O Misterioso Caso de Lázaro Lafourcade de Tiago Durão (Portugal) é a mais recente obra do realizador de Eunice ou Carta a Uma Jovem Actriz (2021), curta-metragem de documentário vencedora do Sophia na respectiva categoria.
A família Lafourcade reúne-se depois de serem convocados pelo patriarca Lázaro (Ruy de Carvalho) para discutir o seu testamento. No momento em que todos se preparam para saber quem é o herdeiro de todo o património, Lázaro morre envolto em mistério deixando todos suspeitos do acto. Aurora (Maria José Pascoal) a irmã, Laura (Dalila Carmo), Amélia (Lídia Muñoz) e Raúl (Isac Graça) os filhos e Oscar (Pedro Lamares) o seu genro são agora suspeitos (e suspeitam) de tudo e todos sedentos de saber o que os espera e deixando a descoberto todo um conjunto de segredos que a família tão bem soube esconder.
Assim que este filme começou rápidas foram as memórias que me transportaram para um dos maiores êxitos televisivos dos idos anos 80 como o fora Gente Fina é Outra Coisa, de Luís Andrade. Para lá do evidente elo de ligação entre ambos ao ter o actor Ruy de Carvalho como um dos seus protagonistas foi o facto de toda uma atmosfera de enviar para dentro das paredes da referida série e encontrar-me perante uma história que tem como premissa principal as dinâmicas entre os vários elementos da mesma família.
Se em Gente Fina é Outra Coisa encontrávamos a família "Penha Laredo" que co-habitava no mesmo espaço agudizando dessa forma todas as dinâmicas (boas e menos boas) entre os seus vários elementos, em O Misterioso Caso de Lázaro Lafourcade é a lenta revelação de todo um conjunto de pensamentos e de sentimentos ocultados pelo tempo que, agora enclausurados entre quatro paredes, cedo começam a surgir e fazer notar os ressentimentos que a todos os "Lafourcade" abalam. Dos desejos reprimidos a segredos escondidos pelo tempo, de traições a amores perdidos, do potencial elo familiar que os deveria unir a um conjunto de ódios que os anos alimentaram sem esquecer o desdém que se foi alimentando e que apenas os faz tolerar a breve presença de uns perto dos outros porque o "social" assim obriga. Ninguém entre eles escapa ileso desta reunião que tudo tem menos de familiar e da qual nenhum dos "Lafourcade" irá sair ileso. Mas tudo com muito humor.
Muito une os "Lafourcade" aos já mencionados "Penha Laredo". O viver das aparências, os esquemas milagrosos que se espera possam fazer render algum dinheiro, um conjunto de empregados que está cansado de viver (ou ir vivendo) com a "promessa" de que têm casa, cama e roupa lavada sem que sejam devidamente recompensados por uma vida de trabalho que, uma vez mais, apenas serve para manter as aparências de um certo nível de vida que já não existe mas que o (mais ou menos) bom nome de família ainda lhes confere. Assim todos se suportam - pela possibilidade do bem viver - atacando-se sem limites tentando fazer com que o outro seja tão ou mais infeliz do que a sua própria realidade assim lho tem permitido. Já nenhum dos "Lafourcade" vive uma qualquer alegria que em tempos poderá ter sentido mas sim pela e na esperança de que possa fazer do seu outro membro da família alguém que se sente tão mal quanto o próprio sente. Para lá de ressentimentos mútuos é a ideia de que o "outro" é a razão pela qual a sua felicidade deixou de existir que comanda as acções e sobretudo as palavras que aqui são proferidas entre eles.
Mas que não se deixe enganar o espectador se pensa que esta breve descrição pode fazer pensar que está perante um filme que retrata os dramas familiares de uma forma séria e quase de uma vingança adormecida entre os "Lafourcade". Pelo contrário, aquilo que aqui temos é uma ligeira comédia com um conjunto de momentos bem humorados onde se exploram as dinâmicas de uma família desavinda que procura nos dramas alheios a sua própria redenção ou, por outras palavras, que a desgraça alheia lhes traga algum conforto. Nada melhor do que alguém que se encontra num fim de linha - e com uma acusação de homicídio sobre a sua cabeça - como poder dar vida (e muita cor) a todos os seus pensamentos mais sombrios com e sobre aqueles com quem partilha laços familiares mas também uma mútua aversão e desdém que não são trágicos mas sim cómicos caindo, todos eles, numa espiral que não lhes irá trazer nada de positivo excepto a compreensão de que aquele reduto familiar, por mais agreste que pareça, é o seu único porto seguro onde ninguém precisa fingir ou teatralizar mais do que aquilo que eles próprios são e que todos eles, sem excepção, conhece.
