As Matilhas de Kamal Lazraq (Marrocos/França/Bélgica/Qatar/Arábia Saudita) foi a longa-metragem que hoje serviu de abertura não-oficial da 17ª edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa que decorre no Cinema São Jorge até ao próximo dia 18 de Setembro.
Hassan (Abdellatif Masstouri) e Issan (Ayoub Elaid), pai e filhos nas ruas de Casablanca sobrevivem de pequenos crimes muitos dos quais associados à luta de cães em que participam contra bandos marginais rivais. É quando o chefe de Hassan o manda raptar um dos seus opositores que a vida deste homem, e do seu filho que o auxilia, muda radicalmente enfrentando muito mais do que os perigos de uma vida que a lei já abandonou há muito.
Não só filme de abertura desta edição do festival como também na secção Serviço de Quarto, Les Meutes apresenta uma abordagem algo diferente aos filmes de género. Longe de ser um conto de terror, pelo menos um dos ditos "tradicionais" onde este surge sob uma qualquer forma sobrenatural, a obra de Lazraq apresenta-nos um conto de terror urbano (se assim lhe podermos chamar) onde as sombras da noite escondem não um qualquer monstro fastasmagórico mas sim aquele que a marginalidade esconde. As lutas de gangues, a violência animal, a morte, o tráfico de favores e influências e o poder do mais forte mesclam-se num conto do qual, compreendemos a certo ponto, nenhuma das suas personagens irá sair ilesa.
As matilhas - numa clara e inteligente abordagem aos diferentes grupos que tentam e testam o poder no "outro lado" das ruas -, disputam a sua influência e o poder conquistado pela supremacia que deduzem ter sobre os demais graças a pequenos actos marginais e marginalizados que fazem vibrar as suas noites. E o primeiro de cair... é o primeiro conquistado. As lutas de cães - animal considerado impuro e até mesmo demoníaco para o Islão -, assumem aqui a forma de purificação que um acto marginal utiliza não só para se glorificar junto dos seus opositores como, ao mesmo tempo, funciona como a forma que os seus "mestres" encontram para purificar as ruas "infestadas" como estes animais desprezados na respectiva sociedade. Não é ao acaso que os cães logo de início são revelados como seres grotescos, utilizados para a matança do inimigo indesejado e, já no final, representados como seres moribundos que vagueiam pelas ruas mais sujas de uma cidade que os abandonou algures à sua sorte... e à sorte dos restos que, também eles, ficaram esquecidos.
Não existe aqui nenhum desfecho considerado melhor... a pobreza é latente na representação de "Hassan" e "Issan" bem como a matriarca da filha já envelhecida e desgastada pelo tempo mas com um elevado sentido de espiritualidade que não perde. Boa parte dos marginais tidos como imbatíveis acabam por ser alvo da sua própria arrogância revelando-se frágeis e perdidos no suposto reino que criaram e perderam. Os perdedores até então assumem a vitória sob um império destruído que, a seu tempo, irão também eles degladiar-se para poderem proclamar-se como vitoriosos sobre algo irreal e os mortos, esses partidos, acabam por ser espelho de um triste e ignóbil fim e "prato" daqueles que procuram subsistir mais um dia.
Les Meutes é, a partir de dado momento, a compreensão de que se assiste a uma história de perdedores, de derrotas e de falhanços que, associados a um inexplicável misticismo, conferem "aos pobres" aquilo que os faz aguentar mais um dia... a esperança de que na "outra vida" possa existir algo que renda os seus poucos actos de misericórdia em vida conferindo-lhes a salvação no além... Todos são perdedores e o dia de amanhã não irá ser melhor. Ainda que não o saibam. Todos lutam por resistir mais um dia... e isso compreendem reflectindo-se nos breves momentos em que se encaram olhos nos olhos.
Atípico filme de terror - se é que o poderemos considerar enquanto tal -, Les Meutes é sobretudo um filme de resistência e de sobrevivência sobre aqueles que compreenderam e aceitam no silêncio não ir ver nada de bom, ou pelo menos diferente, na sua vida mas que ainda assim resistem à esperança de ver mais um dia.
