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Los Amigos Raros de Roberto Pérez Toledo é uma longa-metragem espanhola que afirmo com segurança, ser um daqueles filmes que consegue marcar enquanto filme de uma geração... seja ela qual fôr.
Sam (Adrián Exposito), era o aluno mais destacado da faculdade e aquele que todos admiravam pela sua excelência e competência académica. Um dia morre, e todos aqueles que privaram de perto com ele falam sobre a forma como a sua singular amizade se formou e como se desenvolveu levando aos mais diversos e inesperados desfechos que de uma ou de outra forma os marcou incondicionalmente.
À vez, o aprimorado argumento de Roberto Pérez Toledo leva-nos a conhecer as nove mais significativas amizades de "Sam" e as relações mais ou menos tempestivas que viveram, desde o amor ao ódio, da violência à indiferença, todos eles têm um conjunto de situações, momentos e palavras que nos mostram que estas amizades foram tudo menos pacíficas, e que mesmo aquelas que prezaram pela tranquilidade denotam que a sua mais íntima essência resultou de relações marcantes para qualquer um deles.
Assim num estilo que oscila entre um confessionário onde somos apresentados a cada uma das nove personagens, Pérez Toledo leva-nos a conhecer estes "amigos raros" que têm de sua justiça muito a dizer sobre "Sam", aquele que todos admiravam e do qual sentem falta, através de um conjunto de reveladores flashbacks que nos mostra o que acontecia por detrás das quatro paredes em que conviviam.
Se para Rod (Néstor Losán), Sam era aquele colega e mentor que admirava e o único que lhe poderia conferir algum conhecimento e experiência para a sua própria formação profissional (ambos são cineastas), Gero (Dani Herrera) sentia-se privilegiado apenas por poder privar com Sam e com ele trocar umas breves palavras, sendo que no seu íntimo, e tal como faz notar Lídia (Laura Díaz), ambos sentem por ele mais do que uma amizade e desejam senti-lo, tê-lo e possuí-lo fisicamente.
É este sentimento de paixão que acaba por ser vivido, de forma distinta, com três dos seus amigos... com Óscar (Ventura Rodríguez), aquele que por ele sentiu mais proximidade e entrega mas também aquele que mais maltratado foi por Sam, com Manu (Javier Zapata) com quem apesar de viver uma relação estritamente física denotou conhecê-lo melhor que ninguém e finalmente com Cris (Violeta Orgaz), sua amiga de infância e possivelmente aquela que por entre muito mistério melhor o conheceu ao ponto de ver em Sam a sua potencial maternidade.
Finalmente temos ainda Paloma (Andrea Duro) que por Sam denotou uma total dependência, Joan (Román Reyes) que apesar de se sentir atraído por ele não se iria deixar maltratar e finalmente Gabi (David Mora), que por Sam demonstra ter uma daquelas amizades cúmplices a quem tudo se pode revelar.
O que cativa em todas estas personagens que compõem os amigos de "Sam" é a capacidade de todos eles terem um ou outro pequeno elemento que podemos identificar no nosso próprio comportamento. Todos nós, ainda que talvez secretamente, já tivemos uma empatia, admiração, identificação ou até mesmo atracção por alguém que compõe o nosso círculo de amigos mas, ao mesmo tempo, todo e qualquer sentimento que por essa pessoa era sentido estava, ao mesmo tempo, ou bastante reprimido para não ser identificado ou então era explorado para ver se mútuo.
São eles, através dos seus testemunhos, que ficamos a conhecer não só o tipo de relação que tinham, na sua maioria caracterizados por um elevado grau de dependência, sob as suas mais variadas vertentes e que os marcou de forma quase irreparável. Se por um lado temos aqueles que viam em "Sam" um amigo com o qual podiam contar nas horas mais complicadas não esperando mais dele do que uns instantes do seu tempo de forma a colmatar aquela falta de atenção que pudessem sentir ou para poder ultrapassar um momento mais difícil, como são disso exemplo os casos de "Gabi" e de "Cris", não é menos verdade que muitas destas relações mais não eram do que casuais, físicas e inconsequentes, estando mesmo intimamente compostas de alguma violência emocional e psicológica.