Com uma atmosfera muito própria e que me faz uma vez mais recuar a Gente Fina é Outra Coisa onde a mansão senhorial é, também ela, uma silenciosa personagem desta obra conferindo portanto a todas as demais o seu próprio universo particular dentro das suas paredes destacam-se claro características e traços comportamentais de cada um dos "Lafourcade", há que destacar logo de imediato a figura do patriarca "Lázaro" de Ruy de Carvalho que, ainda que com uma participação mais breve, nos deixa rendidos enquanto espectadores por, uma vez mais, o poder ver no grande ecrã. Intenso e a recordar a matriarca "Matilde de Penha Laredo" tão hábil e mordazmente interpretada pela Sra. D. Amélia Rey Colaço, Ruy de Carvalho é aqui alguém sábio e que conhece melhor do que ninguém aqueles que o rodeiam e especialmente as suas motivações quase sempre duvidosas. À sua volta a irmã "Aurora" (Maria José Pascoal), uma vedeta internacional caída em desgraça que vive às custas dos rendimentos do irmão e que sabe todos os pequenos segredos da família não tendo pudores para os expôr. As filhas "Laura" (Dalila Carmo), "Amélia" (Lídia Muñoz) e o filho "Raúl" (Isac Graça) presos no seu próprio universo e desligados da família que sentem ser pessoas estranhas e distantes com as quais têm de conviver apenas e só por breves momentos e finalmente "Oscar" (Pedro Lamares), marido de "Laura" com a qual mantém uma relação de pouco amor e muito desdém e com a qual mantém apenas as aparências para uma sociedade que... não quer saber deles. Entre esquemas e poucos cuidados restam os empregados da mansão interpretados por Érica Rodrigues e Guilherme Barroso com os seus próprios planos e também eles conhecedores dos meandros desta casa que presa por tudo menos por ser um lar e que, uma vez mais, fazem lembrar aqueles que outrora haviam sido interpretados pelos saudosos Nicolau Breyner e Mariana Rey Monteiro que com parcos recursos e muito savoir faire faziam movimentar uma casa que em muito parecia ter deixado de viver.
Inteligente e simpático pelos seus discursos mordazes e agrestes fruto do apimentado argumento de Tiago Durão e Ana Ramos, O Misterioso Caso de Lázaro Lafourcade recupera um género de comédia há tanto esquecido tanto no cinema como na televisão, que não vive de pequenos momentos cómicos de situação/comédia grotesca assumidamente gratuitos, mas sim de uma história pensada - mesmo que nos momentos mais impossíveis de acreditar - capaz de fazer o espectador rir ou sorrir com gosto por encontrar em todas aquelas personagens pequenos traços e características com as quais se pode rever ou identificar saindo dessa forma da sala de cinema a pensar que o seu tempo passou rápido demais e, tal como eu, recordando outros momentos de épocas que agora já parecem longínquas onde as produções deste género específico eram feitos com gosto e qualidade e onde os actores eram enaltecidos pelo seu potencial e pela construção das suas personagens que davam cor e vida às histórias que ali se propunham contar. Que esteja viva a comédia. Esta comédia.
A família Lafourcade reúne-se depois de serem convocados pelo patriarca Lázaro (Ruy de Carvalho) para discutir o seu testamento. No momento em que todos se preparam para saber quem é o herdeiro de todo o património, Lázaro morre envolto em mistério deixando todos suspeitos do acto. Aurora (Maria José Pascoal) a irmã, Laura (Dalila Carmo), Amélia (Lídia Muñoz) e Raúl (Isac Graça) os filhos e Oscar (Pedro Lamares) o seu genro são agora suspeitos (e suspeitam) de tudo e todos sedentos de saber o que os espera e deixando a descoberto todo um conjunto de segredos que a família tão bem soube esconder.
Assim que este filme começou rápidas foram as memórias que me transportaram para um dos maiores êxitos televisivos dos idos anos 80 como o fora Gente Fina é Outra Coisa, de Luís Andrade. Para lá do evidente elo de ligação entre ambos ao ter o actor Ruy de Carvalho como um dos seus protagonistas foi o facto de toda uma atmosfera de enviar para dentro das paredes da referida série e encontrar-me perante uma história que tem como premissa principal as dinâmicas entre os vários elementos da mesma família.
Se em Gente Fina é Outra Coisa encontrávamos a família "Penha Laredo" que co-habitava no mesmo espaço agudizando dessa forma todas as dinâmicas (boas e menos boas) entre os seus vários elementos, em O Misterioso Caso de Lázaro Lafourcade é a lenta revelação de todo um conjunto de pensamentos e de sentimentos ocultados pelo tempo que, agora enclausurados entre quatro paredes, cedo começam a surgir e fazer notar os ressentimentos que a todos os "Lafourcade" abalam. Dos desejos reprimidos a segredos escondidos pelo tempo, de traições a amores perdidos, do potencial elo familiar que os deveria unir a um conjunto de ódios que os anos alimentaram sem esquecer o desdém que se foi alimentando e que apenas os faz tolerar a breve presença de uns perto dos outros porque o "social" assim obriga. Ninguém entre eles escapa ileso desta reunião que tudo tem menos de familiar e da qual nenhum dos "Lafourcade" irá sair ileso. Mas tudo com muito humor.