Hassan (Abdellatif Masstouri) e Issan (Ayoub Elaid), pai e filhos nas ruas de Casablanca sobrevivem de pequenos crimes muitos dos quais associados à luta de cães em que participam contra bandos marginais rivais. É quando o chefe de Hassan o manda raptar um dos seus opositores que a vida deste homem, e do seu filho que o auxilia, muda radicalmente enfrentando muito mais do que os perigos de uma vida que a lei já abandonou há muito.
Não só filme de abertura desta edição do festival como também na secção Serviço de Quarto, Les Meutes apresenta uma abordagem algo diferente aos filmes de género. Longe de ser um conto de terror, pelo menos um dos ditos "tradicionais" onde este surge sob uma qualquer forma sobrenatural, a obra de Lazraq apresenta-nos um conto de terror urbano (se assim lhe podermos chamar) onde as sombras da noite escondem não um qualquer monstro fastasmagórico mas sim aquele que a marginalidade esconde. As lutas de gangues, a violência animal, a morte, o tráfico de favores e influências e o poder do mais forte mesclam-se num conto do qual, compreendemos a certo ponto, nenhuma das suas personagens irá sair ilesa.
As matilhas - numa clara e inteligente abordagem aos diferentes grupos que tentam e testam o poder no "outro lado" das ruas -, disputam a sua influência e o poder conquistado pela supremacia que deduzem ter sobre os demais graças a pequenos actos marginais e marginalizados que fazem vibrar as suas noites. E o primeiro de cair... é o primeiro conquistado. As lutas de cães - animal considerado impuro e até mesmo demoníaco para o Islão -, assumem aqui a forma de purificação que um acto marginal utiliza não só para se glorificar junto dos seus opositores como, ao mesmo tempo, funciona como a forma que os seus "mestres" encontram para purificar as ruas "infestadas" como estes animais desprezados na respectiva sociedade. Não é ao acaso que os cães logo de início são revelados como seres grotescos, utilizados para a matança do inimigo indesejado e, já no final, representados como seres moribundos que vagueiam pelas ruas mais sujas de uma cidade que os abandonou algures à sua sorte... e à sorte dos restos que, também eles, ficaram esquecidos.
Não existe aqui nenhum desfecho considerado melhor... a pobreza é latente na representação de "Hassan" e "Issan" bem como a matriarca da filha já envelhecida e desgastada pelo tempo mas com um elevado sentido de espiritualidade que não perde. Boa parte dos marginais tidos como imbatíveis acabam por ser alvo da sua própria arrogância revelando-se frágeis e perdidos no suposto reino que criaram e perderam. Os perdedores até então assumem a vitória sob um império destruído que, a seu tempo, irão também eles degladiar-se para poderem proclamar-se como vitoriosos sobre algo irreal e os mortos, esses partidos, acabam por ser espelho de um triste e ignóbil fim e "prato" daqueles que procuram subsistir mais um dia.
Les Meutes é, a partir de dado momento, a compreensão de que se assiste a uma história de perdedores, de derrotas e de falhanços que, associados a um inexplicável misticismo, conferem "aos pobres" aquilo que os faz aguentar mais um dia... a esperança de que na "outra vida" possa existir algo que renda os seus poucos actos de misericórdia em vida conferindo-lhes a salvação no além... Todos são perdedores e o dia de amanhã não irá ser melhor. Ainda que não o saibam. Todos lutam por resistir mais um dia... e isso compreendem reflectindo-se nos breves momentos em que se encaram olhos nos olhos.
Atípico filme de terror - se é que o poderemos considerar enquanto tal -, Les Meutes é sobretudo um filme de resistência e de sobrevivência sobre aqueles que compreenderam e aceitam no silêncio não ir ver nada de bom, ou pelo menos diferente, na sua vida mas que ainda assim resistem à esperança de ver mais um dia.
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