sexta-feira, 7 de março de 2014

L'Ennui (1998)

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O Tédio de Cédric Kahn é uma longa-metragem francesa vencedora do Prix Louis Delluc de Melhor Filme Francês do ano, e que se assumiu como uma obra provocadora e de intensas interpretações pelos seus actores.
Martin (Charles Berling) é um insatisfeito professor de filosofia que assiste ao passar dos anos sem nenhuma obra ou objectivo de vida vivendo unicamente na reclusão dos seus pensamentos e da sua solidão extrema e os ocasionais encontros com Sophie (Arielle Dombasle), uma antiga paixão com quem apenas mantém uma amizade e que o deixou tendo avançado com a sua própria vida.
Martin num dos seus passeios pela noite vislumbra Meyers (Robert Kramer) e Cécilia (Sophie Guillemin), um casal que tem tanto de terno como de indiferente e que atraem a sua atenção pela sua evidente distância etária. Martin persegue-os de carro e após um breve encontro com Meyers, toda a sua vida começa rapidamente a transformar-se envolvendo-se ele próprio numa tórrida relação com a indiferente Cécilia.
Nomeado para três César da Academia Francesa de Cinema para Actor (Berling), Actriz Secundária (Dombasle) e Actriz Revelação (Guillemin), L'Ennui é um filme promissor na perspectiva de um relato vivo de pessoas sem vida mas, na sua essência pouco mais é do que uma história sobre um potencial casal que nunca o chega a ser para além dos breves e programados encontros sexuais que os unem sem, no entanto, conseguirem ou quererem com eles criar um real laço afectivo.
Indo por partes, o argumento da autoria de Cédric Kahn e Laurence Ferreira Barbosa a partir da obra L'Ennui, de Alberto Moravia, exala o potencial de poder ser um daqueles filmes em que deparamos logo desde o primeiro instante com uma história intensa que nos irá facilmente transportar para um submundo urbano de vidas sem emoções. Vidas perdidas na mundanidade do dia-a-dia e que apenas tentam estabelecer uma qualquer ligação que lhes faça provar que estão ainda vivos. Enquanto "Meyers" se centra na fogosidade da sua vida junto a uma jovem "Cécilia", "Martin" justifica a companhia com a jovem para sentir que a sua vida voltou a ter um qualquer significado para o mundo e, principalmente para si. Em última análise esta relação tóxica que ambos os homens criam apenas os poderá levar à sua própria perdição e como consequência última à morte, facto que se confirma com um deles.
Se é um facto que antes de a conhecerem este homens poderiam levar vidas aborrecidas mas, ainda assim, com um propósito artístico ou educacional, é também verdade que depois de a conhecerem encontraram uma vida física e sexual activa mas não mutuamente sentida que lhes confere um propósito unicamente momentâneo mas igualmente vazio e desprovido de sentimento de pertença ou de vida como até então haviam sempre haviam sentido, mantendo a insatisfação que já lhes era tão habitual.
Resumidamente... não é por encontrar aquele alguém que os completa sexualmente que têm necessariamente alguém com quem possam contar para os momentos mais mundamos do dia-a-dia. Assim, e para além de encontros sexuais programados quase ao detalhe tanto nos dias como na sua eventual duração, "Martin" mais não é do que um homem completamente só e a quem os poucos amigos que lhe restam querem dedicar pouca ou nenhuma atenção.
É toda esta envolvência que poderia resultar numa história sobre a solidão moderna nos grandes centros urbanos onde apesar dos milhares de pessoas com quem somos mais ou menos obrigados a conviver o "Homem" se encontra só e esquecido podendo cair facilmente sem ter ninguém que lhe preste atenção ou dê conta da sua breve passagem por este mundo. No entanto, graças a um conjunto de interpretações que roçam a todo o instante um qualquer histerismo também ele urbano que este filme é, desde muito cedo, uma experiência difícil de digerir e francamente desgastante. Nenhum dos actores protagonistas consegue criar uma empatia, por mais ínfima que seja, com o espectador limitando-se a personagens mais histéricas como "Martin", apáticas como "Cécilia" ou frustradas como "Sophie", com as quais em momento algum consegue o espectador criar empatias, ligações, identificação ou sequer perceber e aceitar os seus problemas. Tudo aparenta ser mecânico desde a forma como encaram a vida, os problemas, o sexo, a amizade, a convivência e os seus eventuais destinos. Deambulam pelos espaços e sem grandes prazeres, desejos, ambições e vontades para além de um total desinteresse para consigo próprios e para com a própria existência que levam estando obviamente desinteressados com tudo o que os rodeia que já nem lugar ocupa como uma potencial preocupação.
L'Ennui é de facto o tédio. O tédio de uma vulgaridade nos comportamentos e nos actos, nas ligações e na forma como poderia ter sido elaborada a plataforma que levasse o espectador a pensar que aquele momento e aquela vida poderia ser a sua. O tédio por a certo momento ter sido pensado que o espectador se interligava com uma história que de si pouco tem para oferecer, nem sequer o discernimento de pensar que estas poderiam ser as pessoas com que diariamente cruzamos nas ruas. Não, aqui o tédio é a forma como todos encaram aquilo que fazem... o tédio de dar aulas, de se relacionar com os seus eventuais amigos, de dar um beijo, de manter uma relação sexual ou até mesmo, e bem pior que tudo o demais, encarar a própria vida como um tédio, como algo sem sentido, banal, dispensável para com a qual tudo se resolve de forma mecânica e sem interesse. Nesta perspectiva os actores são brilhantes interpretando de alma como tudo aquilo que fazem é apenas uma tarefa a cumprir para obter um crédito no final. No entanto, uma vez cumprido esse mesmo "crédito" não é tido como algo conseguido mas é, também ele, mais um elemento a contribuir para esse tédio já existente fazendo com que todo este filme seja uma experiência penosa e difícil de agradar. Talvez para o próprio tédio do espectador.
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2 / 10
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