Muito une os "Lafourcade" aos já mencionados "Penha Laredo". O viver das aparências, os esquemas milagrosos que se espera possam fazer render algum dinheiro, um conjunto de empregados que está cansado de viver (ou ir vivendo) com a "promessa" de que têm casa, cama e roupa lavada sem que sejam devidamente recompensados por uma vida de trabalho que, uma vez mais, apenas serve para manter as aparências de um certo nível de vida que já não existe mas que o (mais ou menos) bom nome de família ainda lhes confere. Assim todos se suportam - pela possibilidade do bem viver - atacando-se sem limites tentando fazer com que o outro seja tão ou mais infeliz do que a sua própria realidade assim lho tem permitido. Já nenhum dos "Lafourcade" vive uma qualquer alegria que em tempos poderá ter sentido mas sim pela e na esperança de que possa fazer do seu outro membro da família alguém que se sente tão mal quanto o próprio sente. Para lá de ressentimentos mútuos é a ideia de que o "outro" é a razão pela qual a sua felicidade deixou de existir que comanda as acções e sobretudo as palavras que aqui são proferidas entre eles.
Mas que não se deixe enganar o espectador se pensa que esta breve descrição pode fazer pensar que está perante um filme que retrata os dramas familiares de uma forma séria e quase de uma vingança adormecida entre os "Lafourcade". Pelo contrário, aquilo que aqui temos é uma ligeira comédia com um conjunto de momentos bem humorados onde se exploram as dinâmicas de uma família desavinda que procura nos dramas alheios a sua própria redenção ou, por outras palavras, que a desgraça alheia lhes traga algum conforto. Nada melhor do que alguém que se encontra num fim de linha - e com uma acusação de homicídio sobre a sua cabeça - como poder dar vida (e muita cor) a todos os seus pensamentos mais sombrios com e sobre aqueles com quem partilha laços familiares mas também uma mútua aversão e desdém que não são trágicos mas sim cómicos caindo, todos eles, numa espiral que não lhes irá trazer nada de positivo excepto a compreensão de que aquele reduto familiar, por mais agreste que pareça, é o seu único porto seguro onde ninguém precisa fingir ou teatralizar mais do que aquilo que eles próprios são e que todos eles, sem excepção, conhece.
Com uma atmosfera muito própria e que me faz uma vez mais recuar a Gente Fina é Outra Coisa onde a mansão senhorial é, também ela, uma silenciosa personagem desta obra conferindo portanto a todas as demais o seu próprio universo particular dentro das suas paredes destacam-se claro características e traços comportamentais de cada um dos "Lafourcade", há que destacar logo de imediato a figura do patriarca "Lázaro" de Ruy de Carvalho que, ainda que com uma participação mais breve, nos deixa rendidos enquanto espectadores por, uma vez mais, o poder ver no grande ecrã. Intenso e a recordar a matriarca "Matilde de Penha Laredo" tão hábil e mordazmente interpretada pela Sra. D. Amélia Rey Colaço, Ruy de Carvalho é aqui alguém sábio e que conhece melhor do que ninguém aqueles que o rodeiam e especialmente as suas motivações quase sempre duvidosas. À sua volta a irmã "Aurora" (Maria José Pascoal), uma vedeta internacional caída em desgraça que vive às custas dos rendimentos do irmão e que sabe todos os pequenos segredos da família não tendo pudores para os expôr. As filhas "Laura" (Dalila Carmo), "Amélia" (Lídia Muñoz) e o filho "Raúl" (Isac Graça) presos no seu próprio universo e desligados da família que sentem ser pessoas estranhas e distantes com as quais têm de conviver apenas e só por breves momentos e finalmente "Oscar" (Pedro Lamares), marido de "Laura" com a qual mantém uma relação de pouco amor e muito desdém e com a qual mantém apenas as aparências para uma sociedade que... não quer saber deles. Entre esquemas e poucos cuidados restam os empregados da mansão interpretados por Érica Rodrigues e Guilherme Barroso com os seus próprios planos e também eles conhecedores dos meandros desta casa que presa por tudo menos por ser um lar e que, uma vez mais, fazem lembrar aqueles que outrora haviam sido interpretados pelos saudosos Nicolau Breyner e Mariana Rey Monteiro que com parcos recursos e muito savoir faire faziam movimentar uma casa que em muito parecia ter deixado de viver.
Inteligente e simpático pelos seus discursos mordazes e agrestes fruto do apimentado argumento de Tiago Durão e Ana Ramos, O Misterioso Caso de Lázaro Lafourcade recupera um género de comédia há tanto esquecido tanto no cinema como na televisão, que não vive de pequenos momentos cómicos de situação/comédia grotesca assumidamente gratuitos, mas sim de uma história pensada - mesmo que nos momentos mais impossíveis de acreditar - capaz de fazer o espectador rir ou sorrir com gosto por encontrar em todas aquelas personagens pequenos traços e características com as quais se pode rever ou identificar saindo dessa forma da sala de cinema a pensar que o seu tempo passou rápido demais e, tal como eu, recordando outros momentos de épocas que agora já parecem longínquas onde as produções deste género específico eram feitos com gosto e qualidade e onde os actores eram enaltecidos pelo seu potencial e pela construção das suas personagens que davam cor e vida às histórias que ali se propunham contar. Que esteja viva a comédia. Esta comédia.
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