Decisão de Risco de Robert Zemeckis foi um dos mais aguardados filmes do final de ano por colocar Denzel Washington numa interpretação com conteúdo, longe dos últimos desempenhos que estavam deliberadamente mais marcados por grandes êxitos de acção.
Neste filme, que possivelmente acabará por passar ao lado das grandes audiências, Washington interpreta "Whip Whitaker", um reputado piloto de aviação que atravessa um dos momentos mais complicados da sua vida.
Depois de uma noite agitada com a sua actual companheira que além de sexo teve muito alcoól e muita droga, Whip tem mais um vôo que precisa fazer. De manhã, ainda em clara ressaca de uma noite que acabou tarde, dirige-se para o seu avião onde o seu co-piloto nota que não está nas melhores condições. Mas, tal como ele, o avião também não.
Durante um vôo que atravessa por uma tempestade e já com claras deficiências técnicas, as esperadas avarias sucedem-se a um ritmo alucinante colocando o avião na eminência de um aparatoso desastre que poderá vitimar dezenas.
Depois do acidente, a questão que será agora colocada é quanto deste acidente se deve à negligência e aos vícios de Whip que serão entretanto descobertos ou, por sua vez, aos claros problemas que o aparelho vinha a apresentar. Será agora que a sua vida irá finalmente verificar uma mudança radical que o fará aproximar daqueles a quem mais ama ou continuará Whip numa espiral auto-destrutiva?
Dois são os grandes trunfos deste filme. O primeiro prende-se de imediato com o actor que acaba por ser a figura central e presente em todos os momentos, sem excepção, do filme... Denzel Washington. Normalmente habituados que estamos aos grandes desempenhos que este actor já nos deu, alguns dos quais nomeados a inúmeros prémios incluindo aos Oscars dos quais já saiu duas vezes triunfante, não deixa igualmente de ser verdade que nos últimos anos o temos visto mais em filmes comerciais e que são seguramente sucessos de bilheteira mas que, na prática, são de um conteúdo argumentativo menos elaborado, que é como quem diz filme para entreter as massas.
Por sua vez, neste filme, Washington volta aos seus grandes desempenhos onde consegue recriar os dias de um homem amargurado com a vida e cuja única forma de se sentir vivo são em depositar todas as noites da sua vida nas "mãos" do alcoól e da droga. Se a genialidade deste magnífico actor alguma vez pudesse ser posta em causa, com este filme vem, uma vez mais provar que afinal está de boa saúde e que ninguém como ele consegue dar corpo e alma a vidas atormentadas. O seu "Whip" é uma dessas almas... Desde os momentos iniciais do filme que percebemos que este homem tem um único objectivo na vida... destruir-se. Quer seja através das suas substâncias tóxicas ou de uma vida vivida depressa demais, "Whip" já não tem grandes objectivos na vida. O olhar que Washington lhe "empresta" é disso um claro sinal. Sabemos que o seu propósito neste mundo chegou ao fim, e é apenas com aquele desastre nos céus que ele sente que afinal tem ainda muito que fazer antes de partir, e sentimos isso com a sua tentativa de aproximação a uma mulher e a um filho que sabemos terem há muito partido.
Como há tempos li num dos inúmeros artigos que já foram escritos sobre este actor, e principalmente sobre o seu trabalho, ele é bom a fazer de bom e ainda melhor quando faz de mau. O problema que se coloca é que aqui ele não é propriamente um "mau" mas sim um homem que decidiu ser mau para si próprio destruindo-se lentamente. Sem propósitos de maior, sem objectivos e sem laços afectivos que o liguem realmente a outra pessoa, ele sente-se preparado para se consumir até desaparecer. Ninguém melhor que Washington para dar vida a uma personagem que é assim aparentemente tão rica.
O segundo momento que torna este filme especial prende-se obviamente com o acidente de avião propriamente dito. Desde os primeiros instantes em que os problemas no aparelho se começam a sentir até à queda final, os momentos são tensos e têm a particularidade de nos conseguir realmente colocar dentro daquele aparelho que tem o seu prazo de validade expirado. E se quando o avião fica literalmente virado ao contrário é o climax do momento, não deixa de ser verdade que a sua aparatosa queda constituem um dos momentos que mais calafrios conseguem provocar.
No entanto dito o lado positivo, temos de equacionar tudo o resto... Primeiro, temos de pensar no facto de Washington ser o actor principal e que consegue com o seu carisma criar uma interessante personagem que devido ao seu problema de alcolémia nos faz brevemente recordar um Nicolas Cage em Morrer em Las Vegas na sua busca pela auto-destruíção. Por outro temos de pensar no que seria este filme caso não fosse Denzel Washington a interpretá-lo... Teria ele algo mais além de entusiasmantes imagens sobre um aparatoso, e carregado de efeitos especiais, acidente de aviação? Na realidade acho que não fosse a sua presença e poucos prestariam atenção ao restante filme não desfazendo, no entanto, sobre a sua bem conseguida execução.
Ainda com a participação de John Goodman numa interpretação secundária como o "fornecedor" de Whip, ou até mesmo Kelly Reilly que não tem, infelizmente, uma personagem devidamente explorada como mais uma dependente de drogas que, na prática, pouco enquadramento tem na história mas que a dada altura se cruza com ele no hospital.
Este filme é e vale essencialmente pela interpretação de Washington como um homem que se encontra perdido no mundo mas que face a um trágico acidente a que sobreviveu se encontra no dilema de recuperar ou não a sua vida quando outros a perderam naquele momento. Bem conseguido se nos centrarmos nele mas ao mesmo tempo longe de ser um dos seus maiores desempenhos até à data. Para quem gosta de Denzel Washington sairá certamente satisfeito do filme... para os outros ele mais não será do que um filme que viram e do qual "amanhã" terão poucas memórias a menos que o relacionem de imediato como "aquele filme em que o avião ficou virado ao contrário".
.
7 / 10
.
Sem comentários:
Enviar um comentário