quarta-feira, 10 de maio de 2017

Ojos Claros (2016)

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Ojos Claros de Ricardo Vargas Lozano é uma curta-metragem mexicana presente na secção competitiva Internacional da oitava edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorre na Cantábria, em Espanha.
Um homem aparentemente solitário recebe, ao regressar do trabalho, uma misteriosa caixa que fora deixada à porta da sua casa. No interior encontram-se, em vídeo, as memórias de Carlos, um jovem com quem tem uma ainda não explicada mas forte relação.
A curta-metragem de Vargas Lozano é desde os instantes iniciais, aquele género de filme ao qual o espectador se prende de forma inexplicável. Dividida em dois claros momentos - aquele em que o homem mais velho e desgastado por uma vida aparentemente difícil e um segundo em que o próprio observa a vida que supõe (supomos) feliz de "Carlos" e "Karen" (a sua namorada) -, Ojos Claros é cativante pela forma como deixa o espectador ser levado por uma história passada reflectida no presente e que, ainda que previsível em certa medida, se transforma numa revelação que esperamos ter aquele desfecho de "encontro" entre as suas personagens principais.
Entre passado e presente - ambos inconclusivos -, o espectador conhece este homem mais velho, solitário e aparentemente desgostoso na vida que leva, minimalista não pelos poucos pertences que possa eventualmente ter mas sim pela condição em que se apresenta como alguém desprovido de ligações reais com o mundo "lá fora", entregando-se a uma continuidade esperada que tem como fim último a sua própria extinção. Por outro lado, ao receber aquela caixa misteriosa com um vídeo sobre a vida do jovem "Carlos", compreendemos que a sua vida ganha um estranho e até improvável novo alento esperando - talvez - encontrar naquela vida sentimentalmente bem sucedida uma qualquer redenção para a sua que está, como sabemos, incompleta.
É naquele vídeo que observamos vida, felicidade, amor, alguma tristeza, cumplicidade e entrega. Encontramos a soma de todos os sentimentos e sensações que, na realidade, todos deveriam experimentar e viver nesta breve passagem a que vulgarmente todos chamamos de vida mas, ao mesmo tempo, este vídeo teve um objectivo e um propósito que apenas mais tarde compreenderemos. Algo teria de suceder para que estes dois homens - frutos de duas distintas gerações - se encontrassem e se conhecessem... talvez não da forma esperada... ou talvez daquela que era a única e possível, mas o seu encontro e o saber que ambos existiam foi, de forma mais ou menos trágica, a confirmação de que ambos existiam, viveram e experimentaram todas as alegrias mas também os dissabores de uma realidade presente.
Para ambos aquela praia é o símbolo de uma vida desejada - confirmada ou por confirmar apenas o futuro o poderá ditar -, que os completa e que lhes dá algum tipo de significado e validação. Duas vidas que os seus actores encarnam como uma alma reveladora dos seus âmagos, das suas fraquezas mas sobretudo das suas inesperadas forças. Duas vidas que, no momento certo, confirmam que eles tiveram e presenciaram essa tal "breve passagem" independentemente da sua respectiva duração... ambos experimentaram o amor e, em certa medida, ambos existem sob formas diferentes como um resultado directo desse mesmo amor... confirmado, perdido mas sobretudo vivido.
Ricardo Vargas Lozano cria portanto uma curta-metragem emotiva, emocionante mas sobretudo que espelha de forma exemplar os caminhos de um coração que viveu. De um coração que simplesmente existiu e para lá da perpetuação - ou não - do seu fruto, conseguiu trazer de uma vida desaparecida as suas almas de volta ao reino dos ditos vivos.
Intensa e capaz de deixar o espectador esperar pelo instante seguinte com ânsia e o seu próprio sofrimento, Ojos Claros é a confirmação de um belíssimo contador de histórias como o é Ricardo Vargas Lozano e um dos filmes maiores da edição deste ano do Piélagos en Corto.
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9 / 10
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