Pátria de Bruno Gascon (Portugal) é a terceira longa-metragem do realizador depois de Carga (2018) e Sombra (2021) recuperando uma vez mais uma história que poderemos inserir no género de cinema social onde, depois do tráfico humano e de uma história baseada num dos raptos/desaparecimentos mais mediáticos da nossa História recente, nos faz entrar no domínio dos extremismos sociais e políticos que estão agora tão presentes no nosso dia-a-dia.
Estamos numa sociedade pós-moderna. O futuro, mais ou menos próximo, divide a sociedade totalitária em dois grupos bem distintos. De um lado temos os Escolhidos no qual encontramos Jonas (Rafael Morais), o seu potencial líder para os guiar numa nova sociedade livre dos elementos indesejados. Do outro temos os Expatriados onde se encontra Mário (Tomás Alves), desterrado da comunidade tal como a conhecera e sujeito a todo o tipo de perseguições daqueles que pretende uma sociedade "limpa". Mário sente a revolta e quer mudança. Poderá esta chegar sem o último e derradeiro sacrifício?
Dando um seguimento às já mencionadas temáticas de cariz social que tem marcado o cinema de Bruno Gascon, o realizador e argumentista entrega uma vez mais ao público uma história que não está assim tão adormecida quando se poderia imaginar. Dividido em três capítulos chave que encontram o equilibrio entre si, Pátria é a revelação da sociedade - de uma sociedade - (portuguesa) imaginada mas já vivida. Uma sociedade que procura a divisão entre escolhidos e indesejados. O "nós" e o "eles" que divide procurando nas mais ínfimas diferenças, muitas delas imaginadas e criadas, a validação para poder prevalecer uma "nova ordem" que regula e regulamenta pela força o ideal de sociedade e de comunidade que se deseja para o controle total e de todos.
Num primeiro capítulo intitulado O Som do Medo o espectador conhece a realidade destas personagens quando encontramos "Mário" (Tomás Alves) perseguido depois de um recolher obrigatório - que não o é para todos - dando dessa forma corpo àquele grupo de pessoas que o sistema considera como sendo os seus inimigos. Validado ou não esse argumento - algum alguma vez o é para uma ditadura?! -, o mais significativo deste segmento para lá da compreensão por parte do espectador do sistema em que estas personagens vivem, são os pequenos símbolos e elementos que caracterizam esta realidade e sociedade que agora se apresentam como as redentoras dessa dita "nova ordem". Das bandeiras bem reminiscentes da nossa memória colectiva (ainda que o seu grafismo possa divergir) às braçadeiras, dos slogans às palavras de ordem sem esquecer um certo sentimento colectivo (dos privilegiados) que se acham injustiçados entregando aos que realmente o são uma noção de privilégio que não existe mas que lhes confere uma culpa existencial para aguçar os apetites dos desordeiros da nova ordem, encontramos aqui todos os elementos que formam, de uma ou outra forma, o ideal de ditadura que mesmo não o tendo vivido se reconhece a uma distância confortável.
É também neste capítulo que ficamos a conhecer as personagens principais. De um lado o "Mário" de Tomás Alves como o homem atormentado por um passado que, na altura, lhe chegou de forma inadvertida e que tem de lidar com as consequências que o mesmo lhe trouxe. Tormento será com toda a certeza o sentimento que mais se conjuga com a sua personagem que vive num desassossego permanente... pelo seu passado e sobretudo pelo presente instável e inseguro que o coloca sempre num limbo face àqueles que agora o "governam". Por outro lado conhecemos também o "Jonas" de Rafael Morais como o insatisfeito que procura nos "parasitas" - como lhes chama - a culpabilização por toda a sua frustração enquanto membro de uma sociedade que deseja mas que, na realidade, apenas prova que o próprio acaba por ser igualmente incapaz nela como nos anteriores desígnios supostamente mais libertários mas nos quais também era invisível... exceptuando a sua propensão para o fácil uso da força em grupo contra aqueles que não só são mais fracos como se encontram sózinhos. Finalmente é também aqui que conhecemos "Ismael" (Matamba Joaquim) que, não tendo um desempenho protagonista acaba por ser o secundário que dá o mote para tornar real o sentimento de luta contra o descontentamento e injustiças de que todos os expatriados são vítimas. Se Alves é o rosto de um sentimento adormecido e Morais aquele de uma raiva completamente descontrolada, é a força que a personagem de Matamba Joaquim entrega que acaba por dar o mote ao dinamismo de uma história que o espectador compreende ter ainda muito por viver.
