Ronan's Escape de A. J. Carter é uma curta-metragem australiana e um dos mais bem conseguidos trabalhos que vi sobre a sempre tão problemática questão do bullying.
Centrado numa Austrália rural e tendo como base a vida de Ronan (David Lazarus) um jovem de quatorze anos que pelo que depreendemos passa todo o tempo da sua vida a ser vítima dos abusos e maus tratos dos colegas. A inexistência de paz e tranquilidade na vida deste jovem não só o impedem de ter uma juventude e adolescência tranquilas como, principalmente, o fazem refugiar-se em pequenos momentos que só ele sabe apreciar mas que, tal como toda a sua vida, têm de ser apreciados em silêncio para que não lhe sejam retirados.
Pequenos momentos esses que são, infelizmente, também eles sabotados por uma constante violência que é tida e sofrida em silêncio longe dos olhares dos familiares que são, normalmente, os últimos a conhecer esta faceta escondida de tantos jovens e por vezes só quando as consequências se tornam difíceis e duras demais ao ponto de já não poderem ser ocultadas.
Esta excelente curta-metragem que o próprio A. J. Carter escreveu em colaboração com Lukas William Martin, é assim um duro mas honesto retrato sobre a vida deste jovem que apenas conseguiu encontrar a pior solução para poder "escapar" à tortura e humilhação que lhe eram impostas diariamente. A inovação deste trabalho prende-se não tanto com os acontecimentos em si mas na forma como estes são relatados para o espectador. Tradicionalmente temos o filme com discursos e momentos onde as palavras conseguem ser as mais duras armas utilizadas, no entanto aqui o que temos é uma sua ausência quase total para cedermos e nos deixarmos guiar não pela brutalidade dessas mesmas palavras mas sim pelos actos que se sucedem a um ritmo acelerado transformando determinantemente a vida deste jovem.
David Lazarus, o jovem actor, consegue através do seu olhar que transmite uma mágoa e solidão profundas, emocionar o espectador a todo o momento. Não sendo indiferente aos maus tratos de que é vítima, este jovem consegue no entanto demonstrar que os sente mas, ao mesmo tempo, que estes já são uma parte garantida do seu dia-a-dia e que, inevitáveis como são, os encara não com naturalidade mas como uma certeza. Não só vive isolado como também se refugia num mundo próprio, o qual pensamos não poder vir a ser violado, até percebermos que a perseguição de que é alvo não tem qualquer tipo de limite. Todo o sofrimento que o seu "Ronan" sente é transmitida com pequenos olhares e expressões que percebermos já os assumir como "normais".
A emotiva banda-sonora da autoria de Hamilton Cleverdon que em crescendo nos aproxima do fim escolhido por "Ronan", bem como a fotografia de David Le May que através dos seus tons neutros não só nos faz abstrair de qualquer detalhe irrelevante como também nos aproxima de uma realidade familiar mais humilde de "Ronan" (que poderá "explicar" a perseguição dos seus colegas) bem como, ao mesmo tempo e o mais importante, aproximar também daquele jovem que esperamos possa ainda vir a encontrar um lugar que lhe transmita a paz que não tem. Infelizmente, é também o detalhe mais importante que nos demonstra qual o seu fim que, por breves momentos resolvemos esquecer mas que bem perto do final nos esclarece sobre o que devemos esperar.
Se uma palavra fôr suficiente para caracterizar um filme que se dedique em particular a este tão sensível e por vezes tão esquecido tema, essa palavra bem poderia ser "magistral". A. J. Carter tem aqui um trabalho digno de um realizador (e argumentista) de excelência onde demonstra a sua sensibilidade para temas polémicos e importantes para os quais a sociedade fecha ainda os olhos preferindo encará-los como meras "brincadeiras de crianças".
Este é um importante filme a reter e que poderia ser utilizado em tantas dessas campanhas de sensibilização que optam muitas vezes pela mediatização do tema e não por uma história simples e que conseguiria obter muitos mais resultados práticos. "Two thumbs up!"
.
10 / 10
.
Sem comentários:
Enviar um comentário