00:30 A Hora Negra de Kathryn Bigelow tem sido um dos filmes sensação desta temporada de prémios arrebatando quase todos os troféus de Filme e Realizadora dos grandes grupos da crítica especializada norte-americana bem como, mais recentemente, o Globo de Ouro para Jessica Chastain como Actriz em Drama, posicionando-o como um dos mais antecipados para os Oscars para os quais recebeu cinco nomeações nas principais categorias como Filme ou Actriz.
Este filme aproxima-nos de Maya (Chastain), uma operacional da CIA, e da sua dedicação e empenho em capturar Osama bin Laden após os terríveis ataques de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos, num percurso que apenas terminaria em Maio de 2011 quando após intensas buscas, pesquisas e interrogatórios onde o mote principal eram as torturas físicas e psicológicas aos detidos eram a palavra de ordem.
Maya, uma jovem recém chegada a uma área profissional que em parte condena e por outro lado percebe ser a única forma de obter informações, rapidamente se enquadra num ambiente hostil onde a cada momento que passa um novo e brutal atentado terrorista pode estar a ser preparado.
No momento em que menos o espera, Maya consegue uma pista que coloca bin Laden ao seu alcance mas, no entanto, ela parece ser a única a acreditar nesta possibilidade.
Três distintos momentos são recriados pelo argumento de Mark Boal, já colaborador de Bigelow em The Hurt Locker e que aqui se arrisca uma vez mais a receber um Oscar pelo seu trabalho. O primeiro aproxima-nos do drama em 2001 através de um conjunto de gravações onde somos confrontados com as vozes de algumas das vítimas daquele fatídico dia. Sem imagens e apenas com um ecrã em negro, não somos distraídos por nada além do sofrimento que aquelas vozes nos transmitem, ao mesmo tempo que servem de enquadramento no tempo e no espaço de tudo o que estaria para acontecer até ao presente.
O segundo longo momento deste filme coloca-nos numa quase interminável rede de escutas, interrogatórios, pesquisas e pistas para tentar capturar aquele que é (foi) o homem mais perseguido e procurado da História. Os seus retrocessos e avanços, as perdas humanas tanto na equipa que o procurava como nos inúmeros atentados terroristas que desde 2001 foram reinvindicados em nome da Al Qaeda (não determinante mas grande foi a omissão ao 11 de Março em Madrid), que contribuíram para uma vontade cada vez maior de Maya em continuar a sua missão (curioso o momento em que revela que não fez mais nada para a CIA além desta missão que, na prática a ocupou em todos os segundos do seu tempo).
Finalmente o terceiro, e talvez um dos mais emocionantes momentos, prende-se com a descoberta do "covil" de bin Laden e com a sua não captura e detenção mas morte, e que nos aproxima de um verdadeiro filme de guerra não tanto pela acção mas sim pela forma em que a própria filmagem é realizada através de câmaras nocturnas e do próprio estilo in loco.
São estes três mesmos segmentos que acabam por determinar a sua própria caracterização. Num primeiro momento assistimos a uma componente mais pessoal onde não só é caracterizado o próprio drama que dá origem a toda esta caça como, principalmente, vemos o lado ainda "humano" desta agente que dá tudo de si para a captura daquele homem. Momento este que se prolonga até ao início do segundo onde assistimos a um conjunto de buscas, pesquisas e interrogatórios que são em muito caracterizados pelos jogos políticos e militares de bastidores que irão determinar a rapidez, ou falta dela, da execução das buscas e da possibilidade que existe, ou não, de Laden ser realmente capturado. Finalmente, a parte mais "prática" de todo este exercício que nos coloca no próprio lugar e momento da sua captura que, como referi, não tanto pela acção do momento mas mais pela forma como é filmado nos coloca nos cenários de um filme de guerra onde esperamos (já o sabemos da própria História) que aquele homem se encontre ali para finalmente ser colocado um fim a todos estes acontecimentos. É de certa forma aqui que, depois de tudo finalizado, surge um dos (senão o único) momento mais emocional de todo este filme para "Maya", quando depois de todo o seu trabalho esta terminado ela própria já não sabe para onde ir, pois toda a sua vida profissional foi dedicada a esta missão que, de uma ou outra forma, lhe retirou tudo o que de "pessoal" poderia ter desde a possibilidade de ter em tempos construído a sua própria família a todos os amigos que constituiu durante este mesmo processo. A sensação de vazio após missão cumprida é assim o elemento que vai permanecer, e é aqui que reside o grande trunfo do argumento de Boal quando nos deixa a questionar sobre o "e agora?".