Se o segundo capítulo intitulado como Os Filhos de Ninguém serve como um interlúdio onde a conspiração se prepara é no terceiro e último A Balada de um Homem Morto que finalmente acabamos por perceber quais os destinos de todas estas personagens e da sociedade enquanto um todo. Se nos Expatriados existe um entendimento de que tudo tem de mudar faltando, no entanto, a coragem para dar esse passo decisivo que a todos possa garantir um futuro melhor - o mal de todos os lutadores pela liberdade -, é também visível para o espectador que nos idealistas da nova ordem não existe qualquer tipo de união para lá daquela que a força dos números lhes confere. Em grupo o ataque é forte e enquanto mais ninguém se organiza... o mal vence pela força dos números e não das convicções que apresenta. O descontentamento entre estes é geral e a dinâmica afirma-se apenas pelos ideais da força e da luta... da conquista e do próprio poder de "um" sobre o "outro" mesmo entre fileiras que discutem sobre quem tem mais poder e quem pode mais facilmente instaurar a "ordem"
Recordar, escutamos num diálogo de "Mário" com uma das outras Expatriadas, é a melhor forma de não voltar a cometer os mesmos erros... Infelizmente, e ainda que da educação e da formação se possa retirar este ensinamento, não é menos verdade que a História - não revista como agora muito se tenta - tem vindo a provar que tudo se repete. Todos os mesmos erros... todos as mesmas falácias... todas as mesmas questões ditas "identitárias" (quão perigosa esta palavra) que se colocam numa ou noutra vez da História. E agora com todos os veículos de comunicação que a dita evolução dos tempos nos trouxe, a disseminação desses novos paradigmas e contextos "históricos" (notem-se as aspas), tornaram-se (para alguns) presentes para difundir esses ideais de uma nova ordem que tantos parecem desejar. Já nada é real quando devidamente comprovado. Não. Tudo é agora real quando à distância de um "click" que as redes sociais permitem facilitando, dessa forma, a difusão de ideais ou conteúdos que nas mãos de um bem falante conquistam milhares... ou milhões. Esta "nova ordem" pode estar à porta - alerta-nos a longa-metragem de Gascon - e por vezes parece que poucos querem observar os perigos que a ela vêm adicionados.
A mensagem deste filme é, em todos os momentos ou frentes, por demais pertinente. Os tempos não são, infelizmente, mais actuais e, para tal, basta que qualquer um de nós ligue um qualquer noticiário e observar como a retórica do "nós" versus "eles" está presente em qualquer bloco noticioso. A linguagem pode até ser subtil e imperceptível se não se estiver a escutar com atenção mas a realidade - aquela que querem fazer agora como factual - espreita por detrás de diversas agendas que motivam muitos grupos (não é por motivo nenhum que Pátria nunca chega a revelar o rosto do ditador para lá de alguns cartazes que encontramos espalhados por algumas paredes), mas a mensagem é subtilmente difundida criando, na comunidade, a ideia de que existe uma diferença entre o "eu" e o "tu". A única coisa que me ficou a faltar nesta terceira longa-metragem de Gascon é a necessária maior exploração das personagens e das suas dinâmicas ou passados que permitisse criar os opostos mais vincados para lá dos conhecimentos que a História nos pode livremente oferecer. Sabemos sempre que os extremismos existem e, talvez, na realidade não difiram muito hoje do ontem. No entanto, existe uma certa necessidade de compreender o que levou a esta divisão nesta que é (dizem) a geração e a sociedade mais informados de sempre. O que nos levou (leva ou levará?) a acreditar nos preconceitos já conhecidos e comprovados como falácias que os extremistas insistem em criar culpabilizando o "outro" pelas "minhas" lacunas e carências. E se Alves é o rosto dessa revolta interior sentida e durante tanto tempo reprimida pelo medo criado apenas despertada pela injustiça última criada a um inocente como o "Ismael" de Joaquim, é também no extremista de Morais que reconhecemos que o perigo espreita e está atento sempre na espera de poder tomar (pela força) o seu lugar reprimindo todos aqueles que à sua volta desejam sonhar com a liberdade, a dignidade e o respeito. Mensagem essa que, contrariamente a tantas obras com os quais um público mais jovem não se irá identificar, poderia ser abordada de forma temática e contextualizada despertando o interesse para a temática da ditadura, da liberdade, do perigo dos extremismos e das mensagens propagadas sem verificação histórica revelando, dessa forma, que essa mesma liberdade ainda que conquistada não é, para qualquer um de nós, um dado adquirido.
