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Terraferma de Emanuele Crialese é um dos filmes mais nomeados nas categorias principais da cerimónia deste ano dos prémios David da Academia Italiana de Cinema e aquele que encerrou a Festa do Cinema Italiano de Lisboa. Um filme muito aguardado pelo público, e por mim em particular que sou um fã confesso deste realizador que já nos tinha entregue os magníficos
Respiro e
Nuovomondo.
Este filme começa por nos mostrar as dificuldades de uma família italiana que sobrevive da pesca numa altura em que a mesma é condicionada por tantas normas. Quando Filippo (Filippo Pucillo) e o seu avô Ernesto (Mimmo Cuticchio) se lançam mais uma vez ao mar, longe estavam de imaginar que as suas preocupações iriam aumentar.
Naquela que seria a última viagem do seu barco antes de o mandarem abater, Filippo e Ernesto encontram um barco de imigrantes ilegais no mar e socorrem alguns daqueles que se encontravam em risco de vida, contra todas as leis em vigor que os proibem de o fazer. As consequências não se fazem esperar e após o seu barco ficar apreendido os dois homens bem como Giulietta (Donatella Finocchiaro), mãe de Filippo, vêem-se a braços com uma situação ainda mais complicada quando albergam, para desconhecimento de todos, uma das imigrantes que se encontrava grávida e o seu jovem filho.
Ao mesmo tempo que a pequena ilha é sucessivamente invadida por barcos com ilegais, surge também um novo tipo de invasão... os turistas vindos das grandes cidades italianas que ali procuram bom tempo e praia e com os quais Giulietta espera poder fazer negócio alugando a sua casa, obtendo assim uma nova forma de sustento que faça a família sobreviver em tempos tão difíceis como aqueles que enfrentam.
Um filme de Emanuele Crialese não poderia ser apenas isto. Estas linhas são apenas o cenário onde tudo acontece. O pano de fundo para aquilo que é a real mensagem a transmitir. Em primeiro lugar temos de encarar os tempos modernos tal como eles se apresentam. A crise, a pesca familiar que já não garante o sustento a nenhuma família que queira sobreviver e as leis punitivas para todos aqueles que não conseguem modernizar-se face àquilo que é pedido pelo governo que olha para todos de forma anónima sem sequer se preocupar com as condições de cada um.
É esta mesma crise que leva o indivíduo a procurar alternativas e soluções para os problemas que enfrenta. E é esta mesma crise que obriga muitos daquela pequena ilha a procurarem alternativas que nem sempre são as mais legais. A sobrevivência destes, longe de ser "menor", está a milhas de distância daqueles que surgem ilegalmente naquela ilha vindos das mais diversas e distantes paragens à procura de um porto de abrigo longe das guerras, das fomes, das doenças, das torturas e das perseguições que são alvo e que os levam a atravessar meio continente africano até chegarem a um ilusório destino seguro que não os quer por lá.
O curioso reside no facto de tanto nativos, como os ilegais e os turistas, três grupos de pessoas tão distintos e diferentes, procurarem a mesma coisa... uma mais ou menos leve sensação de liberdade. Os primeiros através da independência económica que lhes garante a sua própria subsistência. Os segundos, uma liberdade de todo o conjunto de atrocidades de que foram alvo ao longo das suas mais ou menos longas vidas e finalmente os terceiros, a liberdade de um ano de trabalho que só ali frente ao mar e sob o sol pensam poder conseguir. Objectivamente não têm comparação, mas subjectivamente cada um procura o seu próprio escape à realidade que vive.
Escape este que tem para todos um elemento comum, e que em todos os filmes de Emanuele Crialese assume o papel de uma silenciosa personagem... o mar. O mar que a um garante a subsistência, a outros a liberdade e a outros ainda o prazer de dele poder disfrutar. Sempre o mar. Sempre presente. É o mar que a todos dá vida e esperança. É a estrada de fuga que todos eles inconscientemente têm.
Estes filmes de Crialese não só têm um conjunto de elementos muito característicos, mas também ganham vida através de um conjunto de actores que são eles próprios sinais de uma intensa energia que dinamiza o todo. Filippo Pucillo que aqui repete a participação num filme de Crialese, é como a força que comanda todo o filme. É a partir dele que todas as demais personagens se completam. O avô, a mãe, os ilegais, o tio e os turistas. Todos dependem, de uma ou outra forma, dele. E é ele, como a verdadeira "força" que é, que nofinal consegue encontram a solução para o problema de todos, naquele que consegue ser um dos momentos mais intensos, dramáticos e comoventes de todo um filme que apesar dos seus pontuais momentos de comédia a cargo de Beppe Fiorello (o tio que adere facilmente aos novos negócios que a ilha lhe oferecem), se assume como um verdadeiro filme-reflexão sobre a vida, a liberdade, a imigração, a crise e os tempos modernos que a um dado momento nos encontra desprevenidos e nos mostra a realidade nua e crua. À volta de Pucillo todos se complementam... Donatella Finocchiaro, que com esta sua interpretação arrecadou mais uma nomeação ao David de Melhor Actriz do ano. Mimmo Cuticchio, o avô para quem os valores maiores da vida se impõe indiscutivelmente às realidades do mundo moderno onde a vida parec ser uma parte insignificante. Beppe Fiorello que consegue descomprimir todos os momentos mais dramáticos e tensos deste filme... e para isso basta assistirmos com atenção a todas aquelas viagens de barco que organiza para os turistas, e finalmente Timnit T., a imigrante ilegal que nos revela de forma crua todos os traumas e violências por que passou até chegar àquele país distante que, para ela, representa a liberdade que tanto espera.
Falar deste filme sem falar da sua estrondosa banda-sonora seria impossível. Franco Piersanti assina uma partitura que consegue levar-nos a diferentes estados de alma. Desde a comédia ao drama, passamos por sorrisos, por alegrias e por diversões ao mesmo tempo que sentimos fortes apertos no coração até culminar no segmento final que é uma verdadeira experiência de liberdade emocional. O ano ainda vai curto, mas arrisco dizer que esta é das mais fortes composições musicais do ano e que será difícil encontrar um rival à sua altura.
Terraferma, que espero não ser o capítulo de encerramento de Crialese sobre as terras do sul de Itália, é sem dúvida o seu mais forte filme. Belo, rude, cru, intenso, verdadeiro e com uma leve pitada de comédia, é sem dúvida um dos filmes maiores do recnte cinema italiano, e uma verdadeira história sentida de dignidade e de liberdade.
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10 / 10
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