A Instalação do Medo de Ricardo Leite é uma curta-metragem portuguesa de ficção vencedora dos Sophia Estudante que decorreram na passada semana no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Uma mulher (Margarida Moreira) sózinha em casa. Um homem (Nuno Janeiro) e o seu assistente (Cândido Ferreira) batem-lhe à porta. Estão ali - dizem - para instalar o medo.
Com argumento do próprio realizador baseado na obra de Rui Zink, A Instalação do Medo é uma interessante e mordaz curta-metragem que reflecte sobre o medo. O medo humano. Aquilo que todo e qualquer um de nós sente de forma mais ou menos racional face a um determinado elemento que colhe e intimida aquele que dele sofre colhendo, muito lentamente, tudo aquilo que nos identifica e caracteriza enquanto humanos que somos... De sentimentos à dignidade, a consciência(lização) deste "medo" a algo domina e mina a existência do Homem...
Socialmente o "medo" é a compreensão e mais tarde consciencialização de algo que pode - de uma ou outra forma - suscitar a repressão ou inibição do desejo e, como tal, o domínio face àquele que na pirâmide do poder se considera como o elemento mais fraco. De dominador a dominado, e com a sempre provável inversão dessa mesma pirâmide, todo o Homem vive numa dicotomia de omissão versus vivência do seu medo mantendo uma racionalidade que nem sempre joga a seu favor. Aqui, o realizador Ricardo Leite cria, e de forma muito mordaz, a execução desse medo na vida de alguém mais frágil, isolado e solitário.
A "Mulher" - numa intensa interpretação de Margarida Moreira - é apresentada ao espectador com alguém frágil que se apresenta ausente da sociedade dita normal. Alguém colhido por uma repressão aparentemente auto-imposta e que se distancia de todos os elementos exteriores que são - para ela - nocivos ao seu bem-estar. Para lá da porta da sua casa tudo a pode prejudicar e ela mais não é - assim nos dá a conhecer - que uma vítima desse já não tão admirável mundo novo. Recolhida ao seu anonimato - ela poderia ser qualquer um de nós -, esta "Mulher" é incomodada no seu espaço de auto-reclusão por dois homens que são emissários de uma qualquer nova ordem mundial - o seu discurso parece suficientemente intimidante para que não o possamos considerar fruto de um regime totalitário (afinal, não será o medo o seu melhor aliado?!) - que se impõe pela invasão e a perturbam pelo seu tom de ameaça. Enquanto divagam sobre um medo que se instala - que eles instalam - o espectador assume a quebra de um espírito que se deixou domar e recorda a tensa atmosfera de Funny Games (1997), de Michael Haneke onde nenhuma saída parece existir.
É de transformações, não só na compreensão dessa nova sociedade "lá fora" mas também das personagens naquele apartamento, que A Instalação do Medo "vive". Se da "Mulher" muito cedo compreendemos que existe algo para lá daquilo que o seu silêncio esconde, é nos dois homens que estas se sentem de forma mais determinante. Se inicialmente os dividimos na força psicológica - Nuno Janeiro - e na física - Cândido Ferreira - é também fácil de constatar que o primeiro tenta espalhar o medo pela forma como se impõe (quase) física e dominadora a uma mulher indefesa que a única coisa que deseja é que tudo aquilo termine rapidamente, enquanto o segundo, mais "manual" e que reage quase por impulso ao que o outro diz, pouco parece perceber a real dimensão dos seus actos. De força ideológica - Janeiro - à sua prática - Ferreira - ambos oscilam no domínio mais ou menos consciente que exercem sobre a mulher indefesa e sujeita aos caprichos de dois "técnicos do regime".
É de transformações, não só na compreensão dessa nova sociedade "lá fora" mas também das personagens naquele apartamento, que A Instalação do Medo "vive". Se da "Mulher" muito cedo compreendemos que existe algo para lá daquilo que o seu silêncio esconde, é nos dois homens que estas se sentem de forma mais determinante. Se inicialmente os dividimos na força psicológica - Nuno Janeiro - e na física - Cândido Ferreira - é também fácil de constatar que o primeiro tenta espalhar o medo pela forma como se impõe (quase) física e dominadora a uma mulher indefesa que a única coisa que deseja é que tudo aquilo termine rapidamente, enquanto o segundo, mais "manual" e que reage quase por impulso ao que o outro diz, pouco parece perceber a real dimensão dos seus actos. De força ideológica - Janeiro - à sua prática - Ferreira - ambos oscilam no domínio mais ou menos consciente que exercem sobre a mulher indefesa e sujeita aos caprichos de dois "técnicos do regime".
Mas a grande questão de A Instalação do Medo centra-se no que acontece quando alguém resiste e provoca pelo silêncio? O que surge quando o jogo do "gato e do rato" é quebrado e os papéis de dominador e dominado se invertem? Quem será a verdadeira vítima? Deverá esta ter e sentir o verdadeiro medo ou, por sua vez, aquilo que exibiu mais não foi do que uma ardilosa ratoeira prestes a caçar o agressor mais desprevenido? A presença - Moreira - que atrai pela suposta fragilidade acaba por ser aquela que revela os verdadeiros instrumentos para a manutenção da sua segurança e, como tal, da sua auto-preservação desconhecida para os mais "inocentes" intrusos.
Do ambiente tenso às interpretações seguras e simbólicas representativas de uma "nova" sociedade, A Instalação do Medo firma-se como um forte candidato ao prémio máximo da Academia Portuguesa de Cinema e um interessante marco no cinema do género aqui tão bem executado pelo seu realizador que não deve deixar de ser "vivido".
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"Homem: (...) Viemos para instalar o medo..."
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8 / 10
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