segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Ben-Hur (2016)

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Ben-Hur de Timur Bekmambetov é a mais recente longa-metragem norte-americana do realizador cazaque e um remake - bem livre digamos - do clássico de William Wyler de 1959 interpretado por Charlton Heston e um dos três filmes recordistas dos prémios da Academia.
Judah Ben-Hur (Jack Huston) é um príncipe na Judeia ocupada por Roma. Respeitado pelos demais, partilha os seus dias tranquilos na companhia da mãe Naomi (ayelet Zurer), da irmã Tirzah (Sofia Black D'Elia) de vários empregados onde se destaca Esther (Nazanin Boniadi) por quem se apaixona e ainda com Messala (Toby Kebbell) o irmão adoptivo.
Quando a competição entre os dois irmãos se torna insuportável demais, Messala decide embarcar numa viagem para Roma onde espera tornar-se um homem de respeito na sociedade mas, aquando do seu regresso à Judeia, a sua relação com Judah degrada-se ao ponto de se tornar dois rivais num território ocupado pela infâmia, guerra e divisões políticas e religiosas.
Qualquer descrição ou mini-sinopse que possa fazer sobre a respeito desta nova incursão no clássico Ben-Hur é, assumidamente, pouco inspirada. E digo isto porquê?! Simples... Para qualquer cinéfilo que goste destes grandes épicos que marcaram a história do cinema e que à custa dos tão cobiçados troféus de Hollywood se transformaram em filmes intocáveis com uma mensagem muito própria - e eterna - sobre a condição humana, os remakes, adaptações (livres) ou sequelas são, no mínimo, insultuosas quando não respeitam a memória e o legado que as mesmas deixaram.
Keith R. Clarke e John Ridley - este último vencedor do Oscar de Melhor Argumento Adaptado com 12 Years a Slave - re-escrevem aquilo que todos nós conhecemos do clássico da década de 50. No épico de William Wyler, temos um "Judah Ben-Hur" (Heston) respeitado sim, amado pelos seus sim, descrente quanto baste sim mas... com ligações muito próprias àqueles que o rodeiam. Desde um "Messala" com quem é amigo e não irmão, cúmplices mas ao mesmo tempo distantes pelo espaço geográfico que os separou - talvez aqui a dupla Clarke e Ridley quisessem levar o espectador ao seu passado - e que não destruindo a amizade os apresenta uma vez mais agora como homens adultos e donos das suas próprias "casas". Ou mesmo a relação cúmplice com a mãe "Miriam" (1959) que agora se apelida de "Naomi" transformando-se também ela num elo mais frio e pouco familiar, ou com "Tirzah" - a irmã - que tão importante, apesar de secundário, desempenho tem e que aqui se esbate numa quase participação especial sem nexo e tão pouco conteúdo para lá de uma potencial conspiradora que nunca se assume de facto. Mais, enquanto no clássico de Wyler a relação entre "Judah" e "Esther" se fundamenta essencialmente numa corte e numa paixão declarada, nesta versão recente e hiper-acelerada não só se confirma o casamento como uma rápida e inesperada separação...
Num misto de flashback onde o antes rapidamente se avizinha do depois, e neste presente até "Cristo" (Rodrigo Santoro) se afirma por alguns discursos para que o espectador perceba quem ele é - não fosse ter escapado ao espectador o detalhe da carpintaria - nem a relação entre o príncipe judeu e "Ilderim" - antes Hugh Griffith agora Morgan Freeman - tem aquele requinte de malícia que as palavras fazem transparecer ou a verve incutida por um "matreiro" Griffith num desempenho que, aliás, lhe granjeou o único Oscar da sua carreira.
