quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Moço (2020)

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Moço de Bernardo Lopes (Portugal) presente na Competição Nacional de Curtas-Metragens da décima-sétima edição do IndieLisboa - Festival Internacional de Cinema, é o mais recente trabalho deste realizador que já no último ano nos havia surpreendido com o intenso Eva.
João (Tomás Andrade), é um jovem pré-adolescente que vive num lar disfuncional. Com um pai ausente e uma mãe centrada nos prazeres carnais que o companheiro (já não) lhe proporciona João vê-se de braços abertos para um mundo no qual espera encontrar o conforto que não encontra em casa.
Se é certo que existe entre este conjunto de personagens um acentuado distanciamento que as torna únicas no seu próprio universo, é também verdade que muito rapidamente o espectador cria uma imediata empatia com o "João" de Tomás Andrade. Uma empatia ao ponto de esperar poder conferir-lhe o alento necessário para que possa enfrentar os ainda duros anos - para ele como foram para qualquer um de nós - que estão porvir. A indiferença sentida para este jovem é notória desde os momentos iniciais onde um pai - interpretado por Carloto Cotta - pouco empático lhe rapa o cabelo para (talvez) fazer dele o homem antes de tempo que eventualmente também ele fora. Ou mesmo no distanciamento de uma mãe que estando mesmo "ali ao lado" parece pertencer a um qualquer outro domínio temporal que, não o tendo como alguém indesejado, não lhe confirma, em nenhum momento, que ele é o filho que ela sempre desejou ter sendo apenas mais alguém que... "está ali".
No fundo, esta dinâmica entre personagens encontra um imediato paralelismo com o cenário envolvente assim que o espectador repara nessa "vida" entre portas. Das estufas abandonadas fruto de um qualquer investimento que correra mal aos parques aquáticos que são agora uma sombra do que foram em tempos, todo o cenário parece suficientemente desolador para compreender que, provavelmente, não é apenas "João" que se encontra só mas sim todo um ambiente pouco natural que se revela perdido e esquecido no tempo. Um retrato dessa decadência, desse isolamento, dessa solidão onde agora estes jovens procuram algum conforto e divertimento afastando-os das suas vidas provavelmente complicadas demais para serem encaradas com a (falta de) frontalidade que os caracteriza.
Mas, existe uma esperança. Ou pelo menos assim quero pensar quando sou encostado a uma realidade final que deixa, em certa medida, portas abertas para a minha (e do qualquer espectador) imaginação voar. Se por um lado já compreendemos que nada na relação de "João" com o seu pai vai mudar ou que a sua mãe está mais concentrada em, ela própria, ter a atenção que deseja nos braços de um qualquer outro homem que convida para a sua cama sem se preocupar com o filho no quarto do lado, é certo que o jovem interpretado por Tomás Andrade se deixa levar pela sua própria vontade de viver tão simbolicamente representada por uma janela aberta (que ficou aberta) e que o permite explorar o espaço para lá das suas quatro paredes. Suficientemente enigmáticos para qualquer um de nós poder imaginar o que quiser - para o bem e para o mal -, são os instantes seguintes onde o jovem explorar o terreno e se esconde por detrás da vegetação que encontra numa qualquer lagoa que definem, essencialmente, a verdadeira vontade de liberdade e independência a que o mesmo foi forçado a abraçar. Numa altura em que o seu mundo se deveria resumir às pequenas actividades inerentes da sua própria idade, às brincadeiras entre amigos (aqui caracterizadas com alguma violência e desprendimento) ou até mesmo a uma qualquer paixão (ou paixoneta) típica da idade - até se pode vislumbrar uma no decorrer de Moço também reflexo de uma chamada de atenção que surge (in)voluntariamente "pedida" -, "João" parece compreender que o seu mundo, por muito pequeno que lhe possa parecer no seu espaço natural, é maior e repleto de mais oportunidades do que aqueles que estão ali no seu imediato. A janela, a exploração e o espaço conferem-lhe - e a nós espectadores - essa necessidade de no nosso íntimo compreender que existe mais e melhor para lá do visível e desse referido imediato que o esperam e que o irão abraçar... mas existe um outro lado mais negro, menos esperançoso e tantas vezes mais real (ou realista) que não proporcionam tantas oportunidades como aquelas que inicialmente desejaríamos... mas essas ficarão para uma imaginação que está lá mais oculta e pouco revelada... apenas num íntimo que esperamos não reconhecer... desejando apenas que aquilo que o espera seja melhor do que o realizador nos facultou nesta sua abordagem.
Intenso enquanto filme de despertar etário de uma jovem criança que se tem como adulto antes do seu tempo, é não só na interpretação segura e firme do jovem Tomás Andrade que encontramos essa força de que o "amanhã" será melhor, mas também no sábio e equilibrado argumento de Bernardo Lopes, que depois do igualmente tenso Eva volta a entregar uma história não sobre vidas marginais mas sim para lá da margem que habitualmente conhecemos. Sabemos que estas vidas existem, sabemos que não têm ou tantas facilidades ou oportunidades como aquelas que observamos do dito "nosso mundo" mas tão poucas vezes as observamos "daqui" como uma parte de um todo. Existe algo não tão perfeito "do outro lado"... mas é apenas quando um bom filme, filmado com uma mão firme e capaz de mostrar a realidade sem artifícios que o espectador encontra a humanidade tal como ela é... capaz de magoar sem ferir... capaz de emocionar sem fazer chorar.
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9 / 10
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