Estamos numa sociedade pós-moderna. O futuro, mais ou menos próximo, divide a sociedade totalitária em dois grupos bem distintos. De um lado temos os Escolhidos no qual encontramos Jonas (Rafael Morais), o seu potencial líder para os guiar numa nova sociedade livre dos elementos indesejados. Do outro temos os Expatriados onde se encontra Mário (Tomás Alves), desterrado da comunidade tal como a conhecera e sujeito a todo o tipo de perseguições daqueles que pretende uma sociedade "limpa". Mário sente a revolta e quer mudança. Poderá esta chegar sem o último e derradeiro sacrifício?
Dando um seguimento às já mencionadas temáticas de cariz social que tem marcado o cinema de Bruno Gascon, o realizador e argumentista entrega uma vez mais ao público uma história que não está assim tão adormecida quando se poderia imaginar. Dividido em três capítulos chave que encontram o equilibrio entre si, Pátria é a revelação da sociedade - de uma sociedade - (portuguesa) imaginada mas já vivida. Uma sociedade que procura a divisão entre escolhidos e indesejados. O "nós" e o "eles" que divide procurando nas mais ínfimas diferenças, muitas delas imaginadas e criadas, a validação para poder prevalecer uma "nova ordem" que regula e regulamenta pela força o ideal de sociedade e de comunidade que se deseja para o controle total e de todos.
Num primeiro capítulo intitulado O Som do Medo o espectador conhece a realidade destas personagens quando encontramos "Mário" (Tomás Alves) perseguido depois de um recolher obrigatório - que não o é para todos - dando dessa forma corpo àquele grupo de pessoas que o sistema considera como sendo os seus inimigos. Validado ou não esse argumento - algum alguma vez o é para uma ditadura?! -, o mais significativo deste segmento para lá da compreensão por parte do espectador do sistema em que estas personagens vivem, são os pequenos símbolos e elementos que caracterizam esta realidade e sociedade que agora se apresentam como as redentoras dessa dita "nova ordem". Das bandeiras bem reminiscentes da nossa memória colectiva (ainda que o seu grafismo possa divergir) às braçadeiras, dos slogans às palavras de ordem sem esquecer um certo sentimento colectivo (dos privilegiados) que se acham injustiçados entregando aos que realmente o são uma noção de privilégio que não existe mas que lhes confere uma culpa existencial para aguçar os apetites dos desordeiros da nova ordem, encontramos aqui todos os elementos que formam, de uma ou outra forma, o ideal de ditadura que mesmo não o tendo vivido se reconhece a uma distância confortável.
É também neste capítulo que ficamos a conhecer as personagens principais. De um lado o "Mário" de Tomás Alves como o homem atormentado por um passado que, na altura, lhe chegou de forma inadvertida e que tem de lidar com as consequências que o mesmo lhe trouxe. Tormento será com toda a certeza o sentimento que mais se conjuga com a sua personagem que vive num desassossego permanente... pelo seu passado e sobretudo pelo presente instável e inseguro que o coloca sempre num limbo face àqueles que agora o "governam". Por outro lado conhecemos também o "Jonas" de Rafael Morais como o insatisfeito que procura nos "parasitas" - como lhes chama - a culpabilização por toda a sua frustração enquanto membro de uma sociedade que deseja mas que, na realidade, apenas prova que o próprio acaba por ser igualmente incapaz nela como nos anteriores desígnios supostamente mais libertários mas nos quais também era invisível... exceptuando a sua propensão para o fácil uso da força em grupo contra aqueles que não só são mais fracos como se encontram sózinhos. Finalmente é também aqui que conhecemos "Ismael" (Matamba Joaquim) que, não tendo um desempenho protagonista acaba por ser o secundário que dá o mote para tornar real o sentimento de luta contra o descontentamento e injustiças de que todos os expatriados são vítimas. Se Alves é o rosto de um sentimento adormecido e Morais aquele de uma raiva completamente descontrolada, é a força que a personagem de Matamba Joaquim entrega que acaba por dar o mote ao dinamismo de uma história que o espectador compreende ter ainda muito por viver.