As pequenas preciosidades que se transformam numa versão mais actualizada, mais movimentada e até mais politicamente correcta deste século XXI não conseguem, também elas, contribuir para uma maior credibilização desta história que parece querer enterrar-se nas areias do deserto com uma rapidez alucinante. Primeiro comecemos pela franca necessidade em transformar a telha de um telhado numa flecha atirada por um conspirador... se a vontade é demonstrar um acidente voluntariamente não compreendido, havia necessidade de transformá-lo num caso político encetado pelos "terroristas" de então que não desejam a presença dos Romanos?! Segundo, a clara omissão do rosto de Cristo no clássico de Wyler que aqui é transformado num todo presente Rodrigo Santoro com discursos bonitos sobre a humanidade... Ora, se Cristo conquistava com uma presença desarmante que fazia tremer aqueles que com ele se cruzavam, não parece um clímax perdido graças à imprudente verbalização daquilo que deveria estar no coração dos homens ou de actos beneméritos que, na prática, mais não são do que tapa buracos?  A atribuição de um rosto a Cristo ou até mesmo o seu pós-assassinato - pouco inspirado, diga-se -, em nada têm a ver com o da década de 50 que se constitui como um dos momentos mais fortes e dramáticos no género. Finalmente, o segmento nas galés que em nada dignifica nem este... nem o clássico Ben-Hur. Ao contrário do clássico de Wyler, aqui todo este breve - que o é - segmento, não consegue conter metade da tensão dramática, deixando apenas um ligeiro apontamento de que sim, "Ben-Hur" esteve lá prezo. Onde está a tensão dramática das incomodativas batidas para criar o ritmo a que o barco deveria navegar? Onde está o desdém entre "Ben-Hur" e "Quintus Arrius" (Jack Hawkins) que mais tarde se transformaria numa suprema amizade e dedicação levando este último a adoptar o príncipe da Judeia? Ou até mesmo a invisível batalha naval que os condena a uma solitária travessia no mar? Onde está todo o infame vale dos leprosos para onde as inocentes "Miriam" e "Tirzah" são levadas e onde sobrevivem graças a uma cúmplice "Esther" que aqui - versão 2016 - está mais preocupada com a palavra de Cristo esquecendo a amabilidade e empatia que partilha com a sua - não assumida - família? Não... este Ben-Hur não me convenceu.
Não me convenceu pela óbvia e voluntária omissão de importantes detalhes que transformam toda a mensagem - bíblica, política e humanitária - da obra de Wyler (mesmo que os tempos "reais" fossem assumidamente outros), nem tão pouco pelos desempenhos "ultra-modernos" também eles preocupados com uma imagem Hollywoodesca que se tem de manter e não com a veracidade e credibilidade da época, dos momentos ou tão pouco da mensagem. Aqui, o bem também triunfa, é um facto, mas triunfa de uma forma quase paternalista e pouco isenta. Aqui todos sobrevivem e ultrapassam os seus problemas porque afinal... somos todos "irmãos". As químicas entre as diversas personagens foram em tempos indiferentes, distantes ou até mesmo indesejadas - que o confirme "Messala" e os impróprios olhares de "Naomi" - mas "agora", depois de uma dura corrida no circo romano - novamente, nem esta se aproxima da magnificência do de 1959 - todos compreendem que são "família", que todos se desejam e que a vida - tal como refere o "Ilderim" de Morgan Freeman... está para a frente.
Assim, o único elemento a manter semelhanças entre as obras de Wyler e Bekmambetov está, no entanto, na premissa de uma Roma impiedosa, de um Império forjado no sofrimento alheio que desespera pelo sangue das suas vítimas, transformando todos aqueles que vibram com o mesmo em novos - mas não iguais - "romanos" longe de Roma e portanto, toda uma vontade de ódio e vingança que apenas seriam acalmadas pela presença de um Cristo redentor que apela ao coração dos homens numa época e num espaço onde este insiste em não existir. Cristo esse que nem a sua morte tráz a redenção dos homens e que, enquanto elemento de dramatização da obra, deixa muito a desejar em relação ao magnetismo que Wyler conseguiu recriar... há quase cinquenta anos.
Com inspirações assumidamente desinspirada de Jack Huston e Toby Kebbell e nem tão pouco a sentida presença de Morgan Freeman consegue fazer-se notar, este Ben-Hur acaba por se transformar muito rapidamente, no mais recente título a incorporar a próxima listagem dos Razzies e daquele grande novo épico que... não o chegou a ser vencendo apenas em apontamentos técnicos como o guarda-roupa ou a direcção artística que não chegam para a credibilidade do mesmo que, já de si inexistente, se afunda com a inserção de uma canção original já bem perto do final cujo único propósito é... awards season.
Eventualmente interessante para uma nova geração de potenciais cinéfilos que miram os clássicos como obras pesadas e aborrecidas - shame on you - e que aqui vêem novos e frescos rostos a interpretar personagens diferentes naquilo que se chamava antigamente de "filme bíblico" mas que agora mais parece querer converter-se numa filme de acção... de época falhando, no entanto, em todas as suas eventuais pretensões. Nada contra Bekmambetov, afinal sou um fã confesso de Wanted com Angelina Jolie e o grande Morgan Freeman mas, na prática, aqui falhou redondamente em qualquer desejo de criar um novo épico que se recorde com bons olhos num futuro imediato.
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4 / 10
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