Bigelow, que estranhamente falhou a nomeação a Oscar para Realização, continua a mostrar que está em forma e recomenda-se para os grandes títulos de acção. Se inicialmente há muitos e largos anos nos provou que dava cartas no género com títulos como Ruptura Explosiva ou Estranhos Prazeres, não deixa de ser igualmente verdade que agora com a sua vontade certeira de tocar na "ferida" da História americana recente, consegue não só entregar títulos controversos, polémicos e muito presentes, pela sua exactidão no relato dos factos, bem como comprova que o seu olhar clínico para os factos não deve, nem se espera, que fique adormecido.
Ao mesmo tempo é também curioso verificar que para a personagem principal de um filme do género que inicialmente por algum preconceito qualquer um poderia pensar que seria entregue a um homem é, no entanto, entregue a uma jovem mas já bem firmada actriz do momento como é o caso de Jessica Chastain. Pessoalmente não considero a sua interpretação uma das mais fortes da sua ainda jovem carreira, nem tão pouco aquele pelo qual ela ficará recordada mesmo que já tenha vencido tantos troféus ou até que venha a vencer o Oscar (novamente... não acredito que seja com este), mas não deixa também de ser verdade que Chastain se afirma a cada passo que dá. Não a vi ainda em nenhuma comédia, mas do que já vi em drama, factual ou ficcionado, não resta qualquer dúvida de que esta actriz ainda vai dar um muito (mesmo muito) e grande contributo para o cinema nos próximos tempos. Aqui, não só nos mostra ser capaz de uma interpretação objectiva e fria onde as suas emoções estão, aparentemente, desviadas de tudo o que se passa à sua volta, limitadas pela determinação que a sua missão lhe confere como, momentos depois, revela que aquele ar gélido e distante são afinal uma defesa que assume para se manter fiel a um caminho que em tempos delineou e que, uma vez concluído, a fragilidade da incerteza do "amanhã" a conseguem facilmente desarmar.
De destacar ainda as interpretações secundárias, mas determinantes para a história de Jason Clarke como "Dan" e de Jennifer Ehle como "Jessica", dois dos mais próximos apoiantes de "Maya" que não tendo sido nomeados para nenhum prémio não deixam de ser determinantes para todo este filme e para o desenvolvimento da personagem de Chastain, um como aquele que a "introduz" à brutal realidade dos interrogatórios e a outra como a única forma que tem de se ligar a um mundo mais pessoal e distante de toda aquela barbárie como se nota, por exemplo, quando as duas decidem ir "sair e jantar fora", bem como se destacam ainda as participações de Mark Strong, Édgar Ramirez ou James Gandolfini como director da CIA.
Com ou sem Oscars (acredito que vá ter o de Argumento e Som) será impossível negar a importância histórica que ele irá ter pela óbvia proximidade aos acontecimentos reais que a ninguém irão passar despercebidos, servindo mesmo de um importante interessante documento da História recente. É também verdade que uma vez mais Kathryn Bigelow toca na ferida e que este se torna num (em mais um) filme polémico da realizadora que se continua a afirmar no meio com filmes que para além da história que contam conseguem ser filmes que transcendem o tempo que demoram a decorrer no próprio ecrã.
O filme do ano não será... mas um deles será certamente e que a partir de amanhã podem ver numa sala de cinema.
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"Maya:
You can help yourself by being truthful."
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8 / 10
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