Se o segundo capítulo intitulado como Os Filhos de Ninguém serve como um interlúdio onde a conspiração se prepara é no terceiro e último A Balada de um Homem Morto que finalmente acabamos por perceber quais os destinos de todas estas personagens e da sociedade enquanto um todo. Se nos Expatriados existe um entendimento de que tudo tem de mudar faltando, no entanto, a coragem para dar esse passo decisivo que a todos possa garantir um futuro melhor - o mal de todos os lutadores pela liberdade -, é também visível para o espectador que nos idealistas da nova ordem não existe qualquer tipo de união para lá daquela que a força dos números lhes confere. Em grupo o ataque é forte e enquanto mais ninguém se organiza... o mal vence pela força dos números e não das convicções que apresenta. O descontentamento entre estes é geral e a dinâmica afirma-se apenas pelos ideais da força e da luta... da conquista e do próprio poder de "um" sobre o "outro" mesmo entre fileiras que discutem sobre quem tem mais poder e quem pode mais facilmente instaurar a "ordem"
Recordar, escutamos num diálogo de "Mário" com uma das outras Expatriadas, é a melhor forma de não voltar a cometer os mesmos erros... Infelizmente, e ainda que da educação e da formação se possa retirar este ensinamento, não é menos verdade que a História - não revista como agora muito se tenta - tem vindo a provar que tudo se repete. Todos os mesmos erros... todos as mesmas falácias... todas as mesmas questões ditas "identitárias" (quão perigosa esta palavra) que se colocam numa ou noutra vez da História. E agora com todos os veículos de comunicação que a dita evolução dos tempos nos trouxe, a disseminação desses novos paradigmas e contextos "históricos" (notem-se as aspas), tornaram-se (para alguns) presentes para difundir esses ideais de uma nova ordem que tantos parecem desejar. Já nada é real quando devidamente comprovado. Não. Tudo é agora real quando à distância de um "click" que as redes sociais permitem facilitando, dessa forma, a difusão de ideais ou conteúdos que nas mãos de um bem falante conquistam milhares... ou milhões. Esta "nova ordem" pode estar à porta - alerta-nos a longa-metragem de Gascon - e por vezes parece que poucos querem observar os perigos que a ela vêm adicionados.
A mensagem deste filme é, em todos os momentos ou frentes, por demais pertinente. Os tempos não são, infelizmente, mais actuais e, para tal, basta que qualquer um de nós ligue um qualquer noticiário e observar como a retórica do "nós" versus "eles" está presente em qualquer bloco noticioso. A linguagem pode até ser subtil e imperceptível se não se estiver a escutar com atenção mas a realidade - aquela que querem fazer agora como factual - espreita por detrás de diversas agendas que motivam muitos grupos (não é por motivo nenhum que Pátria nunca chega a revelar o rosto do ditador para lá de alguns cartazes que encontramos espalhados por algumas paredes), mas a mensagem é subtilmente difundida criando, na comunidade, a ideia de que existe uma diferença entre o "eu" e o "tu". A única coisa que me ficou a faltar nesta terceira longa-metragem de Gascon é a necessária maior exploração das personagens e das suas dinâmicas ou passados que permitisse criar os opostos mais vincados para lá dos conhecimentos que a História nos pode livremente oferecer. Sabemos sempre que os extremismos existem e, talvez, na realidade não difiram muito hoje do ontem. No entanto, existe uma certa necessidade de compreender o que levou a esta divisão nesta que é (dizem) a geração e a sociedade mais informados de sempre. O que nos levou (leva ou levará?) a acreditar nos preconceitos já conhecidos e comprovados como falácias que os extremistas insistem em criar culpabilizando o "outro" pelas "minhas" lacunas e carências. E se Alves é o rosto dessa revolta interior sentida e durante tanto tempo reprimida pelo medo criado apenas despertada pela injustiça última criada a um inocente como o "Ismael" de Joaquim, é também no extremista de Morais que reconhecemos que o perigo espreita e está atento sempre na espera de poder tomar (pela força) o seu lugar reprimindo todos aqueles que à sua volta desejam sonhar com a liberdade, a dignidade e o respeito. Mensagem essa que, contrariamente a tantas obras com os quais um público mais jovem não se irá identificar, poderia ser abordada de forma temática e contextualizada despertando o interesse para a temática da ditadura, da liberdade, do perigo dos extremismos e das mensagens propagadas sem verificação histórica revelando, dessa forma, que essa mesma liberdade ainda que conquistada não é, para qualquer um de nós, um dado adquirido.
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7 / 10
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Excelente crítica.
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