São estas ligações, afectivas ou físicas mas todas elas de extrema dependência, que se revelam logo após o suicídio de "Sam", aquele tipo que todos admiravam e do qual queriam estar próximos. Proximidade esta da qual fugia a sete pés como se o limitasse na sua condição. No entanto, ao mesmo tempo somos levados a questionar quem realmente era ele. O que o motivava? Brilhante na sua área académica e a reunir a admiração de todos mas que, ao mesmo tempo, desprezava qualquer tipo de intimidade que lhe pedisse uma explicação ou um "porquê". Somos levados a questioná-lo (e a nós) sobre as reservas e asperezas que cria como uma defesa sobre quando alguém diz que o ama, que quer a sua companhia e presença e que o mundo faz sentido com ele por perto. Ao mesmo tempo, questionamos até que ponto é esta vontade um sentimento meramente de amizade e analisamos estas relações enquanto aquilo que elas realmente são... relações pouco claras, iniciados no calor de vários momentos sexualmente tensos ou reprimidos e, como tal confusos, nos quais os afectos normalmente não são correspondidos mas sim receados, repletos de ciúme, de posse e de invejas que limitariam a sua saudável exploração. Estes amigos são raros (estranhos na tradução correcta), não pela sua dedicação mas sim pela forma como esta rapidamente se transforma em perturbação e dependência mórbida como se a vida de alguns deles não existisse para lá de "Sam".
Há sempre uma certa dificuldade em comentar um filme do qual se gosta e pelo qual se sente uma empatia imediata ao ponto de dizermos "este é um dos filmes da minha vida", por isso muito este comentário seja talvez disperso e, também ele, confuso mas ao mesmo tempo isto acontece porque para além de existir uma identificação imediata com algumas das suas personagens, existem também um conjunto sem fim de ideias e pensamentos que surgem na cabeça e que se desejam desesperadamente colocar "no papel".
Ao ver Los Amigos Raros lembro-me imediatamente de The Breakfast Club, de John Hughes que exerceu uma elevada legião de fãs com a juventude dos anos 80 do século passado graças à forma como aborda as problemáticas teen de então, desde o suicídio à aprovação parental sem esquecer o "dia de amanhã" que ocorre logo quando o secundário termina, conseguindo assim um estatuto de filme de culto para o futuro. Los Amigos Raros insere-se igualmente nesta linha dita de culto, e é seguramente um daqueles títulos que, tendo alguém que aposte nele (espero que sim), será para aqueles que tendo hoje 25/35 anos, um filme que irá marcar pela capacidade que tem no seu conteúdo de identificar e marcar diversos comportamentos que os mesmos têm e por tecer sérias considerações e reflexões sobre os dias e as relações do presente, sobre a dignidade e a entrega, sobre a humilhação e o desespero, e principalmente sobre a forma como cada um se coloca face ao outro quando dele gosta ou ama, assim como face à vida (ou à forma de viver) e à morte.
Pérez Toledo explora de forma arriscada, a forma como as pessoas se unem ou separam bem como o medo constante de se entregarem a alguém ou de revelar os seus sentimentos, quase preferindo morrer a fazê-lo visto que a ideia de partilhar a vida com uma outra pessoa ganha contornos assustadores quando parece poder confirmar-se. Assim em Los Amigos Raros explora de uma forma diferente e original as interacções humanas ao colocar todos os seus intervenientes não num confronto entre si mas sim a confessarem os seus momentos, os seus erros e aquilo que fizeram devido ao sangue quente que lhes corre nas veias e que os move por se exporem sem condições ao "outro" como se de um ritual de passagem se tratasse.
Ritual este que Pérez Toledo explora com base no sentimento mas alienando-se do seu sentido mais filosófico entregando-se ao mais carnal, de forma bruta e sem compaixão, sincero mas mordaz... Será que todos aqueles nove amigos desejavam realmente "Sam" ou apenas a ideia de poder tê-lo pelo que de mais animalesco este lhes provocava? Seria ele assim tão frio e indiferente ao que os outros sentiam ou apenas alguém que percebeu ser tudo demais para aguentar... o amor, o ódio, a tortura psicológica e emocional, a proximidade bem como o afastamento e a separação, a entrega, a devoção e a dedicação ou até mesmo a constante aprovação que lhe pediam... "Sam" teve de tudo... de todos... constantemente... como uma pressão sem tréguas e sem limites sem nunca, no entanto, ser questionado sobre quem ele é... o que deseja... o que planeia... como se vê... o que espera.
