quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Amulet (2020)

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Amulet de Romola Garai (Reino Unido/Emirados Árabes Unidos) presente nesta invulgar edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa a decorrer no Cinema São Jorge revela a história de Tomas (Alec Secareanu), um veterano da guerra nos Balcãs agora sem-abrigo em Londres ao qual é oferecido santuário numa misteriosa casa onde reside Magda (Carla Juri) e a sua mãe, ausente dos olhares mais indiscretos. À medida que Tomas demonstra cada vez mais interesse por Magda, também as suspeitas sobre o que sucede no sótão da casa ganham vida deixando no ar a suspeita de que existe algo mais que os acompanha.
Inicialmente apresentado em dois distintos momentos - o primeiro ainda nos Balcãs no decorrer da guerra e o segundo já na metrópole britânica -, este Amulet ganha uma imediata nuance mística quando o espectador é surpreendentemente apanhado nas tramas de um conflito que de sobrenatural nada teve mas que aqui serve como pano de fundo para observamos as experiências de vida que seriam, à partida, estranhas para qualquer uma destas personagens que se viram envolvidas na mesma. Nuance essa que, ainda que fazendo parte de todo um segmento "passado" não só é determinante para o desenrolar da história futura como principalmente para expôr a personagem principal interpretada por Secareanu e todo o seu trama existencial que transcende aquele que a guerra lhe conferiu.
Assim, e voltando um pouco a este momento passado, "Tomas" é um guarda fronteiriço num local onde as fronteiras eram, até então, inexistentes. Perdido no meio de nenhures tendo como única companhia a densa floresta que o rodeia e os livros que lê, é quando uma mulher desesperada corre na sua direcção que a sua vida irá subitamente ganhar toda uma nova dimensão. De um companheirismo que a solidão gerou a uma compreensão de que o mesmo não poderá ser eterno, é esta inesperada dinâmica gerada onde o mundo parece não ir mais passar que todos os momentos e sobretudo todas as acções ganham vínculos inquestionáveis para o futuro daqueles que atravessam aquele momento em concreto.
A unir este momento temporal na história de "Tomas" àquele da sua vida em Londres encontra-se apenas um único elemento... o amuleto. Não que este o tenha acompanhado para esta sua nova vida na capital britânica mas é o pacto silencioso que o mesmo transporta que testemunhou as suas acções passadas e presentes e que o obriga a um futuro inesperado que pouco terá de redenção mas sim de gerador daquilo que espera o mundo num sentido lato. Agora em Londres, "Tomas" é uma ínfima miragem do homem que fora. Sem-abrigo, perdido e sem companhia, trabalho ou forma mais ou menos segura de subsistência, aquilo que o vincula a uma existência - se assim o poderemos chamar - é o peso que o passado ainda exerce na sua memória impossibilitando-o de avançar mas, ao mesmo tempo, de lhe conferir a oportunidade de um fim auto-imposto. Existe um pacto. Um pacto tido (talvez) com o amuleto, com a obrigação de recordar esse passado ou ainda um predestinado para com o futuro que o espera.
Se a vida de "Tomas" fora, até um momento específico, a penitência de um homem sobrevivente - à custa de quê sabemos muito lentamente -, é quando encontra "Magda" que recupera um certo sentido de vida que até então havia perdido. A co-habitação num espaço que está tão decadente e degradante como as vidas que o habitam, parece ser o garante de que um futuro é, agora, possível. Mas, a grande questão que é então colocada é... até que ponto? Ou se preferirmos... a que custo?! Se a vida parece ganhar um novo sentido para ele, é a sua convivência com "Magda" que lhe revela que o passado ainda não cobrou o seu preço e que muito brevemente o fará... e não será piedoso.
Aos poucos "Tomas" compreende que o mal existe. Que é real. Que espreita a cada momento e que irá reclamar um preço... o preço do passado. Um passado que não ficou esquecido, que tem as suas consequências e que teve as suas vítimas. Um passado que enviou os seus executores (ou carrascos!) e que irá fazer as suas cobranças e forçar as suas punições. Se "Tomas" se revelou como uma inicial vítima de um conflito com o qual ninguém contava e que gerou fatalidades dos vários lados do conflito, foi também real que para estas existirem foram os carrascos de eleição que tomaram as rédeas do mesmo ameaçando os dois lados de uma "fronteira" criada e aprisionando aqueles que indefesos a tentavam passar. Se é verdade que o passado espera na sombra para depois cobrar a sua dívida... Amulet revela que o mesmo o fará sob as mais diversas formas.
No que ao sobrenatural diz respeito... esta longa-metragem revela-se pelo tradicional ao exibir esse "mal" sob a forma de demónios - que serão assumidamente o mais frágil da exposição desta história ou, pelo menos, sob o ganhar forma/corpo dos mesmos - deixando, no entanto, uma interessante premissa (não nova mas ainda assim interessante) de que a violência deu origem ao pecado e este, por sua vez, ao mal que espreita para ganhar espaço no mundo dos humanos aperfeiçoando-se aos poucos até poder estar, um dia, indetectável entre todos e encaminhado pelos seus protectores. A redenção... essa terá de esperar por outro dia, ou por outras mãos, mesmo que estas apenas confirmem de que uma qualquer espécie de justiça já ocorreu... mesmo que testemunhada por poucos e executada em silêncio.
Com uma simpática componente técnica e visual que destaca as nuances, as sombras e os "segredos" desse mal que espreita, Amulet consegue criar dois filmes dentro de um só nunca aperfeiçoando nenhum mas deixando o espectador claramente interessado num único... ou o antes... ou o depois... ficando a junção dos mesmos com um leve travo amargo que promete mas não chega a cumprir.
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6 / 10
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