A Escondidas de Mikel Rueda é uma longa-metragem espanhola presente na secção competitiva de longas-metragens da décima-nona edição do QueerLisboa - Festival Internacional de Cinema Queer que decorre no Cinema São Jorge, em Lisboa até ao próximo dia 26 de Setembro.
Ibrahim (Adil Koukouh) é um jovem marroquino de quatorze anos que se encontra num centro de refugiados numa qualquer cidade espanhola. Um dia cruza-se com Rafa (Germán Alcarazu), um jovem espanhol da mesma idade e que tal como Ibrahim, pratica pólo aquático.
Entre os dois desenvolve-se uma química imediata que os faz quererem aproximar-se mas, para não saírem daquele que é considerado o seu "círculo normal", é às escondidas que a sua amizade e primeiro amor se desenvolve.
A segunda longa-metragem do realizador espanhol que é também autor do seu argumento, cruza um conjunto de elementos que a fazem transformar-se não só numa história sensível de auto-descoberta como também uma que aborda de forma franca e séria assuntos que estão tão na ordem do dia nesta Europa como a crise de refugiados bem como aqueles que aos poucos deixam de ser temas tabu como a homossexualidade adolescente e que de forma cândida demonstram que o poder da amizade ultrapassa todas as fronteiras - e barreiras - que a comunidade tenta por vezes manter vivas.
A Escondidas tem uma interessante abordagem sobre as diferenças que podem inicialmente colocar-nos num grupo e que, ao mesmo tempo, nos excluem dos demais que será o mesmo que dizer, uma vez tendo garantido a entrada num todos os restantes são obrigatoriamente diferentes e indesejados criando por um lado um sentimento de pertença e inclusão mas por outro um de exclusão e indiferença deixando os intervenientes - neste caso "Ibrahim" e "Rafa" - divididos entre dois mundos que podem ser pequenas partes do seu próprio "eu". Como resultado último, é esta dualidade que os coloca como agentes solitários naquele que poderia ser o seu "meio" vivendo assim uma sensação de auto-exclusão no mesmo.
Se por um lado o espectador é então inserido nesta dinâmica - ou falta dela - de grupos, não é menos verdade que assiste com a mesma distância a uma crescente e inicial atracção entre os dois jovens sendo inicialmente uma amizade que rapidamente se torna perceptível ser a origem de algo mais. O primeiro beijo, retirado após consequências mais extremas, revela que existe e se criou entre "Ibrahim" e "Rafa" um elo mais forte do que aquele que esperavam. A descoberta do "outro" e da própria sexualidade ganham então um novo rumo quando surge "Marta" uma jovem adolescente que revela uma paixoneta por "Rafa" e que é "aprovada" pelos amigos desconhecedores daquilo que realmente faz vibrar o seu jovem coração.
É então neste misto de dilemas que o espectador assiste não só a uma história de auto-descoberta - sentimental e nunca sexual - mas que também é sobre o poder da amizade, sobre os elos infinitos que esta consegue estabelecer e principalmente sobre a pureza da mesma quando sentida sem perguntas, sem favores e sem contrapartidas. Mas, é também uma história sobre o intenso drama dos refugiados que chegam à Europa vindos de condições quase sempre desconhecidas e que apenas agora têm sido dadas a conhecer à população. Histórias essas que os próprios tentam esquecer - "Ibrahim" nunca revela em que condições chegou ao nosso continente sendo para ele um assunto tabu - mas que percebemos serem extremas e penosas e que não termina aquando da sua chegada à Europa. É aqui que todo o drama ganha novos contornos estando aqueles que requerem asilo constantemente à espera que este seja negado e que tenham pela frente toda uma viagem de regresso às suas origens onde eventualmente a morte os espera.
Pelo caminho - ou viagem - o que reter? Guarda-se uma esperança, a ideia da oportunidade, um espaço possivelmente mais seguro e tranquilo... Mas principalmente a hipótese de um amor - ainda puro e que nada cobra - e sobretudo as amizades daqueles que se arriscam e à sua própria segurança para manter tranquilos aqueles a quem (se) dedica(m) de coração. Pelo caminho fica também a esperança de que toda esta história seja observada com alguma distância por alguém próximo que possa ver nela uma história de transformação... de uma nova perspectiva... aqui representada por "Guille" (Joseba Ugalde), o eterno amigo de "Rafa" que assiste a toda uma sua transformação num silêncio comprometedor mas que também a ele o definem como um amigo verdadeiro.
O futuro - desconhecido - apenas se define pelas experiências que toda esta era na vida destes jovens lhe transmitiu... o valor e o poder da amizade... a entrega a um amor puro... a confiança que se pode ter no "outro" e principalmente a quebra de barreiras socialmente - ou culturalmente - impostas que, na prática, nada definiam a não ser a própria exclusão.
Com sentidas e tocantes interpretações de Alcarazu e Koukouh que denotam uma química quase imediata, A Escondidas transforma-se rapidamente num filme sensível e focado nas emoções humanas - de amizade, sentimentais e até mesmo para com aqueles que são perfeitos estranhos - e na capacidade de nos aproximarmos do "outro" vendo nele uma extensão de alguém que poderia ser "eu".
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8 / 10
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