E falar da qualidade do argumento é ter obrigatoriamente que referir aqueles que lhe dão vida. As palavras de Pérez Toledo são interpretadas com maestria por um conjunto dos novos, e espero duradouros, talentos no campo da interpretação de nuestros hermanos. Se Adrián Exposito cria um atípico protagonista com o seu "Sam" que está no centro de todos as atenções mas que acaba por funcionar como um elemento quase não presente (todos falam dele mas apenas como uma referência ao que "foi" e não ao que "é"), não é menos verdade que o restante elenco representa aquilo que de melhor e pior tem a ideia de "relação humana". Desde a dependência extrema emanada nos dois polos "Lídia"/"Gero" pelo seu lado físico em sólidas interpretações de Laura Díaz e Dani Herrera que se expoêm como aqueles que vivem um desejo ora verbalizada ora reprimido, ou de um "Rod" de Néstor Losán que o deseja pela vertente criativa sem querer saber quem "Sam" realmente é, há ainda que notar o amor sentido por parte de "Óscar" num registo muito emotivo de Ventura Rodríguez que se despe de qualquer preconceito para mostrar o que um amor não correspondido e, acima de tudo, desprezado pode gerar nos futuros e potenciais relacionamentos, ou o "Manu" de Javier Zapata que mostra como pode existir uma atracção física que pode originar um amor livre de interesses externos para além do "quem será a outra pessoa?", mas que graças a uma mente já desgastada pela pressão nunca se chega a concretizar, ou o "Joan" composto por Román Reyes como alguém que já tem o seu próprio passado e não quer sair mais marcado, sem esquecer a "Paloma" de Andrea Duro que tem tanto de trágico como de cómico por se revelar como alguém que espera desesperadamente por alguém que goste tanto dela... como ela do outro, e que nas suas mais diferentes formas desde o depende do primeiro, ao curioso do segundo, passando pelo desprendido e o humilhante dos dois últimos caracterizam tudo aquilo que de bom e mau pode ter uma relação a dois. No entanto, falar deste magnífico elenco é não esquecer obrigatoriamente as personagens "Gabi" e "Cris" interpretadas por David Mora e Violeta Orgaz respectivamente, ou seja aqueles que representam os dois expoentes máximos do Homem... a vida e a morte. Se David Mora personifica a morte, ou pelo menos a sua alusão mais real ao revelar a forma como se aproximou de "Sam" e nele depositou toda a sua máxima confiança, temos por sua vez Violeta Orgaz que o procura como forma de dar continuidade à vida... à descendência. É através destas duas magníficas interpretações que ficamos a conhecer que para "Sam" o fim está próximo sendo que é dele que também existirá uma continuidade que poderá marcar pela diferença a vida daquela que talvez melhor o tenha conhecido... o "Sam" que esteve longe da ribalta, da admiração e da pressão que lhe estava inerente. Vida e morte chocam ao longo deste filme graças a estas duas interpretações repletas de honestidade e emotividade no seio de uma história que se queria a falar de relações sem cair no sentimento mas que obrigatoriamente dele não escapa.
E depois de um comentário que poderia ainda ter tanto por dizer (e tem) percebo que tudo isto foi realizado em apenas treze horas e com poucos meios, mas tudo dirigido de forma profissional, com a entrega de uma equipa que acreditou neste projecto e cujos resultados estão à vista como um dos melhores filmes espanhóis dos últimos tempos e seguramente um dos mais fortes deste ano que, independentemente dos prémios que lhe poderão ser atribuídos (ainda que não atestem a verdadeira qualidade de um filme, mas que não é menos verdade que abonariam em favor do mesmo), constitui-se Los Amigos Raros como aquele que deveria ser um dos preferidos aos ditos prémios quando se celebrar o que de melhor este ano fez "nascer"; não só um filme que ficará na memória dos espectadores sem de lá sair, como a confirmação de jovens talentos do cinema espanhol como o realizador e argumentista Roberto Pérez Toledo e um conjunto de jovens actores onde se destacam Expósito, Mora, Orgaz, Rodríguez e Zapata (se os Goya quiserem premiar cinema independente, aqui estão várias apostas seguras).
No final resta-me apenas acrescentar a referência ao pensamento que "Sam" dizia e que "Gabi" relembra... "a tristeza não tem nada a ver com lágrimas"... de facto não tem e Los Amigos Raros bem lhe dá enfoque... a tristeza é simplesmente o estado a que alguém chega quando percebe que o mundo que o rodeia o sufucou de tal forma que já não consegue perceber se consegue aguentar ou chegar até ao dia seguinte... Dia esse a que alguns realmente não chegam.
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"Gabi: (sobre Sam) La tristeza no tiene nada que ver com lágrimas."
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