domingo, 28 de maio de 2023

Nonna (2022)

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Nonna de Paco Sepúlveda (Espanha) é uma das mais recentes obras de cinema em formato curto que nos transporta para o imaginário recente da pandemia da COVID-19.
Com duas semanas a viver em estado de emergência Mercedes (Teresa del Olmo), está confinada sozinha em casa. Uma noite tem um acidente ao escorregar no chuveiro. Apesar de todos os seus esforços para chamar alguém de família, o auxílio está dificultado pelas restrições sentidas à liberdade de circulação.
A curta-metragem de Paco Sepúlveda leva o espectador a uma estranha e dolorosa viagem cuja realidade ali apresentada está presente antes, durante e depois dos efeitos da pandemia que a todos nos afectou. Se por um lado encontramos aqui a realidade de uma mulher idosa que se vê prisioneira do seu próprio lar e das restrições que a pandemia impuseram, não é menos verdade que muitos dos receios sentidos enquanto mulher e mulher de idade avançada estão presentes para lá daquele período tenebroso que sentimos no início desta terceira década do século XXI. Senão vejamos... encontramo-nos perante a vida de uma mulher que, ainda que de idade avançada e mantendo algumas liberdades, se vê neste período presa a uma realidade que não é totalmente a sua... por um lado ainda se movimenta mas, ao mesmo tempo, tem condicionantes como, por exemplo, um botão de emergência para pedir auxílio... Mas será este auxílio prestado de acordo com os seus desejos? Poderá esta mulher sentir-se confortável com estranhos que a socorram e que a vejam - neste caso em concreto - exposta ao mundo e a quem quer que surja e que seja o "socorro" daquele momento?
Se a privacidade desta mulher é ameaçada pela força das circunstâncias, não é menos verdade que a sua liberdade também o é na medida em que se encontra dependente da possibilidade de auxílio da família que, pandemia à parte, também ela se vê condicionada pelas circunstâncias da vida, do trabalho e das obrigações que os forçam a encontrar-se cada um... no seu espaço. Finalmente, e aqui um factor que esteve invariavelmente ligado ao tempo vivido em 2020, a restrição forçada de movimento que a tantos condicionou impedindo-os de chegar perto daqueles que de si precisavam levando todos a uma inesperada independência dentro da dependência sentida pelos mais vulneráveis. Aqui, uma mulher de idade avançada que depende da sua família mais próxima vê-se forçada a encontrar o escape pelas suas próprias mãos e, ao mesmo tempo, decidir o que fazer (ou não) para sobreviver à ausência daqueles de quem precisa. No seio da vergonha, do medo, das incertezas e de um futuro que se afirma como incerto, conseguirá esta mulher sobreviver àquela que será possivelmente uma das maiores provações da sua vida?
Intenso desde o primeiro instante na medida em que o espectador se encontra frente a frente com uma história que está para lá de um terror psicológico, este Nonna capta sim o terror urbano actual - daquela actualidade - em que os mais idosos e, por consequência, mais vulneráveis se viram dependentes e retidos a uma realidade que já não era a sua. Como sobreviver quando ninguém se pode aproximar de ti? Como sobreviver quando uma distância de cem metros pode ser tão complicada de percorrer como uma de cem quilómetros? Como sobreviver quando a vergonha te impede de pedir socorro a um estranho que, para "ti" pode representar a violação do teu espaço... do teu corpo... da tua individualidade? Este medo apenas é comparável (talvez não tanto) pelo sentido por um familiar que tenta tudo por tudo para te socorrer mas que os dias vividos levantam a suspeita e a desconfiança para  com todos aqueles que não estão dentro da norma "actual" representando, dessa forma, o transgressor que nunca na vida pensou ser? Intenso ainda pela dura e crua realidade que ali se expôs sobre o dia-a-dia de tantos e tantos idosos que vivem numa solidão aí consciente mas que se tornou "normal" pelas inconsistências de uma vida que não permite aos seus estarem presentes em todos os momentos das suas vulneráveis vidas. Vulnerabilidade... essa sim a palavra que caracteriza todas as vidas aqui retratadas... uns colhidos pela vergonha... outros pela incerteza... e todos pela desconfiança que os dias estranhos e "diferentes" - e nada normais - nos impuseram, levando a que todos nós experimentassem forçadamente a realidade que a própria realidade nos impõe nesses dias que agora chamamos de "normais"... onde recuperamos das perdas, das ausências e daquilo que fica depois da morte que a todos bateu à porta.
Um bravo a um inteligente realizador que conseguiu retirar o melhor de um argumento sobre uma história trágica, actual e que foi a realidade de todos nós bem como de uma fenomenal e igualmente intensa interpretação de uma magnânime Teresa del Olmo.
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8 / 10
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