Um grupo de cinco sobreviventes unem-se numa fuga através de uma cidade devastada. Ao refugiarem-se numa pequena povoação percebem que o perigo não está só para lá das paredes que os protegem mas também por detrás das mesmas que escondem um perigo tão grande ou maior do que aquele do qual tentam escapar.
Raiva, horde zombie, vírus mortal... eis os ingredientes que numa pandemia - durante ou pós -, podem transformar uma história de sobrevivência num apelativo filme do género de terror especialmente se pensarmos nele como uma obra executada ao longo dos últimos anos e com o apoio de um conjunto de profissionais que pretenderam, acima de tudo, executar uma longa-metragem pela paixão à mesma. Nesta história, que começa com a propagação a nível mundial de uma mutação de um vírus de raiva que colhe boa parte da população, não são esquecidos os escassos sobreviventes isolados nos mais remotos cantos do globo tentando escapar não só deste mesmo vírus como também dos infectados que percorrem as ruas e também daqueles que, sendo sobreviventes, pretendem dominar um espaço destruído pela morte, pelos conflitos, pelo isolamento e sobretudo pelo esquecimento.
Os elementos que aqui encontramos, e que não poderiam ser mais actuais dada a situação de crise sanitária provocada pela COVID-19, remetem-nos para uma realidade que, não tendo ninguém a fugir de perigosos infectados, nos é de certa forma familiar na medida em que encontramos transformações na mente e nos comportamentos humanos que são presentes na nossa realidade. "Vamos ficar todos bem" dizia-se no início da nossa pandemia real e aquilo que encontramos em The Winter Hunger é a ficção desta expressão no seu melhor expoente. Como em qualquer crise são conhecidos os limites da integridade humana, aquilo que de bom e mau conseguimos fazer pelo nosso semelhante... Até onde vamos pela sobrevivência daqueles que outrora foram pessoas que vimos passar na rua, observámos num qualquer transporte público e que, em boa medida, poderão também eles contribuir para a nossa sobrevivência... No entanto, aquilo que aqui voltamos a confirmar, como em muitas obras desta natureza apocalíptica, é que a Humanidade tende desesperadamente a caminhar para a sua própria extinção não necessitando necessariamente de nenhuma epidemia que dê "conta do recado".
Aquilo que compreendemos muito rapidamente em The Winter Hunger é que a Humanidade não está preparada para uma qualquer provação maior onde a sua sobrevivência é colocada em causa. Sem comunicações, nem acesso à informação, sem acesso a cuidados médicos, água ou alimentação, a última pergunta é... até onde é que se diferenciam os "infectados" daqueles que não o são considerando que muitos destes últimos têm e denotam comportamentos semelhantes aos que já atravessaram a tal "fronteira" podendo, mas nunca o fazendo, escolher optar pela mútua colaboração e sobreviver a um mal que espreita lá fora.
Essencialmente The Winter Hunger é uma obra que explora de forma muito inteligente os limites, ou falta deles, da sobrevivência humana numa situação de crise extrema. Até onde vamos quando está em causa a permanência no mundo durante mais um dia? Mais um dia de cada vez onde nada é garantido e onde tudo, a dado momento, é uma potencial ameaça para que esse dia se cumpra... Esta longa-metragem espanhola, facilmente classificada numa série B trazendo à memória obras de culto como as de George Romero (as referências por exemplo ao centro comercial abandonado ou uma casa abandonada no meio do nada como a observamos em Night of the Living Dead - sem esquecer 28 Days Later, de Danny Boyle (vírus da raiva em vez de um regresso dos mortos a uma pós-vida) ou mesmo a série The Walking Dead, de Greg Nicotero -, e na qual todas as personagens podem ainda ter toda uma exploração sobre o seu passado e presente (ainda que mais claro neste domínio) deixando muitas delas uma grande curiosidade sobre os acontecimentos que os levaram àquele momento específico nomeadamente às interacções criadas entre si. The Winter Hunger destaca-se ainda pela reconstituição de um cenário pós-apocalíptico em excelência utilizando não só espaços naturais como lugares (des)humanizados da região espanhola em que foi filmado, esta longa-metragem é ainda enriquecida como uma brilhante direcção de fotografia da autoria de Pedro García que transforma todo o ambiente numa atmosfera fria que relembra um inverno nuclear onde a esperança de vida é algo difícil e muito ténue deixando para os interiores um clima de sufoco labiríntico que prende os intervenientes em vez de os libertar para uma sobrevivência.
The Winter Hunger é assim uma obra que levanta as tradicionais questões morais e éticas de sobrevivência das obras do género e que, não esquecendo a devida homenagem ao mesmo e aos seus mestres, se distancia e torna independente pelas diferentes dinâmicas que cria com os espaços (exteriores), com as dinâmicas das personagens com os mesmos e entre si - compreendemos que existem relações entre algumas das personagens que nos deixam curiosidade sobre o passado comum e partilhado -, e sobretudo pela forma como (re)cria um final que mistura esperança e desilusão criando, ele próprio, uma dinâmica interessante e muito própria para o "e depois" dos destinos e do que estará "para lá" daquilo que podemos e conseguimos observar. Quando pensamos que tudo poderá estar, finalmente, a salvo... eis que a surpresa mina as nossas esperanças...
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