terça-feira, 30 de maio de 2023

Psicario (2022)

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Psicario de Daniel Padró (Espanha) é mais uma incursão do cinema espanhol em formato curto no universo do fantástico aqui com um interessante e diferente registo para o género.
Um criminoso (Alain Hernández) entra na casa de uma mulher (Ariadna Cabrol) com o intuito de manipular as suas recordações. Ele quer eliminar as memórias de um passado criminoso que ela testemunhou e que ele pretende ver desaparecer. Conseguirá ele eliminar o passado ou entregar-lhe um novo futuro?
O realizador e também argumentista Daniel Padró cria uma história inesperada na medida em que sem se desviar do universo dos criminosos e mafiosos que tentam eliminar as testemunhas dos crimes que cometeram, os transforma em algo que está para lá do crime banal de rua a que tantas vezes o espectador está habituado neste género de filme em questão. Não, aqui pelo contrário o "nosso" criminoso tem outros intuitos. Tem, digamos, a sua própria agenda criminosa - quase parece que se fala de uma empresa ou de um consórcio de crime -, transformando as memórias da vítima em algo que nunca existiu mas apoderando-se do seu pensamento para lhe atribuir uma nova memória partilhada. Ele já não é o (não tão) simples criminoso contra quem ela iria testemunhar passando a ser agora um amor do passado de quem ela não suspeita ou tem motivos para recear.
Os elementos tradicionais deste género encontram-se todos lá. Uma vítima/testemunha escondida para ir a tribunal depôr contra um perigoso criminoso. Este, incapaz de esperar calmamente por um desfecho que lhe seja favorável, opta não só por a perseguir mas sobretudo para lhe impôr medo. Medo esse que apenas resiste alguns segundos quando ela, ainda consciente do perigo que corre, percebe que nãos e encontra sózinha numa casa enorme e fora do apoio de qualquer autoridade e que, dessa forma, ele mais facilmente poderá controlar. Mas aqui, em vez de se eliminar pura e simplesmente a testemunha, porque não colocá-la no mesmo patamar que o "eu" deste criminoso e transformá-la em alguém que ele conhece, alguém que o ama e, dessa forma, incapaz de ver nas suas acções o perigoso criminoso de que todos os demais falam?!
Do universo de gato persegue rato dentro de uma casa enorme, o espectador passa assim a assistir a uma história entre dois potenciais amantes que, mesmo podendo estar separados, se encontram agora a partilhar alguns dos momentos já vividos no passado (para ela) mas que mais não são do que retratos de momentos breves de um passado próximo (para ele) que, na realidade, nunca chegaram a existir como a nossa vítima assim os percepciona. Estaremos afinal perante um novo tipo de crime que se apropria das nossas memórias ou, por sua vez, apenas diante de um pequeno alento que terá um final comum, banal e já conhecido? Fica a pergunta... o que seria do crime se quem o perpetua se pudesse apoderar das nossas memórias ou, ainda pior, transformá-las em algo que nunca existira?
Interessante na perspectiva da existência e elaboração de um novo tipo de crime tão ou mais perigoso do que a tradicional eliminação das testemunhas a que o habitual filme de gangsters nos habitual, Psicario será, tal como o título indica, um novo desfecho para a realidade de um crime porvir... não aquele que se cometeu e que agora se pretende que as suas provas sejam eliminadas. Esse já o conhecemos e já fora cometido. Agora o objectivo é transformar a testemunha num de "nós"... alguém incapaz de ver no criminoso aquilo que ele é mas sim um indivíduo que queremos "nos" reconheça como alguém que está do nosso lado, que nos quer bem e que jamais seria incapaz de nos prejudicar... o crime não estará tanto naquilo que fora cometido mas sim no que se pode ousar fazer naqueles que não estão do "nosso" lado.
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7 / 10
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