António Um Dois Três de Leonardo Mouramateus é uma longa-metragem luso-brasileira presente na competição oficial da vigésima-terceira edição do Caminhos do Cinema Português a decorrer em Coimbra até ao próximo dia 3 de Dezembro.
António (Mauro Soares) foge de casa depois do pai descobrir que ele abandonou a Universidade. Dali parte para casa da ex-namorada onde conhece Débora (Deborah Viegas). Johnny (Daniel Pizamiglio) tenta encenar a sua primeira peça de teatro e compreende a dimensão da amizade com António. De passagem por Lisboa, Débora assiste a uma peça de teatro e é acordada pelo protagonista... António.
Leonardo Mouramateus escreve o argumento desta longa-metragem contada em três tempos. Distintos entre si, cada um deles apresenta as mesmas personagens em diferentes momentos como que separados por alguma quebra temporal que lhes proporcionou pequenas alterações no seu futuro e, dessa forma, criou três realidades diferenciadas como apenas um elemento em comum... eles próprios.
Na primeira realidade observada,
"António" é um jovem que vive uma vida que é tida em relativo segredo na medida em que oculta alguns detalhes ao seu pai. Desistente da Universidade e a passar noites fora de casa, é quando confrontado por
"João" (João Fiadeiro) - o pai - sobre a sua situação e que, com medo das consequências, foge definitivamente de casa tentando, no entanto, reatar laços com a sua antiga namorada.
"Mariana" (Mariana Dias) já não nutre os mesmos sentimentos que ainda fazem mover
"António" mas, no entanto, é ainda aquela amiga que se preocupa e, em sua casa, ele conhece
"Débora" desenvolvendo com ela uma química imediata. Vêem um vídeo antigo, falam, têm sexo e ela surge como uma inesperada substituta de
"Mariana". Sem dinheiro, sem objectivos e sem qualquer perspectiva sentimental,
"António" abraça a única solução que tem... cantar uma canção na rua e viver das poucas moedas que ganha.
Numa segunda realidade, o espectador acompanha "Johnny" (Pizamiglio) e a sua tentativa de levar à cena uma sua peça. Começamos a escutar a mesma música que
"António" antes cantara agora como uma parte encenada desta história teatral que se tenta. A história é semelhante à realidade de
"António" agora numa outra realidade. Uma nova perspectiva de um momento que, nesta realidade parelela, nunca acontecera. Aqui não é a realidade de
"António" em família mas sim a sua dinâmica com
"Johnny"... o amigo e patrão que se vê num momento mais frágil. Com ele procura as chaves de casa perdidas numa qualquer mata onde tentou engatar um homem e desligar-se da relação falhada. As mútuas frustrações são então colocadas à prova quando os males de amor de um parecem - ou querem parecer - mais atribuladas do que as do outro. No fundo, ambos sofrem de um mesmo mal... e discutem... Sofrem por um amor que aparenta não ser correspondido e que, lá perdido no tempo, insiste em estar vivo. No entanto, nada mais forte do que amizade e do que a liberdade para poder celebrá-la... com o respeito que têm em comum.
Finalmente, o terceiro momento de
António Um Dois Três prende-se com a história da relação entre
"Débora" e
"António". Conhecem-se por um acaso no teatro onde este já não é assistente de iluminação mas sim um dos actores protagonistas. Ela dorme. Ele acorda-a. São apresentados. Vão a uma festa onde é gravado o vídeo a que, noutra realidade, assistem e percebe - o espectador - que é a declaração de amor de alguém a
"Tereza" (Sandra Hung), a vizinha do prédio de
"Mariana". Mais um amor perdido... quando outro parece querer nascer.
"António" e
"Débora" desencontram-se na cidade e apenas o destino os poderá - eventualmente - unir. A noite e Lisboa como um pano de fundo numa realidade amorosa e sentimental que insiste nos desencontros. É no seu reencontro que se descobrem destinos, momentos, tristezas, tragédias e eventuais alegrias. Poderá o amor realmente existir ou estará ele, independentemente da realidade que nos seja apresentar, condenado a ser fruto de um único momento e condenado para todos os demais?
António Um Dois Três é assim o resultado de um argumento original que coloca experiências e momentos diários centrados no amor, analisados sobre uma perspectiva de mundos paralelos onde a alteração de pequenos elementos tende a afastar (ou aproximar) pessoas que noutras circunstâncias não teriam uma segunda oportunidade. Mas, na eventualidade desta existir, poderá alguma das perdas do passado revelar-se e confirmar-se como "para a vida"? Existirá para alguém o tal amor perfeito capaz de perdurar face à passagem do tempo, ao desgaste, à traição ou até mesmo ao amadurecimento emocional daqueles que compõem um casal? Conseguirá alguma destas realidade ser realmente... real?! Poderão eles mais não ser do que momentos imaginados e desejados que, na realidade, nunca irão suceder?!
No centro de toda esta trama encontramos Mauro Soares, um jovem actor que consegue dinamizar a longa-metragem nos seus três segmentos e transformar cada um deles num potencial filme independente não prejudicando a história ou a dinâmica de cada um deles. Do jovem imaturo do primeiro segmento ao jovem adulto capaz de ser sentimental e profissionalmente resolvido e até bem sucedido, Mauro Soares dá uma cor especial à já inteligente história de Mouramateus e afirmar-se como um jovem talento de quem - espero - poder ainda ver brilhar mais vezes nos ecrãs de cinema.
Quanto a Mouramateus enquanto contador de histórias, as provas já estavam mais do que confirmadas para quem já conhece o seu extenso curriculum de curtas-metragens mas, no entanto, esta sua primeira longa confirma-o agora capaz de abraçar desafios maiores e ainda assim garantir a originalidade e a coerência dos seus contos aqui primeiro apresentando uma história que nos parece conduzir a uma potencial desgraça do seu protagonista mas que depois se revela apenas como uma das suas potenciais vidas e destinos numa Lisboa que é também vivida nos seus telhados, no seu horizonte e como pano de fundo. A triplicar como bem manda esta história de
António Um Dois Três, que nunca se encerra, que apresenta potenciais momentos e realidades capazes de se afirmar como "a tal", mas nunca esquecendo que todas elas são efémeras... meros momentos vividos que podem a qualquer momento ser transformados em realidades paralelas (ou até mesmo extintos) bastando, para tal, pequenos momentos ou passos dados demonstrarem que toda uma nova possibilidade existe... já ao virar da esquina.