quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Relic (2020)

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Relic de Natalie Erika James (Austrália/EUA) é uma das longas-metragens em exibição no MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa a decorrer no Cinema São Jorge cuja história se centra no misterioso desaparecimento de Edna (Robyn Nevin), uma mulher a entrar na terceira idade e no regresso a casa da sua filha Kay (Emily Mortimer) e da neta Sam (Bella Heathcote) que se deparam com um cenário decadente ao encontrarem a casa de família para lá de perdida no meio da floresta mas com evidentes sinais de degradação provocados pelo passar dos anos e pelo esquecimento a que havia sido vetada.
Mas um dia... Edna regressa... e com ela a confirmação de que nem ela nem a casa estão realmente sozinhas.
A veia - ou pelo menos a matriz principal... - paranormal em Relic é uma constante desde os primeiros instantes. Existe todo um simbolismo que não só classifica esta longa-metragem junto daquelas que se centram no âmbito das casas assombradas como, ao mesmo tempo, também lhe confere o misticismo próprio de uma dualidade de conflitos entre o sagrado e o profano que lentamente se exibem para o espectador. Como é tradição nestas histórias, existe toda a componente de isolamento social - tão apropriado para este ano que agora se vive -, ao sermos levados para uma casa perdida no tempo, no espaço e sobretudo na memória das personagens que ou a habitam ou habitaram no passado. É com o desaparecimento da matriarca e com o regresso da prole que o espectador percebe que são os pequenos detalhes que parecem "novos" que se revelam como indícios de uma "presença" que se manifesta pelos mesmos e para com aqueles que pretende seduzir para este espaço que, uma vez esquecido, se assume como o potencial berço de uma nova ordem prestes a nascer.
Casa essa que parece um labirinto onde todos os corredores parecem não só intermináveis como também assumir corpo e forma mediante aqueles que os atravessam proporcionando aos mesmos, e a nós, uma experiência única a cada instante mas que, ao mesmo tempo, se transformam lentamente na sua própria prisão. Afinal, quando o espaço se revela como não tendo um fim, poderá alguma destas mulheres escapar dali?! E se os sinais de algo sagrado ainda se poderiam fazer notar no início, cedo são ofuscados pela confirmação de que ali tudo se transforma... especialmente o bem. Da simbologia purificadora da água que cedo se desvanece aos infindáveis sinais de bolor que ocupam a casa. Das pancadas misteriosas que ninguém consegue compreender - até ao momento certo - à eliminação "voluntária" de registos do passado que "Edna" tão misteriosamente pretende realizar sem esquecer, claro, as manifestações de violência que a mesma exerce sobre a sua família ou os sonhos/pesadelos que irrompem o pensamento da personagem de Mortimer, é claro para o espectador que mesmo que só assistamos a três personagens - curiosamente todas femininas e, como tal, susceptíveis de fazer "nascer" novas formas de vida -, compreendemos que existe algo mais por detrás das sombras e das paredes daquela casa que a Natureza, tão habilmente em sua defesa, pretendem fazer esconder.
A solidão, a velhice, a transformação para uma nova etapa da vida agudizadas pelo já mencionada distanciamento social que nesta nossa nova realidade é o tal "novo normal", fazem notar o medo para com o desconhecido... nada é garantido em dias de incerteza ou em momentos em que tudo se apresenta como essa dita realidade desconhecida. O que poderá trazer? Como se irá realmente manifestar? Sentir-se-ão as suas diferenças? Irá de facto conferir uma nova forma de vida? Alastrar-se-à para lá do agora "conhecido" ou será para todos uma confirmada incógnita?
Exímio na construção do espaço e da música que confere a esta história aquela dinâmica de suspense e incerteza que prendem pela potencialidade do que virá a seguir - visível ou não -, é a criação deste novo mundo dentro daquele que já é conhecido e real que o transformam numa obra de género ainda que na sua essência pretenda mais abordar essa dita "transformação" ou "passagem" aqui manifestada como algo sobrenatural (talvez demoníaco) mas que o espectador mais atento facilmente poderá abordar como um relato das três fases da vida de uma mulher - aqui representada por três - onde a juventude, a idade adulta e a velhice convergem como momentos específicos da vida de alguém que pode, de facto, criar e dar nova vida à vida. Se o elemento sobrenatural se assume... é apenas um mero detalhe de uma história que se quer manter pela ideia de "passagem" mas que a ele recorre como uma tentativa de confirmação desse elemento de terror que nem sempre funciona como poderia oscilando as duas realidades como parte de um todo que nunca se assume ou revela. Sabemos que tudo está no ponto... mas até que ponto pretende a realizadora assumir as suas intenções? É esta uma história do sobrenatural ou será apenas um conto sobre as três etapas de uma mulher em constante transformação... do vigor da jovem adulta à perda de memória de uma mulher que, na prática, já pouco ou nada tem a perder sem esquecer a mulher independente e segura que ali confirma que o seu futuro está, de uma ou outra forma, mais do que confirmado...
De certa forma inteligente na sua abordagem e na vontade que tem em firmar uma história de terror pela confirmação da transformação etária da Mulher, Relic perde-se pela exploração de diversos mundos e conceitos já pré-fabricados do género de terror nunca apostando num único. O terror, esse que tanto assusta, nem sempre é pela presença de algo desconhecido e sobrenatural mas sim pela verdade do futuro que todos tememos e que, na sua essência, se prende como a etapa última aquela em que compreendemos que tudo o que poderemos ser ou ter e que iremos, a certa altura, perder... quer em vida... quer pela certeza desse mais que certo fim.
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6 / 10
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