Whirlpool 3933, de José Luís Santos Pérez (Espanha) é uma das curtas-metragens presentes na competição oficial da secção Cantábria da edição deste ano do Festival Internacional de Cine de Piélagos.
Txema (Mariano Venancio) cuida sózinho da mulher incapacitada sem nunca ter recebido qualquer resposta dos serviços sociais. Mas um dia, quando já é tarde demais, Txema recebe finalmente a ajuda de que tanto esperava... mas para lhe poder dar uso irá precisar da ajuda de Carlos (Carlos Kaniowsky), o dono da mercearia local.
À semelhança do que já acontecera com Le Vivre Ensemble (2017) pelo qual venceu o troféu de Melhor Curta-Metragem da Cantábria, o realizador José Luís Santos Pérez regressa com mais uma história de cariz amplamente social e actual. Se na obra anteriormente mencionada o espectador observava as não tão subtis transformações de segurança nas escolas onde às crianças era ensinado como sobreviver num mundo novo onde os seus lugares primários poderiam ser alvo de atentados terroristas, aqui com este Whirpool 3933 estamos perante uma nova realidade que se prende directamente com alguns falhanços do estado social tal como o conhecemos e à sua incapacidade de assistência e apoio técnico e domiciliário àqueles que dele necessitam.
"Txema" vive num bairro que o espectador compreende como um espaço onde as carências provocadas pelas sucessivas crises económicas já há muito que afectaram uma boa parte da população que tenta sobreviver - novamente a temática da sobrevivência - conforme podem. Seja pelo assistência comunitária, seja pelo recorrer ao empréstimo fiado de bens essenciais ou mesmo pelo sem número de "favores" que a boa vizinhança acaba por prestar, mas ali ninguém parece imune à passagem desses tempos difíceis que todos sentem. Num ambiente adverso e onde a crise afecta o mais prevenido, conhecemos também aqueles que vindos de outras paragens enquanto refugiados sentem todas estas carências com a agravante de se encontrarem num local estranho, com outra língua e costumes que aprender e ainda com a questão de terem de subsistir às intentonas alheias sobre o facto do "estrangeiro tudo ter" quando aos "nacionais tudo falta"... esquecendo estes últimos que os anteriores... já nada têm e tudo perderam.
Neste ambiente começa o mais ou menos inesperado segundo drama de "Txema" que depois de dois anos a tratar de uma mulher inválida e sem reacção sem qualquer apoio se vê agora a braços com a sua repentina morte... no exacto momento em que a assistência social lhe garante o apoio de que tanto esperava... Mas... e agora o que fazer? Denunciá-lo como desnecessário ou reclamá-lo como algo que lhe é devido?! Num momento em que a ajuda "oficial" lhe bate à porta, "Txema" precisa sim da ajuda dos vizinhos que por uma chantagem típica de quem quer sobreviver àquela dos que também querer tirar um pouco do ouro do pote, embarcam numa viagem de extorsão e "mãos limpas" que a todos parece garantir uma vida e um dia-a-dia um pouco melhor. Afinal, não estarão todos eles a viver no tal limite? Da pobreza à doença passando pela guerra e pelo drama dos refugiados sem esquecer o desgaste físico e emocional que a agora falecida mulher de "Txema" lhe havia provocado, encontramos aqui um conjunto de todos os marginalizados que a sociedade tende (in)voluntariamente a esquecer porque estáo do lado de lá dessa margem que tão dificilmente alguém ousa ultrapassar. Dito isto, porque não aproveitar um pouco do tal pote para lá do arco-iris se ele está agora ali... a um pequeno passo de todos?! De acordo em acordo onde todos, inspector incluído, encontram uma forma de encher um pouco mais os bolsos, esta curta-metragem que se quer trágica assume contornos de uma comédia mordaz e socialmente inquietante que desarma não pelo seu humor ponderado e bem pensado mas sim pela tal tragédia que, tal como muitas das suas personagens tentam, tende a ser escondida porque se assume como uma vergonha que ninguém quer assumir. E nós, espectadores mais ou menos preparados para aquilo que um brilhante argumento da autoria do realizador, sorrimos com alguma tristeza porque compreendemos que aqueles também poderemos - e somos - ser nós num outro contexto... num outro cenário... num outro bairro... mas ali estamos todos nós.
Mordaz e desafiante oscilando entre o humor e a dramatização moderada da dita tragédia, Whirpool 3933 consegue ainda por momentos recriar um ambiente de terror moderno. Não existem ali fantasmas, espíritos ou monstros para lá daqueles que, na realidade, todos nós acabamos por conhecer das nossas próprias realidades... o "fantasma" da miséria... o "espírito" da incapacidade... o "monstro" da perda e da solidão... todos estão ali calma e convenientemente sentados à espera da próxima vítima que se manifeste e lhes tente dar luta... umas vezes sobrevivendo-lhes... outras cedendo às suas pressões... mas todos estão ali tranquilamente à espera que os olhemos nos olhos e os chamemos para mais um desafio. José Luís Santos Pérez consegue assim, uma vez mais, desarmar o espectador para a tragédia de uma amarga realidade forçando-o a compreender que aquelas vidas podem estar ali... já ao virar de uma esquina e, muitas vezes, sem que nós demos conta que elas ali estão. Ou mesmo... que poderemos ser nós a vivê-las e a compreendê-las na primeira pessoa.
