Nylon da Minha Aldeia de Possidónio Cachapa, que também assina o argumento baseado na obra por si escrita, é uma curta-metragem portuguesa que esteve seleccionada para a última edição dos Caminhos do Cinema Português em Coimbra, e onde venceu o prémio de Melhor Actor atribuído a Cristovão Campos, pela sua ousada e brilhante interpretação.
Esta curta-metragem faz-nos viajar para um Alentejo profundo dos anos 70 do século passado onde uma invulgar e proibida história de amor ocorre.
Marcelo (Campos) é um jovem deste Alentejo que estando numa viagem de auto-descoberta da sua homossexualidade, numa sociedade que a condena veemente, desenvolve por Sérgio (Tomás Alves) uma paixão que é, também ela, vivida em segredo... até um dia.
Se Marcelo aceita a sua sexualidade, o mesmo não se pode dizer de Sérgio que não a reprimindo, também não a aceita, limitando-se assim a encontros furtuitos e desprovidos de qualquer tipo de sensibilidade. No dia em que os seus encontros se tornam do conhecimento da vila, a população repudia-o e aponta-o como aquele que é "diferente". É então que Marcelo descobre as misteriosas saídas nocturnas de Lurdes (Anabela Teixeira), outra das inadaptadas da aldeia, com quem irá desenvolver uma aparentemente proibida amizade.
Consideravelmente desprovida de diálogos, este curta-metragem consegue transmitir todas as mensagens pretendidas apenas com olhares, com gestos e com momentos que nos caracterizam na perfeição as três personagens principais bem como todo o sentimento de uma pequena aldeia que enfrenta a um dado momento aquilo que consideram como sendo o "desconhecido".
A composição de "Marcelo" pelas mãos de Cristovão Campos, que tem aqui decididamente a interpretação que o define como um dos actores a ter em consideração para o futuro, consegue ser um misto de determinação e descoberta que se confundem entre si. Por um lado entrega-nos um olhar sobre a sua sexualidade e sobre o meio que o rodeia que da mesma forma que se complementam acabam por se distanciar por pertencerem a mundos fundamentalmente distantes. Aquilo que ele descobre e assume para si é, imediatamente, repudiado pelos costumes tradicionais e conservadores de uma comunidade que não está preparada nem tão pouco quer aceitá-lo. Tudo isto consegue estar equilibradamente representado e transmitido por toda a sua postura nesta interpretação, fazendo com que se perceba a cada instante que aquele lugar é pequeno demais para ele poder exprimir não só o que sente como também aquilo que ele é.
A seguir a mesma linha de caracterização de personagem encontra-se a "Lurdes" a que a actriz Anabela Teixeira dá corpo e alma. Uma mulher que vive e recria todos os momentos e actos que uma mulher "deve" (ou era suposto) fazer naquela pequena comunidade onde todos se conhecem e de que não é esperado nada mais do que o "habitual", ela encontra como único escape para a sua vida. De dia o silêncio acompanha-a e é a única forma que encontra de sobreviver à banalidade que enfrenta em cada pessoa com quem se cruza, assumindo assim a única forma possível de resistir ao que a rodeia, postura esta que entra em choque com as suas misteriosas saídas nocturnas nas quais espanta todo o seu silêncio e repressão ao cantar junto ao rio tudo aquilo que a sua alma lhe transmite.
Finalmente temos o "Sérgio" que ganha corpo através da contida quanto desejada interpretação de Tomás Alves, que representa de certa forma toda aquela comunidade que prefere não olhar para o que é e para o que sente limitando-se a repudiar o dito "diferente" mas que é afinal, nada mais do que uma parte dela própria.
Destaque ainda para a magnífica fotografia de Daniel Neves, que consegue com os seus contrastes de luz retratar a vida de um interior alentejano "apagado" durante o dia mas "vivo" durante a noite, como também através das suas sombras nocturnas retratar uma demonstração de liberdade tão intensa como aquela sentida pelas suas personagens, transformando-se assim num intensa e muito presente elemento deste filme.
Finalmente, e em complemento da já referida liberdade reprimida que é exponenciada com a aproximação da noite que permite a fuga das personagens, este argumento de Possidónio Cachapa consegue ser um interessante e muito bem escrito hino a uma liberdade que não se deve perder, ou sequer permitir a ideia de que pode ser perdida. Retrato este que é magnificamente interpretado pelos igualmente poderosos desempenhos de Cristovão Campos e Anabela Teixeira que, para além de qualquer palavra, conseguem com as suas interpretações silenciosamente ruidosas, manifestar a sua presença que se sente a cada momento em que estão sob o nosso olhar.
O ano ainda há pouco começou mas este é seguramente um dos trabalhos que figurará entre os melhores apresentados este ano, especialmente se pensarmos que poderá ainda dar origem a uma longa-metragem que desenvolva ainda mais estas tão ricas personagens, e que só já não o foi porque alguém achou que não tinha potencial para tal. Como se enganaram... A ser transformado numa é cinema com potencial de carreira internacional. E com isto, está tudo dito.
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9 / 10
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