Stephen Norrington foi aquele filme que marcou de forma quase silenciosa o final da carreira desse grande actor que é Sean Connery e não com aquela que se pode chamar de uma interpretação grandiosa à semelhança de outras que o marcaram para sempre na Sétima Arte.
Estamos em 1899 num universo Vitoriano relativamente alternativo e que irá reunir na mesma história um conjunto de personagens de aventura e ficção numa missão secreta para salvar o mundo tal como então se encontrava delineado... Personagens essas que englobam Allan Quatermain (Sean Connery), o Capitão Nemo (Naseeruddin Shah), Mina Harker (Peta Wilson), o Homem Invisível (Tony Curran), Tom Sawyer (Shane West), Dr. Jekyll (Jason Flemyng) ou Dorian Gray (Stuart Townsend) povoam todo um imaginário de diversos contos e histórias que aqui se mesclam e dos quais o espectador espera retirar o máximo proveito. Cada um com os seus trunfos pessoais, que são mais ou menos conhecidos de todos - fruto da proximidade do espectador com os seus diversos universos de origem -, estas personagens de acção irão agora unir os seus esforços e talentos para evitar o início de uma guerra mundial que parece estar iminente e que, fora da ficção, até estava..., numa viagem que vai do Quénia colonial a Londres, de Paris a Veneza terminando nas estepes gélidas da Mongólia.
Dono de alguns interessantes efeitos especiais e de um clima histórico que acaba por conter alguns momentos reais da época, este filme não consegue atingir aquilo em que poderia ter sido muito grande, ou seja, a junção harmoniosa destas personagens bem características do universo do mistério para a elaboração de uma história de acção e aventura, deixando-as perder-se num conjunto de enredos soltos e parca exploração não só dos seus demónios pessoais que aqui são abordados de forma quer ligeira ou até mesmo leviana, perdendo toda uma dinâmica que os imaginários de vampirismo e possessão demoníaca poderiam aqui trazer ou, por outro lado, o espírito moderno e liberal de um
"Tom Sawyer" que apenas parece conseguir manter uma relação de proximidade quase parental com
"Quatermain" que vive os seus próprios dramas e está condenado a um fim pouco digno - no fundo bastante próximo daquele que Connery receberia ao ter este como a sua última participação protagonista no cinema do qual se mantém afastado até à data.
A clara vontade em misturar muitas personagens literárias de diferentes contextos, e todos os seus respectivos universos, num único filme poderia resultar como uma grande produção de super-heróis literários atípicos que a todos seduzisse. No entanto, aquilo que mais se destaca em
The League of Extraordinary Gentlemen foi a sua falta de eficácia e credibilização desta junção resultando, de uma forma geral, numa desastrosa reunião de velhas lendas onde nenhuma consegue atingir o seu pleno em qualquer momento do filme remetendo-se, na sua globalidade, a uma usurpação de
timing para todas elas. O espectador percebe o seu contexto - ou pelo menos assim o tenta de uma forma geral -, compreende que existe algo mais sobre os seus diversos passados, fantasmas e demónios que insistem em povoar as suas mentes mas, ao mesmo tempo, esta longa-metragem não consegue desenvolver nenhum deles ou tão pouco as esperadas dinâmicas entre as diversas personagens que apenas deixam parecer que algo existe (ou existiu) entre elas que poderia revelar toda uma nova dinâmica a esta
"Liga".
Se na prática nenhuma estas personagens consegue elaborar uma mútua dinâmica com as demais, a realidade é que os próprios actores parecem perdidos dentro de uma história da e com a qual pouco conseguem criar. Os enredos subentendem-se e percebem-se por detrás do que é lançado para o espectador "pescar" mas, na prática, pouco é concretizado para se tornar "real" para o mesmo limitando-se, portanto, a ser um aperitivo que nunca se transforma no prato principal. A certo ponto, e onde todos tentam obviamente brilhar deixando a sua marca pessoal, acaba por se anular não só a linha narrativa como as respectivas personagens tal a confusão de enredos, principais e paralelos, que se criam ao ponto de um protagonista Sean Connery ser apenas "mais um" no meio de tantos apenas servindo como referência pelo seu óbvio percurso de décadas no cinema e não por uma personagem credível e que, em justiça, devidamente explorada teria sido memorável (mais ainda se considerarmos que desde então... mais nada fez). Fatalidade esta que, no fundo, abala todos os demais actores de
The League of Extraordinary Gentlemen, onde alguns dos quais não chegam sequer a ter mais do que dez escassos minutos de presença, insuficientes para qualquer exploração do (seu) conteúdo, limitando-se a ser pouco mais do que adereços mais ou menos compostos de uma história que parece tudo querer contar em escassos cem minutos de duração num filme que se queria - e poderia ter sido - uma referência do género na primeira década do século.
Dito isto o que acaba por ser bem conseguido é por exemplo a recriação de um mítico Nautilus ultra-moderno para uma época de transição, ou de uma cidade de Veneza sombria como nunca revelando, no entanto, todo o seu esplendor de folia assim como, claro está, todos os aspectos técnicos que passam pela direcção de arte e pelo guarda-roupa e caracterização de alguns dos actores onde se nota ter existido alguma excelência na tentativa de recriação e composição das suas personagens e dos seus universos sendo que, no entanto, a parca exploração do mesmo fizesse dissipar esta mesma qualidade.
Assim, e por muito desta qualidade acabar por se perder na dispersão das personagens e, claro está, do próprio argumento que tenta ter tudo a acontecer ao mesmo tempo ignorando os detalhes e a respectiva composição,
The League of Extraordinary Gentlemen cria uma desatenção e algum desinteresse por parte do espectador que não cria empatia com a sua história e ignorando os pequenos grandes detalhes que se perdem com a mesma rapidez com que Norrington os quis contar.
No final de tudo, e visualmente falando, esta longa-metragem até é interessante e consegue captar alguma (pouca) da nossa atenção, mas quando damos por nós a analisar aquilo que realmente acontece, encontramos toda uma dispersão que sentimos estar a esquecer tudo o que anteriormente aconteceu à medida que os minutos passam.
The League of Extraordinary Gentlemen poderia ter sido mais, muito mais, com uma duração maior ou caso se tivesse feito um trabalho de personagens mais cuidado e minucioso que permitisse tê-las mais desenvolvidas e conhecer as suas motivações e ligações passadas o que aqui, claramente, falha. Por mais "secundária" que seja a personagem quando bem trabalhada, o seu potencial e importância para a dinâmica e desenvolvimento geral da história, são enormes e até mesmo avassaladores podendo qualquer um de nós recordar alguns bons exemplos. No entanto em
The League of Extraordinary Gentlemen, aquilo que acabamos por sentir é que se tentou contar tudo e algo mais sem detalhe - que na prática nunca chega a existir -, permanecendo a ligeira impressão de que todos eles poderiam ter muito mais conteúdo por explorar mas que, no entanto, nem mesmo uma potencial sequela conseguiria "saldar".
Com todo o seu potencial enquanto filme de aventuras compreendido pelo espectador mas, no final,
The League of Extraordinary Gentlemen limita-se às banalidades de um filme que apenas aparenta ter sido criado para satisfazer as necessidades de bilheteira e pouco glorificar toda uma carreira de um grande actor como o é Sean Connery. Numa breve apreciação final,
The League of Extraordinary Gentlemen é francamente limitado ainda que o espectador dele não desista facilmente.