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.Txema (Mariano Venancio) cuida sózinho da mulher incapacitada sem nunca ter recebido qualquer resposta dos serviços sociais. Mas um dia, quando já é tarde demais, Txema recebe finalmente a ajuda de que tanto esperava... mas para lhe poder dar uso irá precisar da ajuda de Carlos (Carlos Kaniowsky), o dono da mercearia local.
À semelhança do que já acontecera com Le Vivre Ensemble (2017) pelo qual venceu o troféu de Melhor Curta-Metragem da Cantábria, o realizador José Luís Santos Pérez regressa com mais uma história de cariz amplamente social e actual. Se na obra anteriormente mencionada o espectador observava as não tão subtis transformações de segurança nas escolas onde às crianças era ensinado como sobreviver num mundo novo onde os seus lugares primários poderiam ser alvo de atentados terroristas, aqui com este Whirpool 3933 estamos perante uma nova realidade que se prende directamente com alguns falhanços do estado social tal como o conhecemos e à sua incapacidade de assistência e apoio técnico e domiciliário àqueles que dele necessitam.
"Txema" vive num bairro que o espectador compreende como um espaço onde as carências provocadas pelas sucessivas crises económicas já há muito que afectaram uma boa parte da população que tenta sobreviver - novamente a temática da sobrevivência - conforme podem. Seja pelo assistência comunitária, seja pelo recorrer ao empréstimo fiado de bens essenciais ou mesmo pelo sem número de "favores" que a boa vizinhança acaba por prestar, mas ali ninguém parece imune à passagem desses tempos difíceis que todos sentem. Num ambiente adverso e onde a crise afecta o mais prevenido, conhecemos também aqueles que vindos de outras paragens enquanto refugiados sentem todas estas carências com a agravante de se encontrarem num local estranho, com outra língua e costumes que aprender e ainda com a questão de terem de subsistir às intentonas alheias sobre o facto do "estrangeiro tudo ter" quando aos "nacionais tudo falta"... esquecendo estes últimos que os anteriores... já nada têm e tudo perderam.
Neste ambiente começa o mais ou menos inesperado segundo drama de "Txema" que depois de dois anos a tratar de uma mulher inválida e sem reacção sem qualquer apoio se vê agora a braços com a sua repentina morte... no exacto momento em que a assistência social lhe garante o apoio de que tanto esperava... Mas... e agora o que fazer? Denunciá-lo como desnecessário ou reclamá-lo como algo que lhe é devido?! Num momento em que a ajuda "oficial" lhe bate à porta, "Txema" precisa sim da ajuda dos vizinhos que por uma chantagem típica de quem quer sobreviver àquela dos que também querer tirar um pouco do ouro do pote, embarcam numa viagem de extorsão e "mãos limpas" que a todos parece garantir uma vida e um dia-a-dia um pouco melhor. Afinal, não estarão todos eles a viver no tal limite? Da pobreza à doença passando pela guerra e pelo drama dos refugiados sem esquecer o desgaste físico e emocional que a agora falecida mulher de "Txema" lhe havia provocado, encontramos aqui um conjunto de todos os marginalizados que a sociedade tende (in)voluntariamente a esquecer porque estáo do lado de lá dessa margem que tão dificilmente alguém ousa ultrapassar. Dito isto, porque não aproveitar um pouco do tal pote para lá do arco-iris se ele está agora ali... a um pequeno passo de todos?! De acordo em acordo onde todos, inspector incluído, encontram uma forma de encher um pouco mais os bolsos, esta curta-metragem que se quer trágica assume contornos de uma comédia mordaz e socialmente inquietante que desarma não pelo seu humor ponderado e bem pensado mas sim pela tal tragédia que, tal como muitas das suas personagens tentam, tende a ser escondida porque se assume como uma vergonha que ninguém quer assumir. E nós, espectadores mais ou menos preparados para aquilo que um brilhante argumento da autoria do realizador, sorrimos com alguma tristeza porque compreendemos que aqueles também poderemos - e somos - ser nós num outro contexto... num outro cenário... num outro bairro... mas ali estamos todos nós.
Mordaz e desafiante oscilando entre o humor e a dramatização moderada da dita tragédia, Whirpool 3933 consegue ainda por momentos recriar um ambiente de terror moderno. Não existem ali fantasmas, espíritos ou monstros para lá daqueles que, na realidade, todos nós acabamos por conhecer das nossas próprias realidades... o "fantasma" da miséria... o "espírito" da incapacidade... o "monstro" da perda e da solidão... todos estão ali calma e convenientemente sentados à espera da próxima vítima que se manifeste e lhes tente dar luta... umas vezes sobrevivendo-lhes... outras cedendo às suas pressões... mas todos estão ali tranquilamente à espera que os olhemos nos olhos e os chamemos para mais um desafio. José Luís Santos Pérez consegue assim, uma vez mais, desarmar o espectador para a tragédia de uma amarga realidade forçando-o a compreender que aquelas vidas podem estar ali... já ao virar de uma esquina e, muitas vezes, sem que nós demos conta que elas ali estão. Ou mesmo... que poderemos ser nós a vivê-las e a compreendê-las na primeira pessoa.
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