sexta-feira, 17 de julho de 2015

Nada S.A. (2014)

.
Nada S.A. de Caye Casas e Albert Pintó é uma curta-metragem espanhola de ficção cujo argumento - também da autoria da dupla de realizadores - nos apresenta Carlos (Emilio Gavira), um homem já de meia idade que procura trabalho sem sucesso há já alguns anos. Um dia responde a um anúncio da companhia NADA S.A. que lhe oferece uma proposta aparentemente irrecusável.
Quando parece ter tudo na mão para lhe conferir um estilo de vida invejável, irá Carlos conseguir manter aquele que parece ser o emprego da sua vida?
Casas e Pintó criam a alegoria perfeita sobre o mundo do trabalho nos nossos dias. Tudo começa com uma auto-desmotivação em que nada parece resultar e os dias melhores parecem ou distantes ou impossíveis. Quando todas as tentativas de dias melhores ou alguma oportunidade se desvaneceram, o Homem está disposto a tudo - mesmo ao impossível - para manter o pouco que tem e poder pagar as suas contas e trivialidades ao final do mês. Se a idade já avança e as oportunidades parecem escassas ou nenhumas, o que fazer quando uma hipótese absurda lhe bate à porta senão... aceitar?!
No entanto, aquilo que a dupla de realizadores e argumentistas fazem com o que o espectador pense é até que ponto o desespero leva o Homem a aceitar esse impensável para manter a sua dignidade. Mais, pensa o espectador que não é possível perder a dignidade mas a realidade está longe de ser esta... quando as contas aparecem e a vida parece condenada ao fracasso, a dignidade é um valor moral que rapidamente se cede e perde em nome da manutenção das "pequenas coisas". É isto que acontece a "Carlos".
"Carlos" é a imagem do homem moderno. Fruto de uma geração com pouca formação e que se vê agora desprezado por um mundo em constante evolução, ele mantém - ou tenta - todo o tipo de trabalhos que lhe garantam a manutenção do seu estilo de vida. No fundo, é tudo uma questão económica... a casa, o carro, a mulher, o(s) filhos (s) e todos aqueles pequenos luxos que o homem da classe média tenta manter para de noite poder dizer que vive a sua vida. Mas o que acontece quando estes trabalhos deixam de aparecer e a vida parece condenada ao fracasso e à perda desses pequenos luxos? "Carlos" opta pelo impensável... por aquilo que parece absurdamente irreal e que até ele - um homem já sem esperança ou qualificações - consegue manter... Um dia inteiro sentado a uma cadeira, sem se mexer ou falar em troca de um salário também ele irreal para um homem da sua idade.
À semelhança daquilo que parece um estudo comportamental, "Carlos" inicia o seu novo trabalho e sob a vigilância atenta de "Emilio" (Jaume García Arija) - o segurança da empresa - senta-se e dá início ao seu primeiro dia de trabalho. Tudo corre bem e a experiência não parece cansativa e fora das horas de expediente - das 10 às 20 horas - estabelece uma simpática amizade com ele... Falam da vida e do seu trabalho, das suas experiências e de banalidades de dois homens que se começam a conhecer.
Passa um dia... seis meses... Face ao desaparecimento de "Emilio" que desespera com a experiência, o tempo começa a ser para "Carlos" uma experiência dolorosa... um tormento que lhe retira a sua sanidade mental e o seu próprio descanso. Num extenso pavilhão vazio onde apenas se encontra ele e a sua cadeira, passam dois anos e "Carlos" já pensa como perdeu a mulher, o filho, o cão e até um carro novo que não usa dada a sua permanência naquele espaço.
O Homem - ele - é desumanizado e explorado. Torna-se o escravo de um salário que não disfruta, uma vã memória de uma família que já não tem e até mesmo uma miragem do homem - já de si apagado - que em tempos fora. "Carlos" foi engolido por um sistema desconhecido que explora a mais elementar condição humana e a sua resistência à manutenção da sua dignidade que, no processo, desapareceu. Ele torna-se numa lenda... no chamado mito urbano sobre o homem social, aquele que trabalha para viver... mas não vive para trabalhar. Agora "Carlos" é o retrato de um homem moderno que se esqueceu de si e que a tudo se sujeita para sobreviver agarrado à premissa de que apenas existe pelo reflexo dos bens que possui garantidos pelo dinheiro que ganha mas que para garantir que existem está impossibilitado de os usufruir... o trabalho assim o obriga.
Sem família, amigos ou vida para lá das suas dez horas diárias, "Carlos" alucina e pensa na sua situação que é agora sinónimo da sua existência. Aliás, toda a alucinação é o único sinal de que ele próprio ainda existe e decide - pensa - que ninguém o observa resolvendo finalmente transgredir as regras e levantar-se da sua cadeira.
É este simples mas intenso sinal de rebeldia anti-sistema - que desconhecemos qual seja pois nunca saímos daquele armazém - que define o seu carácter, a sua existência, moral e dignidade (ou o que dela resta) e que permitem ao espectador pensar sobre a sua própria condição. Torna-nos felizes o facto de podermos possuir e disfrutar algo ou apenas a concepção de que o podemos ter? Teremos vida para lá do trabalho que desempenhamos ou este mantém-nos afastados daquilo que realmente "acontece"? Seremos assim tão independentes ou estaremos a ser observados até nos mais ínfimos momentos? No fundo a grande questão que Casas e Pintó nos colocam é se existimos ou somos definidos de facto para lá daquilo e naquilo que fazemos?
A genial curta-metragem de Casas e Pintó nada seria se a acompanhá-la não estivesse uma igualmente grande interpretação de Emilio Gavira que inicialmente se apresenta como um homem apagado pela sua falta de oportunidades mas que aos poucos se sente dignificado pela nova forma de existir no mundo que lhe proporcionam tudo aquilo com que sempre sonhou mas nunca conseguiu. De um inicialmente retraído "Carlos" a um que sorri com a sua nova existência e que passa rapidamente a alguém atormentado com as suas próprias escolhas, Gavira tem uma alma suficientemente grande para se tornar no centro de tudo... dos seus pensamentos, dos nossos olhares, do próprio armazém e do seu crescente sofrimento e amargura que oscilam entre o presente e muito presente. Gavira é grande... muito grande... e quer o seu silêncio como os seus intensos pensamentos atormentam quem realmente quiser pensar o quão "real" pode ser toda esta absurda "condição" profissional.
Um alegórico - ou real - espelho do mundo laboral moderno... o espectador que decida. Mas certa é a confirmação de um intenso e genial filme curto que no "nada" encontra o seu todo e em Gavira o seu messias.
.
.
9 / 10
.

1 comentário:

  1. Mil gracias por la crítica!!!!
    la hemos publicado en nuestro facebbok...
    https://www.facebook.com/NadaSA.elcortometraje

    ResponderEliminar